O Conversa Afiada recebeu o seguinte e-mail do corajoso advogado Alberto Piovesan:
Prezado Paulo Henrique:
Mais do que ninguém, você é a pessoa que está absolutamente inteirada do assunto em tela.
Os desdobramentos, desde o protocolo do pedido no Senado Federal até a negativa do MS contra o indeferimento do Sarney, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, você já está a par.
A novidade, que lhe dou em primeira mão, é que hoje protocolei um recurso contra a decisão do Ministro. É o Agravo Regimental de número 64852/2011, cujo teor você pode acessar no anexo.
Dê-lhe a divulgação que julgar oportuna.
Forte abraço,
Alberto Piovesan
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RICARDO LE-WANDOWSKI, RELATOR DO MANDADO DE SEGURANÇA Nº 30672, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
ALBERTO DE OLIVEIRA PIOVESAN, já qualifi-cado nos autos do MANDADO DE SEGURANÇA nº 30672, vem em causa própria, respeitosamente, ante Vossa Exce-ência, com base no artigo 317 do Regimento Interno dessa Egrégia Corte, tempestivamente interpor
AGRAVO REGIMENTAL
em face da r. Decisão que negou seguimento ao pedido, re-querendo seja reconsiderada para o fim de ter curso legal ou, em assim não sendo, seja este recurso submetido ao E-grégio Plenário dessa Colenda Corte (art. 5º, V, do RISTF).
Em seguida, as razões do agravo, e o pedido de reforma da decisão.
Sem embargo de reconhecer primorosa a r. De-cisão agravada, tem ela por base dois julgados já relativa-mente antigos, um deles em apertado escore e em compo-sição desse Pretório Excelso totalmente diversa da atual, os quais, todavia, guardam sutil diferença com o onde proferi-da a r. Decisão agravada.
Frisa o Agravante que considera sábios, acerta-dos e respeitáveis os julgados antigos, para as épocas em que proferidos e dadas as circunstâncias especiais conside-radas naqueles feitos.
A sutil diferença entre os paradigmas citados na r. Decisão agravada, com o Mandado de Segurança a que es-te recurso se destina, não é difícil de perceber.
Embora os atos impugnados neste e naqueles Mandados de Segurança sejam semelhantes, os respectivos processos políticos onde proferidas as decisões questiona-das envolvem personalidades de duas diferentes esferas de poder, com âmagos diversos.
No presente Mandado de Segurança nº 30672 o ato questionado é da competência do Senado Federal e en-volve Ministro de Tribunal.
No Mandado de Segurança nº 20941-1, citado na primorosa r. Decisão ora agravada, o ato questionado é da competência da Câmara dos Deputados e envolvia o Pre-sidente da República, Ministros de Estado e o Consultor-Geral da República.
No Mandado de Segurança nº 23885, também citado na r. Decisão agravada, o ato é igual ao do acima e envolvia apenas o Presidente da República.
Em todos estes mandados de segurança impug-nou-se ato decisório praticado no âmbito do Legislativo Fe-deral, por respectivos presidentes julgando liminarmente improcedente pedido de impeachment.
A sutil diferença é quanto aos alvos do pedido de impeachment, eis que naqueles antigos, se deferidos, certamente geraria grave crise institucional, já no que se refere o Mandado de Segurança ora em decisão, não há o me-nos risco de crise institucional, eis que diversas as autorida-des envolvidas. Aqueles envolviam ocupantes de cargos ele-tivos, e por nomeação, mas transitórios todos; no presente envolve autoridade ocupante de cargo por nomeação e vita-lício, com dever de obediência a regulamentos próprios, e com obrigações, direitos e deveres diversos e ampliados em vários pontos, dos daqueles outros.
No Mandado de Segurança nº 20941-1, a ordem foi negada por apertadíssimo escore, sendo expressivos os 4 (quatro) votos vencidos, perfilhados todos exatamente na mesma linha de argumentação desenvolvida pelo Impetran-te na inicial do Mandado de Segurança 30672. Votos venci-dos que, data vênia, amoldam-se perfeitamente à atual rea-lidade, e que prenunciavam a necessidade de exato cum-primento da lei, no seu sentido literal e correto.
E mesmo que não houvesse essa sutil diferença, há sempre a possibilidade de revisão de posicionamentos anteriores. Esse Pretório Excelso pode modificar, como em alguns casos modificou, posicionamentos anteriores, sob nova ótica e diante das circunstâncias de cada caso.
