Tortura e morte de Merlino. Comparato consegue citar Ustra
O Conversa Afiada reproduz e-mail que recebeu do professor Fabio Konder Comparato.
Caro Paulo Henrique:
Finalmente, o coronel Ustra foi citado para responder aos termos de nova ação que contra ele intentam a irmã e a companheira do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, torturado até a morte nos porões do sinistro DOI-CODI de São Paulo, à época comandado pelo coronel.
Agora, o que se pede na ação judicial não é mais apenas o reconhecimento da responsabilidade do coronel, mas a sua condenação no pagamento de uma indenização a ser arbitrada pelo Juiz.
Segue anexo o texto da petição inicial.
Amanhã, se tudo der certo, a FENAJ e a FITERT ingressarão no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão, relativamente a vários dispositivos da Constituição Federal sobre os meios de comunicação de massa. (*)
Abraços,
Fábio Konder Comparato
A seguir trechos da petição:
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito do foro central da comarca de São Paulo:
ANGELA MARIA MENDES DE ALMEIDA, brasileira, separada judicialmente, professora universitária aposentada, portadora da cédula de identidade com RG nº 2.233.281 – SSPSP e do CIC nº 021.480.438-03, residente e domiciliada nesta Capital, na rua ..., e REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA, brasileira, viúva, professora, portadora da cédula identidade com RG nº 24.666.219-0 – SSPSP e do CIC nº 280.045.128-95, residente e domiciliada nesta Capital, ... as quais subscrevem a presente petição em conjunto com seus advogados e bastantes procuradores, conforme instrumento particular de mandato incluso (doc. nº 1), os quais mantêm escritório nesta Capital, ... , onde poderão ser intimados de todos os atos do processo, vêm, respeitosamente, requerer a citação por correio, conforme art. 221, I do Código de Processo Civil, de CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, coronel reformado do Exército brasileiro, comandante do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações) no período compreendido entre setembro de 1970 a janeiro de 1974 (doc. nº 2), residente e domiciliado na cidade de Brasília (DF), ... , pelas razões de fato e de direito que seguem:
...
– I –
ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO
A razão e o sentido da presente demanda.
1.- Impõe-se esclarecer, MM. Juiz, introdutoriamente, que o ajuizamento da presente ação tem sentido profundamente ético, e o pedido condenatório ao final formulado constitui mera conseqüência processual desse sentido ético. Vale dizer, o interesse das Autoras não é econômico, mas puramente moral.
As Autoras pretendem, na presente ação, lhes seja reconhecido o seu direito sagrado à verdade, consubstanciado na certificação de autoria dos ultrajes físicos e morais a elas infligidos, e na conseqüente condenação do ultrajante à reparação desses ultrajes.
Por isso mesmo, o alcance e o significado da presente ação são bem mais amplos que a defesa de interesses particulares: eles transcendem, manifestamente, a pessoa das Autoras. Trata-se de saber se o novo Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição de 1988, reconhece ou rejeita, por intermédio do seu Poder Judiciário, a responsabilidade dos atos criminosos praticados pelo Réu, na vigência do anterior Estado de arbítrio.
Em suma, o que efetivamente reparará a dor e o sofrimento das Autoras, embora minimamente, é o reconhecimento pelo Judiciário brasileiro do dano moral que sofreram, em decorrência dos atos de tortura comandados pelo Réu contra seu companheiro e irmão LUIZ EDUARDO DA ROCHA MERLINO, e sua conseqüente condenação por esses mesmos atos de tortura.
....
A-2) Prisão e Morte de Luiz Eduardo Merlino.
11.- De armas em punho e após diversas ameaças a Luiz Eduardo, sua mãe, tia e irmã, os agentes do DOI-CODI levaram-no para seu trágico fim. Foi o último dia em que a família o viu com vida.
