Dias e o mensalão: o julgamento é justo?
O Conversa Afiada reproduz artigo de abertura da seção "Rosa dos Ventos", de Mauricio Dias, na Carta Capital:
Sob o controle rígido, concentrado, de apenas quatro grupos empresariais a mídia brasileira conservadora acredita que tem força para erguer e destruir o que quer que seja. Esse núcleo restrito, que sustenta um pensamento único, forma o que se chama de barões da mídia. Eles, no entanto, nem sempre conseguem impor os objetivos que perseguem. Essas situações, no entanto, cabem direitinho dentro do princípio de que as regras comportam exceções.
Exceção, por exemplo, é a eleição e a reeleição de Lula. E a regra? Ela está posta agora diante dos nossos olhos: a Ação Penal 470, chamada de “mensalão” para efeitos políticos, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Regra e exceção. Esta contraposição emergiu em declaração do ministro Ricardo Lewandowski. Diante da reação negativa às revisões feitas no relatório do ministro Joaquim Barbosa, aplaudido pela mídia, ele desabafou:
“Um juiz não pode ceder à opinião pública e nem à opinião publicada”.
O voto “dissidente” de Lewandowski surpreendeu para repetir o verbo usado na manchete do jornal O Globo. O revisor absolveu alguns réus. Por não ter condenado todos entrou na linha de fogo. Foi intimidado por um comentarista político para o qual telefonou de boa fé, com a finalidade explicar o que considerou como distorções na análise feita em torno do voto dele. Dias Toffoli, que acompanhou o revisor, também recebeu reprimenda de um colunista social.
A mídia, a exemplo do ministro Joaquim Barbosa, reage às divergências com a linha editorial que adota com a mesma ferocidade dos reis diante de crimes de “lesa majestade”. Essa reação não é nova e nem é invenção brasileira. Por aqui, no entanto, às vezes a coisa se torna grotesca.
Em parecer para processo em curso na Justiça mineira, tirado da costela da Ação Penal 470, o advogado Nilo Batista, do primeiro time de criminalistas brasileiros, tocou nessa ferida. Entre outros pontos, atacou o “linchamento moral” quando a acusação de suposto crime, amplificado pela mídia, provoca “devastadores efeitos sobre a imparcialidade do julgamento”.
Nilo Batista lembra a “atitude pública” que a imprensa se atribui, muitas vezes camuflando “afinidades políticas”, como é o caso de agora, ou “interesses econômicos”. Ele cita um julgamento, de 1951, nos Estados Unidos, que levou o juiz Jackson da Corte Suprema (na qual os integrantes se identificam orgulhosamente como juízes) a afirmar: certos julgamentos não passam “de uma cerimônia legal” para “averbar um veredito já ditado pela imprensa e pela opinião pública que ela gerou”.
O criminalista, professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cita outro processo. Este, anulado pela Corte Suprema em função da campanha da mídia quando foi afirmado: “a publicidade do julgamento constitui uma garantia constitucional do acusado e não um direito do público”.
Ao censurar os magistrados a imprensa busca o efeito desejado por ela.
A absolvição ou condenação dos réus, entretanto, devem nascer de um julgamento justo sem pressão ou interferência na liberdade de decisão dos juízes.