A imprensa, que até pouco tempo tinha a sobre ela dispor uma lei específica, refutada por quase todos os profissionais da mídia, já opera, já funciona livre dos percal-ços que antes preocupavam seus profissionais. E isto mercê decisão moderna dessa Egrégia Corte que retirou do mundo jurídico a nominada Lei de Imprensa. Em outras também modernas decisões, essa Egrégia Corte assentou a desneces-sidade de graduação para jornalista exercer a profissão e, mais recentemente, desobrigou músicos de inscrição em conselho de classe.
O caso do Mandado de Segurança cuja r. Decisão é alvo deste recurso tem, em seu âmago, circunstâncias especialíssimas, e no interesse da própria autoridade e no de sua instituição deveria ter seguimento no Senado Federal, o que foi obstado por decisão que reputa ilegal, ante a incom-petência de seu prolator.
Afirmações em tom de denúncia, em recentes reportagens que não podem ser sumariamente relegadas, indicaram comportamentos de alta autoridade que, em tese, violam dever funcional, além de causarem séria dúvida quanto à lisura no sagrado ato de julgar.
Sem embargo de reconhecidamente ter muitos pecados, e em alguns casos render-se a interesses diversos do papel para o qual existe, a imprensa, há tempos se diz, são os olhos da nação, e tem o dever da verdade, como ano-tou Rui Barbosa1, não sem advertir para os desvios já ocor-rentes naquela época, fartos, aliás, em todas as áreas de ati-vidade humana:
“A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Na-ção acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocul-tam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alveja, ou nodoam, mede o que lhe
cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.
Sem vista mal se vive. Vida sem vista é vida no escu-ro, vida na soledade, vida no medo, morte em vida: o receio de tudo; dependência de todos; rumo à mercê do acaso; a cada passo acidentes, perigos, despe-nhadeiros. Tal a condição do país, onde a publicidade
se avariou, e, em vez de ser os olhos, por onde se lhe exerce a visão, ou o cristal, que lha clareia, é a obscu-ridade, onde se perde, a ruim lente, que lhe turva, ou a droga maligna, que lha perverte, obstando-lhe a no-tícia da realidade, ou não lha deixando senão adulte-rada, invertida, enganosa.”
1 BARBOSA, Rui. A imprensa e o dever da verdade. São Paulo: Com-Arte; Editora da
Universidade de São Paulo, 1990, 80 p. (Clássicos do Jornalismo Brasileiro; págs. 20/21
O ora Agravante, à vista de notícias, ressalte-se de não só uma origem, revelando fatos que, se verdadeiros, configuram violação a dever funcional e infração ao Código de Ética da Magistratura, e em tese a incidência do item 5 do artigo 39 da Lei Federal 1079/1950, postulou ao Senado Fede-ral a instauração de processo de impeachment de Ministro desse Excelso Pretório para a necessária apuração dos fatos veiculados, eis que, diante da profusão de notícias negativas, com toda aparência de veracidade, certamente ficaram aba-ladas perante a opinião pública a seriedade, a idoneidade, a isenção, a imparcialidade para julgar.
Ressalta o Agravante que as notícias dos fatos, as reportagens, as matérias, de várias origens, estão todas com autoria identificada, passando aos inúmeros leitores, à opinião pública, nítida impressão de verazes, uma delas até ilustrada com foto significativa, precisamente dos persona-gens focados na mais extensa reportagem que revelou vá-rios fatos os quais, em tese ao menos, configuram infração funcional.
O ora Agravante, em sua petição dirigida ao Se-nado Federal, indicou provas para serem produzidas, dentre estas os depoimentos dos que elaboraram as reportagens, das pessoas nelas citadas, e ainda indicou produção de pro-va documental a ser colhida pela Câmara Alta, eis que não é possível ao particular fazê-lo.
Todavia, o Sr. Presidente do Senado Federal, que é também o Presidente da Mesa dessa Câmara Alta, ao invés de observar a Lei 1079/1950, resolveu decidir e arquivar a petição de impeachment, por INÉPCIA E IMPROCEDÊNCIA DA PETIÇÃO INICIAL, conforme consta do Diário do Senado Federal, página 22436, de 08 de junho de 2011, o qual só foi encontrado pelo ora Agravante face a indicação feita na R. Decisão ora agravada.
