Não vai ter racionamento ! Tolmasquim: usinas e Verdes
Paulo Henrique Amorim entrevistou o presidente da Empresa Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim.
A EPE é uma empresa pública, ligada ao Ministério de Minas e Energia, responsável pela pesquisa e estratégia das variadas fontes de energia que compõem a matriz brasileira.
A entrevista foi sexta-feira (31), por telefone.
O ansioso blogueiro pediu a Tolmasquim que explicasse por que a usina de Teles Pires terá de operar com a tecnologia chamada “fio d’água” - conta apenas com a vazante natural do rio, sem um tanque de reservatório -, o que limita sua capacidade de produção.
Clique aqui para ouvir a íntegra da entrevista e leia também a transcrição abaixo:
PHA: Maurício, eu tive o grande prazer de visitar essa semana o canteiro de obras da usina Teles Pires, entre o Mato Grosso e o Pará, entre Paranaíta (MT) e Jacareacanga (PA). Eu vi que a obra está 70% pronta. Ela pode produzir 1.820 MW, foi arrematada pelo menor valor já registrado em um leilão no Brasil, 58 reais por mw/h. Porém, ela só poderá entregar 900 mil MW, uma vez que foi obrigada a produzir em fio d'água. Eu gostaria que você me esclarecesse – e estamos falando também de Belo Monte – http://www.pac.gov.br/obra/9059 - quanto o Brasil será forçado a deixar de produzir por conta do uso dessa tecnologia do fio d'água, que acabou sendo imposta como resultado das pressões nacionais e internacionais ?
Maurício Tolmasquim: Na realidade, a Teles Pires teria que ser mesmo uma usina a fio d'água. As características físicas do local não permitiam fazer um reservatório. Mas, a montante dela (“a montante” refere-se à parte mais alta do rio, mas perto da nascente), justamente na usina de Sinop (MT)- http://www.pac.gov.br/obra/8419 - , acima dela, que foi leiloada esse ano, tem um reservatório. Isso acaba atendendo Teles Pires. Então, Teles Pires é um caso que tinha que ser a fio d'água mesmo, mas não é o caso de Belo Monte.
Belo Monte tem usinas a montante que poderiam, sim, ter reservatórios – que aumentariam muito a geração [de energia] da usina. Mas como há essas outras usinas no rio Xingu, e você teria realmente um impacto nas comunidades indígenas, se resolveu não construir o reservatório. Então, por conta disso, Belo Monte ficou uma usina a fio d’água. O que significa fio d’água? Que ela funciona com a vazão natural do rio, você não está estocando água para os momentos em que a vazão diminui. No período úmido ela vai produzir 11 mil MW, e no período mais seco a produção pode cair até a 1000 MW, justamente porque você não construiu um reservatório, um lago, que possibilitasse que a usina produzisse uma quantidade importante de energia o ano todo. Portanto, no caso de Belo Monte, apesar de a usina ter uma capacidade de 11 mil MW, ela deve ter uma produção média anual de 4,5 mil MW.
PHA: Menos da metade do potencial.
Maurício Tolmasquim: Na realidade, numa usina hidrelétrica você nunca consegue produzir todo o potencial. Mesmo com reservatórios, você depende das chuvas. Mas sem dúvida, ela poderia gerar (com o reservatório) mais do que ela vai gerar.
PHA: Quais outros casos como Belo Monte existem no Brasil? Por exemplo, no rio Madeira, as usinas de Jirau - http://www.pac.gov.br/obra/1605 - e Santo Antonio – http://www.pac.gov.br/obra/1803 - foram prejudicadas por isso?
Maurício Tolmasquim: No rio Madeira, na realidade, a montante do rio, a parte superior, fica na Bolívia. A usina com reservatório teria que ser construída na Bolívia, e ai ,sim, aumentaria a geração de Jirau e Santo Antonio, que são usinas a fio d’água, porque ali no sitio mesmo seria impossível construir reservatório. O reservatório teria de ser, portanto, a montante, o que implicaria em um acordo com a Bolívia.
PHA: Fazer um novo acordo como Itaipu?
Maurício Tolmasquim: Na realidade, Itaipu é uma usina que, no fundo, é a fio d’água. Você não tem muito reservatório ali em Itaipu. Hoje em dia, Paulo, eu diria que conseguir fazer as usinas hidrelétricas, mesmo a fio d’água, já é uma vitória. Porque, apesar de tudo o que está se fazendo para tentar minimizar os impactos, as compensações para as comunidades locais, e compensações ambientais, mesmo assim, hoje é muito difícil conseguir as licenças pra leiloar. É claro que o ideal são usinas com reservatório, mas hoje, mesmo sem reservatório, a gente tem uma certa dificuldade de construir.
