Brasil

Você está aqui: Página Inicial / Brasil / 2012 / 09 / 24 / Dias: Joaquim pune e sorri

Dias: Joaquim pune e sorri

Barbosa, aplaudido pela mídia, é tratado como herói em ambientes fechados e privilegiados. Um heroísmo sem riscos.
publicado 24/09/2012
Comments


O Conversa Afiada reproduz a abertura da excelente seção "Rosa dos Ventos", de Mauricio Dias, na Carta Capital:

Joaquim pune e sorri



Por descuido de assessores de gabinete vazou para o site do Supremo Tribunal Federal cerca de 30 páginas onde estão alinhavadas as penas que o ministro Joaquim Barbosa planejou, nessa nova etapa, para os réus da Ação Penal 470, identificada pela imprensa como “mensalão”. A distração foi retirada do ar.

Foi exibido por tempo suficiente, no entanto, o rigor das punições projetadas pelo relator. Para o publicitário Marcos Valério, por exemplo, propõe 12 anos e 7 meses de reclusão, pelo crime de lavagem de dinheiro, além de 340 dias-multa. A esse tempo vão se juntar as punições anteriores e as que ainda virão.

A tendência de Joaquim Barbosa é a de punir com dureza. Segue, nesses momentos, o principio “Dura Lex, sed lex”.

(Anotou o latinista Paulo Rónai, que a expressão ficou popular no Brasil por um pitoresco anúncio comercial: “Dura lex, sed lex, no cabelo só Gumex).

Respeitadas as decisões do magistrado deve ser considerada, porém, a advertência de Beccaria, sobre a relação entre os delitos cometidos e as penas aplicadas: "Toda severidade que ultrapasse os limites se torna supérflua e, por conseguinte, tirânica".

Poucas semanas atrás, ao se aposentar, o severo ministro Cezar Peluso generalizou equivocadamente um sentimento pessoal: “Nada constrange mais o magistrado do que condenar o réu em uma ação penal”.

Joaquim Barbosa, no entanto, tem exibido sorrisos irônicos e meneios de cabeça ao desmanchar argumentos dos réus. Não mostra constrangimento. Esses gestos, esgares, dão um toque cruel ao poder soberano do julgador.

Os ilícitos chamados “mensalões”, do PT, do PSDB, do DEM, juntados à “CPI do Cachoeira”, envolvendo parlamentares, criminalizam a política como um todo e acirram o moralismo maniqueísta da sociedade. Nesse contexto ocorre o julgamento da Ação Penal 470 e, assim, o ministro relator ganha o papel de personagem principal do enredo, apoiado pela maioria do tribunal.

Barbosa, aplaudido pela mídia, é tratado como herói em restaurantes e outros ambientes fechados e privilegiados. Um heroísmo sem riscos. O ministro navega a favor do vento e em mar sem procelas.

Barbosa chegou ao STF, no governo Lula, beneficiado pelo princípio da cota racial e por indicação de Frei Beto que tinha, então, trânsito fácil e grande influencia junto ao presidente. É verdade, porém, que esse ex-procurador da República tem currículo robusto. Tem, também, uma história pessoal que mostra fôlego de maratonista em trajeto especial. Saltou obstáculos sociais e materiais.

De onde partiu, acertaria quem previsse que não iria longe. Ele frustrou as expectativas. Essa corrida de longa distância, porém, deixa marcas.

Na segunda quinzena de novembro Joaquim Barbosa assumirá a presidência do STF. Não é fácil colar rótulos no perfil do magistrado que chega ao apogeu. A fé católica, por exemplo, não impede que declare com firmeza sua posição a favor da legalização do aborto. Na pequena biografia dele registrada na Wikipédia pode-se ler:

“No mais polêmico julgamento desde que tomou posse no tribunal, votou a favor da tese de que políticos condenados em primeira instância poderiam ter sua candidatura anulada”.

Foi voto vencido. Mas, a manifesta aversão ao mundo político, que o favoreceu com uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, é um caminho para compreender Joaquim Barbosa. Esse rancor faz dele vítima preferencial da política.