É certo que não é de dar-se curso a um pedido de impeachment que não contenha as formalidades legais extrínsecas, e mesmo se tiver, ao que represente uma aven-tura inconseqüente sem base em dados fáticos que configu-rem, em tese, infração legalmente tipificada. Nestas hipóte-ses é evidente que o Presidente da Casa, ou respectiva Me-sa, podem negar seguimento ao pedido.
Todavia, se o pedido tem as formalidades legais, e base em fatos amplamente divulgados e que tipificam in-fração, e indicação de provas, não pode de plano ser julgado improcedente pelo Presidente ou pela Mesa da Casa Legisla-tiva, eis que isto significa julgar. A competência para julgar, diz a Constituição e a lei, é do colegiado.
Foi, então, patentemente ilegal, e passível de correção judicial, o ato de julgar praticado pelo Impetrado, ante incompetência para isto.
O julgamento proferido pelo Impetrado ilegal-mente obstou a apuração dos fatos, impedindo viesse a ver-dade à tona, a produção de provas, o esclarecimento das questões e de comportamentos supostamente incorretos da autoridade apontada pelos jornalistas e pessoas a que se re-feriram, prevalecendo perante o público em geral como pos-sivelmente verazes as notícias veiculadas, e parecendo blin-dadas de investigações altas autoridades, resultando na crescente descrença popular quanto à correção dos atos praticados em esferas de poder, o que não é saudável para o atual Regime Democrático em que parece estarmos vivendo.
A decisão do Impetrado, alvo do Mandado de Segurança, está publicada no Diário do Senado Federal, mesma edição acima citada, página 22446. Baseou-se, data vênia equivocadamente, nos artigos 52, II, da Constituição Federal, 48 da Lei 1079/1950, e na Informação nº 51/2011,da Advocacia do Senado Federal, que indevidamente aden-trou, e a seu modo e sob sua ótica, o mérito do pedido de impeachment.
O artigo 52, inciso II2, da Constituição Federal es-tabelece que é da competência privativa do Senado Federal processar e julgar pedido de impeachment de autoridades nele referidas. O artigo 483 da Lei 1079/1950, por sua vez, define como da competência do Senado decidir se a denún-cia deve ou não ser objeto de deliberação, cabendo à Mesa tão somente remeter cópias ao denunciado em caso positivo (artigo 494 da referida lei), e isto depois de observados os trâmites definidos nos artigos antecedentes do referido di-ploma legal.
O artigo 44 da acima referida lei não autoriza o Presidente do Senado arquivar pedido impeachment, não significando a expressão “Recebida a denúncia pela Mesa do Se-nado” que o Presidente, ou a Mesa, possam exercer julga-mento de mérito e negar trânsito ao pedido por considerá-lo inepto ou improcedente, salvo se, evidentemente, não con-tiver requisitos formais exigidos na lei, e isto a petição do ora Agravante tem.
O verbo “receber”, empregado na citada expres-são, tem o significado comum desse verbo, e não o significa-do jurídico, posto no Código de Processo Penal e em algu-mas outras leis, com o qual pretendeu-se similar.
2 Compete privativamente ao Senado Federal:
II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;
3 Art. 48. Se o Senado resolver que a denúncia não deve constituir objeto de deliberação, serão os papeis arquivados.
4 Art. 49. Se a denúncia for considerada objeto de deliberação, a Mesa remeterá cópia de tudo ao denunciado, para responder
à acusação no prazo de 10 dias.
Em processo penal, e isto já demonstra essa di-ferença, apenas em processos julgados por juiz singular tem este o poder de receber ou de rejeitar denúncia. Nos proces-sos em que os julgamentos competem a órgãos colegiados, ou seja, em Tribunais, somente o colegiado poderá rejeitar ou receber uma denúncia. Por exemplo, nesse Egrégio Su-premo Tribunal Federal, rejeição “in limine” de denúncia não pode ser feita pelo Relator, o qual, ainda, só tem competên-cia para ordenar arquivamento de inquérito quando o re-querer o Ministério Público (artigo 231, § 4º), mas se ofere-cida denúncia, seu recebimento (no sentido comum da pala-vra recebe-a fisicamente, estuda-a, etc., mas jamais no sen-tido jurídico) ou sua rejeição é da competência do Colegiado, como o é, também, até em caso de extinção da punibilidade (art. 232, § único). E só depois do julgamento previsto no ar-tigo 234 do RISTF, é que, se aceita a acusação, considerar-se “recebida” ou “rejeitada” a denúncia, no sentido e significa-do jurídico desses verbos.