A co-Autora Regina Merlino, irmã de Luiz Eduardo Merlino, narrou o horror daquele dia, que prenunciava o assassínio de seu irmão, nestes termos (doc 6):
“No dia 15 de julho de 1971, alguns dias após o retorno do meu irmão da França, estávamos na casa de minha mãe, à Rua Itapura de Miranda, 13, em Santos. Estávamos Luiz Eduardo, eu, minha mãe e minha tia quando tocaram a campainha, e em seguida bateram na porta com muita força. Quando fui atender, já foram entrando com violência e perguntando pelo meu irmão, Luiz Eduardo Merlino. Eu perguntei: ‘O que vocês querem?’ Eram três homens e logo vi que estavam armados, sendo que um deles, o mais alto, estava com uma metralhadora
Na hora, a minha reação foi dizer: “Pelo amor de Deus, não façam nada com meu irmão”. Em seguida, entrei correndo para avisá-lo e disse: “Eduardo, vieram buscar você”, e ele começou a guardar algumas coisas.
Então meu irmão apareceu e ficamos todos na sala, numa situação muito difícil, de ameaças. A conversa na sala durou por volta de uma hora. Eles começaram a fazer muitas perguntas, perguntaram pela Angela (Mendes de Almeida, companheira de Luiz Eduardo e militante da mesma organização) e por outras pessoas, das quais não me lembro os nomes. Cada um deles tinha um perfil. Todos eles estavam à paisana e não se identificaram. O mais alto, que estava com a metralhadora, tinha uma postura extremamente violenta, e os outros dois se portavam de maneira cínica. Eles olharam umas fotos minhas e do meu irmão de quando éramos crianças,
perguntaram qual era o mais novo e fizeram umas gracinhas. A uma certa altura esse mais alto me cutucou com a metralhadora e disse: “Eu sou semi-analfabeto mas não tenho irmão terrorista”. Eu respondi: “Eu não perguntei nada”. Ele continuou me cutucando com a arma e então meu irmão disse: “O assunto é comigo, não é com as mulheres”. Ele abaixou a arma, mas acho que ficou com mais raiva ainda.
Eles disseram que o Eduardo tinha que acompanhá-los para dar “explicações”. Meu irmão foi pegar um agasalho (eles o acompanharam), nos abraçou e disse: “Eu volto logo”. Assim, os homens foram embora levando meu irmão. Fui para a janela e o vi indo embora com os homens num carro. Foi a última vez que eu o vi. (sem grifo no original).
Após a prisão, a família de Luiz Eduardo Merlino ficou quatro dias sem saber de seu paradeiro. Não sabiam para onde havia sido levado nem qual era o seu estado de saúde. Sentiam que algo muito ruim estava por vir, pois durante aqueles quatro dias foram “vigiados” e ameaçados por agentes do DOI-CODI, que os seguiam, rodeavam a casa e faziam comentários inesperados no ponto de ônibus, na rua e outros lugares.
12.- O marido da co-Autora Regina Merlino, Dr. Adalberto (já falecido), que era Delegado de Polícia, não mediu esforços para tentar obter alguma informação junto a outros colegas Delegados de Polícia. Por seu intermédio, soube-se do pior: Luiz Eduardo estava morto. Suicidou-se, falaram para o Dr. Adalberto!
Imediatamente após a horrível notícia, a família dirigiu-se a São Paulo, para a casa de outro tio de Luiz Eduardo, Dr. Geraldo (já falecido), que era médico. Foram ao IML e lá não tiveram acesso ao corpo, pois o funcionário disse que o corpo de Luiz Eduardo não se encontrava no local.
Desconfiado, Dr. Adalberto, que era Delegado de Polícia, utilizando-se de sua autoridade funcional, conseguiu ultrapassar a vigilância, adentrou no IML e encontrou o corpo de Luiz Eduardo. Voltou e noticiou o fato ao tio, Dr. Geraldo: “Luiz Eduardo foi torturado”.
Imediatamente, num ataque de cólera, Dr. Geraldo interpelou o médico do IML aos prantos e com indignada revolta.
A co-Autora Regina Merlino, irmã de Luiz Eduardo Merlino, narra, de maneira enfática, como foi a notícia da morte de seu irmão (doc n. 6):
“Passados quatro dias da prisão, veio a notícia da morte do Luiz Eduardo. Ninguém nos ligou para avisar, não estávamos sabendo de nada. Foi o Adalberto quem descobriu. (...) Assim que tivemos a notícia, fomos para São Paulo para a casa de meu tio Geraldo. Nosso estado de choque era tamanho que não conseguíamos chorar. Eu me lembro como se fosse hoje a minha mãe pegando a roupa do meu irmão e colocando numa mala para trazer para São Paulo. Eu perguntava: “mamãe; por que você está fazendo isso?’ E ela: “São as roupinhas para o seu irmão”.
