O Conversa Afiada republica texto de Gabriel Bonis na Carta Capital:
por Gabriel Bonis
Com o avanço da crise e indícios cada vez mais concretos de uma moratória da Grécia, a presidenta Dilma Rousseff aproveitou a 5ª Cúpula Brasil-União Europeia em Bruxelas, na Bélgica, para reforçar o fortalecimento do Brasil como um importante ator econômico e ofereceu o apoio do País ao continente.
Em um pronunciamento na terça-feira 4, a mandatária brasileira fez duras críticas à política de corte de gastos adotada na Europa para conter a crise e declarou que vai apoiar as medidas necessárias para tirar o continente das turbulências, sem mencionar, no entanto, quais seriam.
Contudo, as colaborações do País, diz a CartaCapital o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, devem ficar apenas no campo das idéias, sem injeção de capital, que ocorre indiretamente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). “O Brasil tem outras preocupações econômicas e de infraestrutura. A nossa renda per capita ainda é muito inferior à dos gregos, portugueses, etc.”
Segundo Almeida, doutor em economia e consultor do Instituto de Estudos Para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), as críticas da presidenta às medidas de austeridade europeias têm fundamento. “Dilma fala com conhecimento, pois o Brasil teve que enfrentar recessões muito dolorosas e desnecessárias determinadas pelo FMI e isto está sendo renovado na Europa.”
Amir Kahir, ex-secretário municipal de Finanças de São Paulo, aponta que essa “mentalidade retrógrada” de cortes prejudica a recuperação dos países e leva, na verdade, a uma arrecadação menor que a eventual economia. “Isso afeta a população, quando o responsável pelo endividamento público é o governo que assumiu a dívida do setor privado”, diz, em referência à crise de 2008.
Ativar a economia, segundo Kahir, seria a melhor forma de avançar na questão fiscal. Por outro lado, Almeida aponta a reestruturação das dívidas dos países do euro como prioridade para minimizar os efeitos da crise. “Essa mentalidade está sendo lentamente construída, pois os valores são impagáveis. É um processo lento, no qual se negocia quem perde mais ou menos, sabendo que ninguém ganha.”
Uma vez que os montantes de dívida acumulados são muito elevados, os países deveriam abandonar o princípio de que o débito seria “pagável” na totalidade, sugere Kahir. “É preciso haver uma composição na qual seja factível pagar apenas uma parte da dívida, e essa seria inferior à metade”.
O ex-secretário das finanças paulistas defende uma reestruturação dos valores em que credores aceitem ter seus títulos comprados pelo governo por um valor inferior ao pago por eles inicialmente. “Com isso, o governo compraria esses títulos primeiro em um prazo definido”, declara e completa: “Não existe saída fiscal sem perdas.”
Contudo, para Almeida, uma moratória em um dos países europeus fragilizados (Grécia, Itália, Espanha, Portugal e Irlanda são os principais) refletiria negativamente. “Um default da dívida grega, por exemplo, daria prejuízo a quem financiou a Grécia e implicaria em uma dúvida sobre outros devedores.”
FMI pressiona governos europeus
Tentando encontrar saídas para a crise, a Europa foi pressionada por um relatório do FMI divulgado na quarta-feira 5. O documento pede novas medidas para lidar com a deterioração econômica, entre elas uma sinalização do Banco Central Europeu para a compra de títulos da dívida pública dos países mais debilitados a fim de aumentar a confiança dos investidores.
Uma medida capaz de amenizar a incerteza nos mercados, visando uma reestruturação a longo prazo, segundo o consultor do IEDI. “É uma medida de compasso para buscar uma solução definitiva. A dívida podre sai dos bancos [privados] e vai para o BCE e os ajuda ganhar fôlego, mas não é a solução da Grécia”, aponta.
Kahir, no entanto, enxerga o mecanismo apenas como um paliativo perdendo o efeito. “O BCE está entupido de lixo [papéis da dívida de países em crise] e isso tem um limite. Vai desacreditando o sistema, os bancos [privado] não estão capitalizados suficientemente e os títulos podres vão se concentrar no BCE, apenas mudando de lugar.”
Com isso, Almeida acredita que o cenário econômico na Europa e também nos EUA é crítico. “A recessão nestes locais já está definida. A única dúvida seria a sua intensidade: suave, lenta ou uma ruptura. No último caso, uma depressão.”