Assim, quando a competência para receber ou rejeitar denúncia, no sentido jurídico, é de colegiado, jamais poderá Presidente do órgão decidir e julgar em substituição ao colegiado, declarando a procedência ou a improcedência da acusação.
E foi o que fez o Impetrado, julgou e mandou ar-quivar a petição do ora Agravante por “inépcia e improce-dência da petição inicial”, subtraindo competência legal-mente definida ao Senado para isto decidir.
Ao reverso pode-se então admitir que o Presi-dente do Senado, ou a Mesa, ou até relator em processo de competência originária, pode instaurar processo em face de um denunciado. Não pode, sabemos todos. Daí que, a afir-mação posta na Informação da Advocacia do Senado Fede-ral, e referida na r. Decisão agravada, de que o artigo 44 da Lei 1079/1950 confere competência exclusiva à Mesa do Se-nado Federal para deliberar e decidir sobre o recebimento da denúncia é, data vênia, sofismática, eis que não pode a Mesa “receber”, no sentido jurídico do termo, a denúncia, e instaurar o processo de impeachment. Recebe-a, tão somen-te, no sentido comum desse verbo.
Portanto, a palavra “recebida” posta no artigo 44 da Lei 1079/1950, tem significado comum, unicamente, qual seja, o recebimento físico de alguma coisa, no caso de uma denúncia o recebimento físico dessa peça e documen-tos que a instruem, e não a possibilidade de ser julgada im-procedente pelo Presidente do Senado.
O significado de “recebida”, palavra constante do artigo 44 da Lei 1079/1950, tem-se no inciso I do artigo 380 do Regimento Interno do Senado Federal, o qual refere-se expressamente ao processo de impeachment em seu âm-bito: (grifei)
Art. 380. Para julgamento dos crimes de responsabilidade das autoridades indicadas no art. 3775, obedecer-se-ão as seguintes normas:
I – recebida pela Mesa do Senado a autorização da Câmara para instauração do processo, nos casos previstos no art. 377, I, ou a denúncia do crime, nos demais casos, será o documento lido no Período do Expediente da sessão se-guinte;
Evidentemente que o termo “recebida” tem e-xatamente, tanto neste tópico, quanto no artigo 44 da Lei 1079/50, o significado comum dessa palavra, eis que não
5 Art. 377. Compete privativamente ao Senado Federal (Const., art. 52, I e II);
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República, nos crimes de res-ponsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exér-cito e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conse-lho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, nos crimes de responsabilidade.
Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o Senado funcionará sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal (Const., art. 52, parágrafo único). pode o Presidente, tampouco a Mesa do Senado Federal, de-liberar sobre a autorização ou negativa da Câmara, julgá-la, tampouco quanto a denúncia a que se refere o inciso I acima transcrito, sendo exclusivamente de competência do Sena-do, e então aí sim sem possibilidade de interferência judicial, se o respectivo colegiado decidir e julgar pela instauração, ou não, de processo, vale dizer, decidir se a denúncia deve ou não ser objeto de deliberação (art. 48 da Lei 1079/1950).
O ora agravante, data vênia, e como ora de-monstrado, não “confundiu a fase de recebimento da denún-cia, a qual compete, nos termos da primeira parte do art. 44 da Lei 1.079/1950 e do art. 380, I, do RISF, à Mesa do Sena-do, com a fase subsequente a essa, qual seja a da delibera-ção acerca de seu mérito, prevista nos dispositivos seguintes aos mencionados”, eis que o ato impugnado é que, ilegal-mente, decidiu o mérito, nada deixando para fase posterior, que de plano suprimiu em mandando arquivar a petição por inépcia e improcedência.
No julgamento do já citado Mandado de Segu-rança nº 20941-1, negado por apertado escore, tem-se pre-ciosas lições, de Eminentes Ministros que honraram o Su-premo Tribunal Federal, como todos aliás, sobre a compe-tência do Presidente da Câmara dos Deputados para decidir pedido de impeachment, semelhante ao do Presidente do Senado Federal, como, aliás, visto na r. Decisão agravada.