(... )
Chegando em São Paulo, meu marido e dois tios meus foram ao Instituto Médico Legal (IML). Lá, o diretor do IML disse que o corpo do Luiz Eduardo não estava lá. Meu marido, Adalberto, sabendo como as coisas funcionavam, burlou a vigilância e foi à procura do corpo. No caminho encontrou um ex-funcionário, e disse estar à procura de um corpo. Como ele era delegado, disse que estava procurando o corpo de um bandido, e o tal funcionário não percebeu nada, e ainda o ajudou.
Foi então que encontrou o corpo do meu irmão, com muitas marcas de tortura. Imediatamente ele voltou ao encontro de meus tios e disse: “Encontrei o corpo do Eduardo. Ele foi torturado”.
Meu tio Geraldo, médico, teve uma crise nervosa e foi em cima do médico do IML dizendo que tinha vergonha de ser colega de um assassino, que acoberta corpo.
Quando eles voltaram e nos contaram que haviam encontrado o corpo é que a reação veio. “É verdade, o Eduardo foi morto”. Eu nunca pensei que pudesse sofrer tanto na vida. Quando eu olho para trás, vejo o quanto já sofri com perdas, mas nada se compara a isso. Nunca imaginei que eu e minha mãe pudéssemos sofrer tanto.” (sem grifo no original).
Após a constatação de que Luiz Eduardo estava morto, veio a versão oficial narrada por um Delegado do DEOPS, e que ora passa a ser exposta.
A-3) A FALSA versão oficial da morte de Luiz Eduardo Merlino
13.- Segundo referida versão falsa, Luiz Eduardo Merlino fora transportado para o Rio Grande do Sul, a fim de ali proceder ao reconhecimento de alguns colegas militantes, e na rodovia BR -116, na altura da cidade de Jacupiranga, a equipe de agentes que o escoltava havia parado para “tomar um café”. Aproveitando uma “distração” da equipe, Luiz Eduardo, num ato suicida, lançou-se na frente de um veículo que trafegava pela rodovia. Não foi possível a identificação do veículo que o atropelou....!
Essa falsa versão foi atestada no exame necroscópico assinado pelos médicos legistas Isaac Abramovitch e Abeylard de Queiroz Orsini, onde consta (doc n. 8):
“HISTÓRICO: falecido no dia dezenove (19) de julho de mil novecentos e setenta e um (1971), às 19:30 horas, na Rodovia BR-116, vítima de atropelamento”.
14.- Algum tempo depois, a família teve a confirmação de que Luiz Eduardo Merlino fora torturado até a morte nos porões do DOI-CODI do II exército, por conta da indigitada operação OBAN, cuja sede situava-se na Rua Tutóia em São Paulo.
No livro Direito à Memória e à Verdade, editado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, às páginas 169/170 (doc. n. 18), consta a seguinte informação:
“Na sede do DOI-CODI/SP, na Rua Tutóia, Luiz Eduardo foi torturado por cerca de 24 horas ininterruptamente e abandonado numa solitária, a chamada “cela forte” ou “x-zero”.
Apesar de se queixar de fortes dores nas pernas, fruto da longa permanência no suplício do pau-de-arara, não recebeu tratamento médico, apenas massagens acompanhadas de comentários grosseiros por parte de um enfermeiro de plantão, de traços indígenas, e que respondia pelo nome “Boliviano” ou “Índio”. A cena foi presenciada por vários presos políticos.
As dores nas pernas eram, na verdade, uma grave complicação circulatória decorrente das torturas. No dia 17, Merlino foi retirado da solitária e colocado sobre uma mesa, no pátio, para receber massagem em frente às celas 2 e 3. Diversos companheiros constataram o seu estado de saúde e alguns falaram brevemente com ele, que se queixava de dormência completa nos membros inferiores. Horas mais tarde, seu estado piorou e ele foi removido às pressas para o Hospital Geral do Exército, onde morreu.”