E hoje as usinas hidrelétricas são vetores de desenvolvimento regional, e sustentável. Por exemplo, no caso de Belo Monte, tem toda uma comunidade que vive em casas de palafita, que era inundada em certos períodos do ano. Eles estão ganhando casas de alvenaria; com esgoto; água tratada; além de todos os investimentos em escola, polícia...
PHA: No caso de Teles Pires, me contaram lá que 15% do custo da obra é empregado em investimentos para beneficiar a população local. Dinheiro para reconstruir escolas, construir casas. É um trabalho que custa 15% do valor da obra.
Maurício Tolmasquim: É verdade, Paulo. Teles Pires é um empreendimento importante para o Brasil, porque gera uma energia barata para o País, é importante para o planeta, porque gera uma energia renovável, e de baixa emissão, mas tem que ser importante também para as comunidades locais. Às vezes o empreendedor reclama dessa compensação, mas eu acho justo se fazer. E você veja, no caso de Teles Pires, mesmo com essas compensações ambientais, ela saiu, como você bem disse, por um preço recorde de tão baixo, 58 reais por mW/h. É a usina hidrelétrica mais barata já construída – hoje se contrata térmicas por mais de 140 reais por mW/h.
Isso mostra que nós podemos atender a todos: atender a necessidade de segurança do Brasil, a necessidade de se ter uma energia renovável e a necessidade da comunidade local. Só para se ter uma ideia, na região de Teles Pires, a compensação financeira por ano é estimada em 18 milhões de reais. Em Paranaíta são 14 milhões e em Jacareacanga são mais 4 milhões por ano.
PHA: Agora, outro ponto que me chamou a atenção lá, e eu conversei com alguns dos engenheiros da Odebrecht e da própria Teles Pires. Eles me falaram dos crescentes desafios que virão, por exemplo, para explorar as imensas possibilidades de geração de energia no Tapajós. É possível imaginar que haverá um novo ciclo no Tapajós, e que ele pode ser inibido por uma espécie de constrangimento ambiental?
Maurício Tolmasquim: A bacia do Tapajós tem realmente um grande potencial.
PHA: De quanto?
Maurício Tolmasquim: Olha, a maior delas, que é a usina de São Luiz - http://www.pac.gov.br/obra/8396 -, que nós pretendemos leiloar no final desse ano, ou no começo do ano que vem, tem 7.400 MW, é uma usina bastante grande. Você tem outros aproveitamentos, como Chacorão, que é uma usina grande lá, mas que tem comunidades indígenas em volta e por isso nós vamos deixar um pouco pra depois. Chacorão é uma usina que poderia ser grande, mas por conta do impacto ambiental, nós não estamos colocando ali.
A região do Tapajós, ao contrario de Belo Monte – porque Belo Monte é uma região muito antropizada, 60% da área já está antropizada, você tem pecuária e outras atividades - o Tapajós não, é uma área mais virgem, você tem menos pessoas na região. Então, nós estamos querendo fazer um novo tipo de usina na região, usinas do tipo “plataforma". Por que plataforma? É inspirado nas plataformas de petróleo, que estão no meio do oceano e os funcionários vão pra lá de helicóptero. A ideia é construir uma hidroelétrica no meio da floresta, evitando assim a antropização.
As estradas construídas para levar os materiais, depois da usina pronta, seriam desfeitas e reflorestadas; os canteiros para funcionários, depois da obra concluída, seriam destruídos e a área reflorestada. Essas usinas operariam com pouca gente, seriam o mais automatizado possível, justamente para evitar a antropização. Então são dois modelos distintos: o modelo de Belo Monte e Teles Pires, que devem ser um vetor de desenvolvimento regional, e as usinas do Tapajós, que devem ser um vetor de preservação.
PHA: Já existe algum exemplo no Brasil dessa usina plataforma?
Maurício Tolmasquim: Não, não, seria a primeira no Brasil, e acho que no mundo. Mas como nós temos um grande potencial – o Brasil tem o terceiro potencial hidrelétrico do mundo, depois da China e da Rússia – e só um terço desse potencial está sendo explorado. Nós temos que pensar em soluções para a nossa realidade.
PHA: Então, o Brasil só explorou um terço da capacidade, e ainda faltam dois terços?
Maurício Tolmasquim: Faltam dois terços. Agora, 60% dessa capacidade está na região Norte, no bioma amazônico. É claro que no bioma amazônico nós temos uma grande riqueza de biodiversidade, e é claro que temos de preservar. Nós acreditamos que não são dois objetivos incompatíveis. Você pode aproveitar essa fronteira hidrelétrica que está no Norte e pode preservar o meio ambiente. São essas iniciativas criativas que nós procuramos implantar para tentar fazer isso, ou seja, nas áreas que não são antropizadas tornar a hidrelétrica um vetor de preservação, e nas áreas que já estão antropizadas tornar a hidrelétrica num vetor de desenvolvimento regional.