A conclusão do julgamento do citado Mandado de Segurança 20941-1 orientou o do Mandado de Segurança nº 23885, ambos citados na r. Decisão ora agravada, os quais tem sutil diferença com o do presente caso, como acima já demonstrado. O Voto do Ministro Néri da Silveira, na época Presidente da Corte, proferido naquele Mandado de Segu-rança, em cujo caso também houve parecer, e acolhido pelo então Impetrado, de assessoria jurídica pela rejeição liminar da denúncia, é na linha da Impetração ora em julgamento, como revela o seguinte lance:
“(...)
Dá-se, porém, a meu ver, "data venia", que, posta a controvérsia, no plano da competência para de-terminar o arquivamento da denúncia, não tenho como possível reconhecer, no art. 19 da Lei nº 1.079/1950, fundamento legal ao ato impugnado.
Com efeito, rezam os arts. 19, 20 e 22, da Lei aludi-da:
(...)
Esse seria o primeiro momento, inclusive no caso de vícios formais da denúncia, ou outros que não aqueles, mas de simples verificação. Seria esse juí-zo da Comissão que possibilitaria, portanto, o ar-quivamento da denúncia com os documentos (Lei nº 1.079/1950, art. 22, 1ª parte).
No caso contrário· - isto é, no caso de ela ser consi-derada objeto de deliberação e for determinado o seu seguimento-, será remetida, por cópia autênti-ca, ao denunciado, que terá o prazo de 20 dias pa-ra contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado.
Portanto, não há dúvida, a meu ver, com a devida vênia, que, de acordo com o sistema da Constitui-ção, art. 86, a acusação, nos crimes de responsabi-lidade, será admitida por dois terços da Câmara dos Deputados. Então, a admissão da acusação tem que ser submetida à consideração da Câmara dos Deputados, quanto ao mérito, para que real-mente se desencadeie o processo perante o Sena- do Federal. Mas, neste momento preliminar, nesta fase preambular, o arquivamento da denúncia só é possível, depois do exame, pela Comissão Especial, que então redigirá um parecer considerando se a denúncia pode ser objeto de deliberação, ou não. Se entender que ela não reúne condições para ser objeto de deliberação, e tal for acolhido, pela Câ-mara dos Deputados, a denúncia terá arquivamen-to. Só aí é que poderá ocorrer o arquivamento. No caso contrário, será remetida, por cópia autêntica, ao denunciado, que terá o prazo de 20 dias para contestá-la. Aí é que se desencadeia esse procedi-mento perante a Câmara dos Deputados, do qual poderá resultar, então, a decisão do plenário pre-vista no art. 86, da Constituição.
Ora, nos termos em que está redigido o parecer de fls., a que fiz referência, esse documento e não en-tro no exame de seu mérito - chegou a um juízo segundo o qual a denúncia deveria ser considerada inepta. Houve juízo, portanto, de inépcia da de-núncia, com base no parecer da Assessoria Legisla-tiva. Esse parecer foi acolhido pelo Presidente da Câmara e, em razão disso, foi determinado o ar-quivamento do processo. Não se abriu, portanto, a oportunidade de exame da matéria, pela Comissão Especial, previsto na lei, "ut" arts. 19 a 22, 1ª par-te".
Como a matéria, dessa maneira, se põe, tão-só, no plano da competência, e por entender que o Presi-dente da Câmara dos Deputados não tem compe-tência para, desde logo, determinar a negativa de seguimento da denúncia e, por via de conseqüên-cia, o seu arquivamento, eu também, com a devida vênia, concedo, em parte, o mandado de seguran-ça para anular o despacho do Presidente da Câmara dos Deputados, que negou seguimento à denún-cia, tal como fazem os votos que me precederam, desde o voto do Sr. Ministro Octávio Gallotti.”
Ainda desse julgado vale transcrever trecho con-clusivo do voto vencido do Ministro Moreira Alves, o qual é, também, no mesmo sentido da impetração ajuizada pelo ora Agravante:
“O SR. MINISTRO MOREIRA ALVES: - Sr. Presidente, considero que esta matéria pode ficar no âmbito estritamente constitucional, porque a Constituição da República dá à Câmara dos Deputados a com-petência privativa para admitir a acusação por 2/3 dos seus Membros.