Ricardo Prata Soares, em seu interrogatório de 2 de Maio de 1972 prestado perante a Justiça Militar de São Paulo (doc n. 9), foi enfático ao testemunhar o que realmente ocorreu com o jornalista Merlino:
“(...) que não aceita o seu depoimento policial na parte em que está em desarmonia com as declarações que prestou nessa oportunidade porque foram realizadas sob coação moral e física, aos quais deixou o interrogando de resistir após presenciar as torturas infligidas em Luiz Eduardo da Rocha Merlino que deram conseqüência em poucos dias ao seu falecimento”. (sem grifo no original).
Laurindo Martins Junqueira Filho, em seu interrogatório de 16 de maio de 1972 prestado perante a Justiça Militar de São Paulo (doc n. 10) foi, também, enfático, ao testemunhar as sevícias infligidas a Luiz Eduardo Merlino, que culminaram em sua morte:
“(...) disse que foi fisicamente torturado e que essas torturas se estendeu também a membros de sua família e que particularmente recebeu choques e todo tipo de pressão moral para reconhecer aquilo de que era acusado. Quer afirmar também que nesse processo de torturas assistiu espancamentos de um seu companheiro de organização chamado Luiz Eduardo da Rocha Merlino e que, posteriormente ainda na fase de interrogatório esse companheiro foi retirado da OBAN em estado lastimável tendo vindo a falecer em conseqüência das torturas que recebeu; que esse tratamento de tortura foi estendido a todos os membros da organização que caíram ou foram presos”. (sem grifo no original).
Eleonora de Oliveira Soares, em seu interrogatório de 25 de maio de 1972, prestado perante a Justiça Militar de São Paulo (doc n. 17), declarou haver testemunhado as sevícias infligidas a Luiz Eduardo Merlino, que levaram à sua morte:
“que, durante a sua estadia na OBAN sofreu torturas físicas desde choques elétricos até pauladas no corpo, ameaças de torturarem sua filha menor de um ano e dez meses e ter assistido a morte de Luiz Eduardo da Rocha Merlino no recinto da OBAN, morte esta provocada por tortura”. (sem grifo no original).
Guido de Sousa Rocha firmou declaração em Bruxelas (doc n. 11), no dia 12 de fevereiro de 1979, para o Sindicado dos Jornalistas profissionais, por meio da qual afirma que:
“se lembra que depois de algum tempo ele passou a demonstrar um certo mal estar nas pernas em conseqüência do pau – de - arara, sendo que para ir a privada ele tinha que ser carregado pelo abaixo assinado e por um guarda; que seu estado de saúde começou a decair tanto que os torturadores não se animaram e levá-lo para o quarto de tortura para fazer uma acareação, como de costume, preferindo trazer até a cela um outro prisioneiro, acareando – os em presença do abaixo assinado; que durante toda a acareação o jovem permaneceu deitado muitas vezes respondendo por gestos postos que já não conseguia falar direito”.
Esclareceu, ademais:
“que não tem a menor duvida de que se tratava de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, a quem o abaixo – assinado não conhecia, mas que pode identificar posteriormente pelas fotografias publicadas nos jornais (...) que depois de algum tempo o enfermeiro o trouxe de volta para a cela, passando ali a fazer teste de reflexos em seus joelhos e nas plantas do pés; que como os teste não resultavam em nenhuma resposta, o enfermeiro demonstrou certa preocupação, hesitando em tomar uma providencia mais séria; que em vista disso o abaixo- assinado sugeriu ao enfermeiro que levasse Luiz Eduardo para o hospital, tendo o enfermeiro se irritado, comentando que já havia recuperado prisioneiro em estado físico pior; que assim que o enfermeiro fechou a porta, Luiz Eduardo começou a piorar que mais tarde passou a manifestar um certo nervosismo e dormência nas pernas; que abaixo- assinado, tentou acalmá-lo, mas que Luiz Eduardo começou a ficar angustiado pedindo- para chamar o enfermeiro urgente, porque a dormência já começava a subir até aos seus braços e que sua respiração estava cada vez mais difícil; que o abaixo- assinado bateu na porta e chamou o guarda; que minutos depois a porta se abriu, entraram alguns homens, entre os quais o enfermeiro, que tiraram Luiz Eduardo da cela, levando o para local que o abaixo – assinado ignora”. (sem grifo no original).
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A-5) A missa de sétimo-dia de Luiz Eduardo Merlino e a brutalidade descomunal dos agentes do DOI-CODI.