Paulo, um dado muito interessante é o seguinte: vamos supor que nós construíssemos todas as usinas possíveis na Amazônia - o que não é a decisão, o Governo não fará isso, a gente só fará realmente aquelas hidrelétricas em locais que não tenham muito impacto. Mas se fosse tomada essa decisão (de construir todas as usinas possíveis na Amazônia), em termos de área, isso ocuparia 0,5% do bioma amazônico, se todas as usinas possíveis fossem construídas – mas não serão. Estamos falando, em termos de espaço, em uma área muito menor do que 0,5% do bioma amazônico. Nós sabemos que não pode ser só “pouco”, é preciso ver se esses locais escolhidos são muito sensíveis, e esses cuidados serão tomados.
PHA: Existe alguma preocupação especial quanto ao regime de chuva nesse verão bravo que estamos enfrentando? Vamos ter de usar muito as termelétricas?
Maurício Tolmasquim: Nós estamos passando realmente por um período de afluência hidrológica nos reservatórios muito baixa no Sudeste. Em alguns lugares do Sudeste choveu, como no caso do Espírito Santo, mas na área que choveu, essa água acabou indo para oceano. Os nossos reservatórios estão em Minas Gerais, em Goiás, e num pedaço do Oeste de São Paulo. Esse janeiro, realmente, a afluência nesses rios está cerca de 54% da média de longo prazo, ou seja, está muito baixo. Apesar disso, nós estamos tranquilos. Nós temos um sistema elétrico muito robusto, não só de hidrelétricas, mas de térmicas, que quando necessário são acionadas. No passado, numa situação como essa, todo mundo estaria em pânico. Hoje, não. Apesar da hidrologia ruim, nós temos recursos para passar por esse momento. Ano passado, foi o pior ano no Nordeste, foi a pior hidrologia no Nordeste nos últimos 80 anos. Esse ano passamos por essa situação no Sudeste. Mas nós temos os recursos para passar por ela.
PHA: Com a redundância das térmicas, é isso?
Maurício Tolmasquim: Isso, nosso sistema é hidrotérmico. As térmicas são ligadas e funcionam nesse período, de seca. Nós temos que entender que as térmicas são parte do nosso sistema. Na Europa, eles usam as térmicas para gerar 80% da energia. No Brasil nós temos as hidrelétricas, mas temos térmicas também, para quando falta água. É claro que quando nós temos água nós desligamos as térmicas que, além de ser uma energia mais cara, é mais poluente também.
PHA: Só para concluir Mauricio, se você conversar com o pessoal da Teles Pires, vai ver que eles ficam aborrecidos, porque eles queriam produzir 1820 MW (risos) ...
Maurício Tolmasquim: Não, Não... (risos), mas é uma usina ótima ali, dadas as características locais. É claro que o ideal são usinas com reservatórios, mas em Teles Pires não é o caso.
PHA: Você tem ido lá? A obra está belíssima!
Maurício Tolmasquim: Não, eu não tenho ido lá, mas eu tenho acompanhado. Eles planejam entrar antes do prazo. Estão com a obra muito adiantada, e devem entregar antes do prazo do contrato. E a energia produzida lá, 915 MW médios, é suficiente para abastecer um cidade de 5 milhões habitantes. É algo bastante expressivo e a um preço muito interessante, muito barato, e uma energia renovável e barata.
PHA: O que me disse um engenheiro lá – evidentemente, eu não posso identificar o nome – é que o que fizeram com Belo Monte foi um crime! (risos)...
Maurício Tolmasquim: (risos)
PHA: Não, não... você não precisa comentar... (risos)
Maurício Tolmasquim: Isso é um dialogo entre as partes. Os mais arraigados dos ambientalistas acham que crime foi construir Belo Monte, os mais arraigados do outro lado acham que foi um crime não ter feito os reservatórios a montante. Então, nós temos que achar um equilíbrio para atender todas as partes do debate. Eu acho que as hidrelétricas são muito importantes, sou um grande defensor das hidrelétricas, acho que sempre que possível tem que se construir reservatórios, é o melhor e mais barato, porque quando você não tem reservatório você tem que acionar mais vezes as térmicas que são poluentes, e ai você tem o impacto ambiental também. Agora, é claro que tem algumas regiões, com comunidades indígenas etc, outras sensibilidade, que tem de ser olhadas e respeitadas.
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E não vai ter racionamento.