Ora, Sr. Presidente, pela motivação do despacho que V. Exa. leu, o Presidente da Câmara dos Depu-tados não ficou sequer naquele exame que faría-mos em matéria penal em "habeas corpus": de i-népcia ou de falta de justa causa. Mas, na realida-de, ele julgou aquilo que só pode ser julgado pelo Senado, que é saber se procede, ou não, a acusa-ção, para efeito de condenação. E considerou que não procedia, porque não havia prova, porque os fatos não estavam bem descritos. Julgou a causa. O que sobraria, então, para os 2/3 da Câmara dos Deputados? A admissão de acusação é, obviamen-te, a admissão, primeiro, de que a matéria pode ser deliberada pela Câmara e, segundo, se puder ser deliberada pela Câmara, porque a câmara as-sim entendeu, só ela pode manifestar-se, ou por inépcia, ou por falta de justa causa ou por uma ra-zão política qualquer.
Ora, se o Presidente da Câmara já delibera quanto à acusação, que há é ela improcedente, isso não é evidentemente sequer admitir ou rejeitar a acusa-ção. Isso é julgar a causa.
Que é admitir uma acusação? É uma fase prelimi-nar, para depois, se for e caso, haver o processo e e julgamento da procedência, ou improcedência, da acusação.
Se eu for aplicar a Lei nº 1. 079 - que não considero revogada - terei um dificuldade a resolver. Diz-se, no processo: "recebida a denúncia". Ora, se o Pre-sidente puder julgar a justa causa e a inépcia, res-taria para o julgamento constitucional da Câmara apenas a motivação política - porque o resto, já foi julgado pelo Presidente da Câmara.
Mas, determina a Lei, no artigo 19:
“Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a urna co-missão especial eleita ... "
Que vai fazer essa comissão? vai dar parecer inclu-sive sobre se aquela acusação deve ser objeto de deliberação. Ora, como pode emitir parecer no sentido de ser objeto de deliberação ou não, se já foram julgados todos os aspectos, exceto o políti-co?
Então o Presidente da Câmara ou a Mesa dela te-rão competência para que?
Diz o artigo 15:
"A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo."
E, no artigo 16, vem urna série de requisitos que têm de ser examinados.
Verificar se continua a autoridade no exercício do cargo, se a acusação está feita formalmente de acordo com a lei, eis o que compete ao Presidente ou à Mesa da Câmara. Não, porém, saber se há falta de justa causa, se há inépcia, porque são ma-térias de admissibilidade, e, caso contrário, só res-taria, ao Plenário dizer que, politicamente, admiti-a, ou não, a acusação.
(...)”
Oportuno também transcrever trecho do voto vencido do Ministro Sydney Sanches, proferido no mesmo julgamento, demonstrando que é o comum o significado do verbo “receber”, posto flexionado no artigo 44 da Lei 1079/1950:
“O SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES:
(...)
...Resta saber se o Presidente da Câmara, ao tran-car a ação penal, o fez com base apenas e tão-somente na falta de seus requisitos. Pelo que leu o Sr. Presidente, e não foi contestado pelo eminente Relator e pelos eminentes Colegas, houve um a-vanço do parecer que foi acolhido pelo Presidente da Câmara, quando praticamente examinou se há provas do delito, se não há provas do delito, se se caracterizou, ou não, o delito. Eu admitiria até que a Presidência da Câmara examinasse a falta de justa causa para a ação penal. Mas me parece que não ficou nisso o parecer, nem a decisão que o aco-lheu, pois, na verdade, o que ficou assentado é que a denúncia improcede, e isso, a meu ver, só a Câ-mara pode dizer, autorizando, ou não, o processo.
De sorte que estou de acordo em conceder, em parte, o mandado de segurança nos termos do vo-to do Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, anulando ape-nas o arquivamento, porque para determiná-lo o Presidente da Câmara excedeu os limites de sua competência, examinando o mérito da denúncia.”
O voto claro do Ministro Octávio Gallotti no mesmo julgamento, com maestria demonstra que a compe-tência para julgar a improcedência, ou não, do processo de impeachment não é do Presidente da respectiva Casa Legis-lativa:
“O SENHOR MINISTRO OCTAVIO GALLOTTI-: Com licença dos eminentes Colegas que me precede-ram, a despeito do saber e da convicção revelados em seus votos, ouso deles divergir, a começar do fundamento adotado pelo eminente Ministro AL-DIR PASSARINHO. Julgo que a Lei nº 1.079, de 1950, não está revogada pela nova Constituição. O seu art., 14, ainda hoje, o aplicou o Tribunal.