16.- O jornalista Luiz Eduardo Merlino foi velado em caixão fechado na cidade de Santos. A missa de sétimo dia ocorreu na catedral da Sé e foi assistida por mais cerca de 700 pessoas, pois o jornal O Estado de São Paulo fez o chamamento à cerimônia em protesto contra o regime militar (doc n. 12).
A co-Autora Regina conta um fato ocorrido no dia da missa de sétimo dia, e que espanta e estarrece qualquer pessoa de boa-fé pela vileza e covardia dos agentes do DOI-CODI, a saber:
“Inclusive, os mesmos três homens que foram buscar meu irmão em casa estavam no primeiro banco da igreja e ao final da missa vieram nos dar os pêsames. Num primeiro momento a minha mãe não os reconheceu, e estendeu a mão a eles. Eu os reconheci na hora, e não fiz o mesmo. Na saída, eu contei para a mamãe quem eram eles e ela me disse: “Quem sabe eles ficaram com remorso, minha filha”. (sem grifo no original).
...
22.- Levando em consideração todos os fatos relatados e comprovados por documentos juntados a esta petição, não é preciso grande esforço para se concluir que o Réu, agindo de maneira ilícita e com dolo, causou DANOS MORAIS às Autoras, os quais devem ser reparados.
São de evidência incontestável os prejuízos permanentes causados às Autoras, sendo eles conseqüência imediata da atitude dolosa do Réu e de seus subalternos. Foram dolosos, pois tinham o intento de, mediante torturas, físicas e psicológicas, obter informações sobre os movimentos de oposição à ditadura. A conduta do Réu caracterizou-se como ato ilícito, pois não havia, como não poderia haver evidentemente, norma alguma que autorizasse a utilização de tortura para a investigação policial.
Além disso, muito embora Luiz Eduardo da Rocha Merlino tenha sido detido por autoridades do Estado, a sua prisão não foi efetivada de acordo com as normas vigentes, pois a prisão não decorreu de flagrante e não foi embasada em ordem escrita e fundamentada de autoridade competente. Ademais, efetivada a prisão, ela não foi comunicada à autoridade judiciária competente para exame de sua legalidade.
Afrontou-se assim o artigo 153, parágrafo 12 da Constituição Federal, vigente à época, e o artigo 59 do Decreto-Lei nº 898/69, bem como os artigos 221 e seguintes do CPPM.
23) Não há dúvida de que as torturas físicas e psicológicas foram realizadas pelo RÉU (Comandante do DOI-CODI do II Exército e da Operação OBAN) e por seus subalternos, e que tais torturas causaram danos morais, demonstrando-se assim o nexo de causalidade entre o ato danoso e o agente causador do dano.
No sentido de que o Réu foi pessoalmente responsável pelas torturas cometidas a Luiz Eduardo da Rocha Merlino, é o depoimento de IVAN AKSELRUD DE SEIXAS (doc n. 16), testemunha arrolada no processo nº 583.00.2005.202853-5/000000-000, que tramitou perante a 23ª Vara Cível do Foro da Capital, que JANAINA DE ALMEIDA TELES e outros aforaram em face do mesmo Réu, CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, in verbis:
“Logo que fui preso, fiquei na OBAN entre 16 de abril e 15 de maio de 1971. Depois disso, fui levado para o DOPS, antes de ser encaminhado ao DOPS do Sul; nesse encaminhamento, passei pelo DOI-CODI, ocasião em que presenciei o Réu torturar e matar o jornalista Luis Eduardo da Rocha Merlino”. (...) Todos os presos que entravam na OBAN tinham suas roupas arrancadas e eram submetidas a torturas em pau-de-arara, cadeira de dragão, bem como submetidas a espancamentos e afogamentos, tudo sob comando do Réu”. (sem grifo no original).
Muito embora a testemunha acima tenha sido contraditada, contradita aceita pelo Juízo da 23ª Vara Cível do Foro da Capital, o depoimento foi colhido na qualidade de informante do Juízo nos termos do que dispõe art. 405, § 4º do Código de Processo Civil.
(*) Trata-se da ADIN por Omissão liderada pelo professor Comparato e, desde o início, endossada pelo Barão de Itararé.