Amorim: Cerra agride os afro-descendentes
Amorim e a ministra de Relações Exteriores da África do Sul
O Conversa Afiada entrevistou por telefone nessa quarta-feira 18/5 o ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim:
PHA: Embaixador, o que o senhor acha dessa decisão do atual ministro interino José Cerra, de esvaziar a representação diplomática do Brasil na África e na Ásia?
Celso Amorim: Eu sou muito cauteloso. Eu li que ele pediu estudos. Eu espero que, lendo os estudos, ele chegue a uma conclusão diversa. Porque eu acho que a nossa presença na África é muito importante. Se você comparar a África com países individuais - claro que é um artifício, mas é um artifício válido - ela teria, em certo momento, ficado em 4º lugar, abaixo da China, Estados Unidos e Argentina apenas. Então não é uma coisa tão pouco interessante.
E também do ponto de vista político, e até do sentimento brasileiro. Quando eu vejo a comparação com a Alemanha... a Alemanha não tem metade da população afrodescendente, e não tem uma costa que fica a quatro horas da costa africana, se você for do Nordeste do Brasil para o Senegal. E essa realidade que eu estou mencionando, de proximidade geográfica, ficou mais óbvia quando eu cuidei da Defesa. Já era óbvia, mas ficou mais óbvia ainda.
Então eu acho que esses fatos são importantes para serem levados em conta. Agora, eu espero que o raciocínio - não digo frio, porque nessas coisas nós não podemos ser totalmente frios, mas sereno - possa prevalecer e a gente mantenha a política africana.
PHA: Qual foi a sua estratégia com relação à expansão do Ministério das Relações Exteriores na África? O que o senhor fez?
Amorim: Nós abrimos várias embaixadas, como é sabido. O Brasil tinha fechado em outras épocas, digamos assim de prevalência de visão puramente neoliberal, embaixadas que depois nós tivemos que reabrir. Inclusive países onde fizeram negócios com empresas brasileiras importantes. Eu cito só um exemplo, que foi Zâmbia. Na época, tinha sido fechada no governo anterior, foi reaberta e, naquela época - não sei como as coisas seguiram então - havia grande interesse de empresas brasileiras, inclusive da Vale do Rio Doce, em investimento em Zâmbia. Isso é só um exemplo, eu posso citar muitos outros. Quando nós demos mais importância ao comércio, nos criticavam porque diziam que não estávamos levando em conta se o governo era democrático ou não. Quando a gente faz uma expansão por motivos políticos, criticavam porque dizem que alguns países não são importantes comercialmente. Sabe, você não tem saída.
Para o Brasil é fundamental, até para a alma brasileira. Eu não estou falando bobagem ou abobrinha, isso é verdade, real, que os africanos sentem. E é importante estrategicamente. Agora, para olhar estratégia, tem que pensar no longo prazo. Não pode ficar pensando só na coisa imediata. Mas mesmo do ponto de vista imediato, se as pessoas fizerem cálculos reais, elas vão ver que, no conjunto, nossa expansão do comércio com os países africanos é muito grande. Claro que com um país foi mais que com o outro, mas isso é uma coisa conjunta.
PHA: Como o senhor descreveria a atuação da China na África?
Amorim: Foi muito mais presente. Eu me lembro que, quando o presidente Lula fez uma viagem à costa ocidental da África, que é a que confronta o Brasil diretamente, houve críticas, porque ele passou muito tempo. Perdeu tempo, disseram. E aí, mais ou menos um ano depois, o Hu Jintao (ex-presidente da China) passou duas semanas na África, visitou o dobro dos países. E, na época, até alguns jornalistas perguntaram por quê o Lula não tinha feito mais. Quer dizer, todas essas coisas têm que ser vistas desse ângulo.
A China tem uma estratégia, não há a menor dúvida, também de exploração de matéria-prima. Mas não é só mais isso. A China tem interesse estratégicos, inclusive na África ocidental. Eu não acho que o Brasil tenha que ser adversário da China. Pelo contrário. É Estado-Nação para Estado-Nação. Cada um tem que proteger do seu interesse. Foi o Brasil que criou a zona de paz e cooperação do Atlântico-Sul, que foi criado lá atrás, no governo Sarney - ou seja, não é lulopetista, nem luloamorim - foi criado lá atrás e tem que dar uma realidade. E quem criou, criou corretamente, porque é muito importante para a nossa segurança, as nossas rotas marítimas, o nosso abastecimento de petróleo etc. Nós temos que proteger, e proteger na base da cooperação com os países africanos. Eu acho que seria um grande erro o Brasil diminuir essa presença.
PHA: O que o senhor acha, como diplomata profissional e ex-ministro das Relações Exteriores, do fato de o Brasil sair recriminando governos como Bolívia e El Salvador?
Amorim: Eu acho um erro duplo. Bom, do ponto de vista de conteúdo, evidentemente eu discordo. Mas eu até deixo isso de lado por um momento, porque evidentemente essa não é a posição do governo. Mas até para você ter uma posição de outra natureza, é muito mais correto na diplomacia você dizer "não é bem assim, eu tenho certeza que no futuro eles vão compreender". É melhor, até do ponto de vista do governo atual, do que sair atacando. Agora, isso me faz lembrar daquele pensamento do Chico Buarque, que dizia que gosta da política externa do Lula, porque nós falávamos grosso com os Estados Unidos e falávamos mais calmamente e tranquilamente com a Bolívia. E eu estou vendo que está parecendo que vai ser o contrário.
PHA: Hoje estamos no quinto dia da posse do presidente interino, e ainda não houve nenhum telefonema de congratulações do presidente Obama, do primeiro -ministro Hollande, do primeiro-ministro Cameron, da chanceler Angela Merkel...
Amorim: ... Portugal, por exemplo, país que tem relações próximas com o Brasil, que eu saiba, tampouco houve. Não sei, só estou vendo pela imprensa.
PHA: Como o senhor interpreta isso?
Amorim: Eu interpreto isso da maneira mais óbvia: que as pessoas têm muita dúvida sobre o processo que ocorreu. Há uma grande alegação de que o Supremo acompanhou, mas mesmo que você admita que os procedimentos formais foram seguidos de maneira correta, há uma grande dúvida sobre o conteúdo. Primeiro, pela natureza dos atos imputados à presidenta em relação ao tamanho da penalidade. E, segundo, um processo de impeachment não é para mudar uma orientação de governo como foi agora. Você morou nos Estados Unidos, como eu. Quando o Nixon acabou renunciando - mas quando houve processo de impeachment - não foi o McGovern (lider da oposiçao - PHA)) que assumiu o governo. Nem quando, digamos, o Clinton foi objeto de processo de impeachment, não seria o Jesse Helms (senador que fazia ferrenha oposiçao a Clinton – PHA) que assumiria o governo.
E aqui, nesse caso, nós estamos tendo - embora o presidente interino estivesse na chapa da presidenta - mas houve uma mudança de 180º na orientação política. Não só na Política Externa, mas na Política Socioeconômica, pelo que eu tenho visto. Então eu acho que isso é uma coisa que preocupa muito, e eu vejo que no mundo inteiro essa preocupação existe. Mesmo aqueles que poderiam estar se regozijando têm que ser discretos nessa hora, porque eu acho que não ficaria bem para eles junto às suas próprias populações.