Mesmo que se considere que a atuação da Câmara tenha sido diminuída pela nova Constituição, já que, em vez de julgar a procedência da denúncia, como previa a Carta de 1967, cabe-lhe, agora, se-gundo o art. 51, autorizar a instauração do proces-so ou, como quer o art. 86, admitir a acusação, se-ria esse um motivo a mais, para que se reputasse a instrução prevista na Lei nº 1.079, como bastante (ou até mais do que suficiente) para a defesa, sem caracterizar-se, então, o cerceamento receado pelo eminente Relator.
Se aquela instrução bastava para conduzir a um ju-ízo de procedência da acusação, há de prestar-se, certamente, ao de autorização para o processo.
O despacho impugnado neste mandado de segu-rança, penso eu, pela leitura que dele ouvi, trans-põe, não só os limites dos artigos 15 e 16 da Lei 1.079, mais quaisquer outros limites que possam ser considerados próprios da apreciação de obser-vância das formalidades essenciais da denúncia.
É um despacho de mérito e, assim sendo, só pode-ria ser atribuído à competência do Plenário, ao qual a Lei 1.079 reserva duas oportunidades de manifestação: uma, quando, aprecia o parecer da comissão destinada a opinar sobre vir, ou não, a denúncia a ser objeto de deliberação (art. 20), e, a segunda oportunidade, quando irá propriamente admitir a acusação.
Esses juízos são, ambos, discricionários. Mas aque-le inicialmente externado pelo Presidente da Câ-mara dos Deputados está jungido a aspectos for-mais.
Tendo excedido esses limites, como no caso em e-xame, a decisão vestibular ingressou no campo de competência privativa do Plenário da Câmara dos Deputados, segundo o art. 51 da Constituição, e padece do vício de incompetência, como sustenta-do na impetração.
Deixo, porém, de atender, em sua totalidade, ao pedido. Sendo de incompetência da autoridade o fundamento que acabo de expor modestamente, o deferimento da ordem, que proponho ao Tribunal, é apenas para invalidar o despacho que considereiproferido com invasão da competência do Plená-rio.
Nesses termos concedo, em parte, a segurança, para anular o ato impugnado.”
Há, como visto, pronunciamentos, e de peso, no âmbito desse Egrégio Tribunal, no mesmo sentido da tese desenvolvida pelo Impetrante no Mandado de Segurança nº 30672.
Dada a sutil diferença entre o presente caso e os paradigmas adotados pela r. Decisão agravada, e em não havendo o menor risco de crise institucional acaso deferida a segurança, ao contrário, sendo necessária a apuração dos fatos divulgados ao público em geral, em tese configurado-res de infração funcional, para preservação da confiança que todos devemos ter nos Poderes da República, espera o ora recorrente seja reformada a r. Decisão agravada e dado cur-so ao Mandado de Segurança 30672, reservando ao Plenário dessa Egrégia Corte, em posterior julgamento de mérito, de-cidir quanto à legalidade ou ilegalidade do ato nele impug-nado.
REQUERIMENTO
Pelo exposto, requer o ora Agravante seja re-considerada a r. Decisão agravada, para o fim de dar curso ao mandado de segurança a que se refere, ou se não, seja o presente recurso levado a julgamento, requerendo seja pro-vido, reformando-se a r. Decisão agravada, para o fim de ter curso normal o mandado de segurança a que se refere.
PEDE DEFERIMENTO
De Vitória/ES para Brasília, em 5 de agosto de 2011
ALBERTO DE OLIVEIRA PIOVESAN
OAB-ES 2909
CPF 096845817-34
Recibo de Petição Eletrônica:
Supremo Tribunal Federal
Nome do peticionador: ALBERTO DE OLIVEIRA PIOVESAN
Número Único do Processo Relacionado: 99327397020111000000
Data do peticionamento: 05/08/2011 18:27:27.399 GMT-03:00
Número da Petição Incidental: 64852/2011
Identificação do STF do Processo Relacionado: MANDADO DE SEGURANÇA 30672
CPF do peticionador: 09684581734