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Homofobia do Cerra explodiu

"Que a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) não seja utilizada para gerar polêmica em época eleitoral, ou em qualquer outra época."
publicado 18/10/2012
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Saiu no Viomundo:

Toni Reis: “A estratégia do Serra de rifar os direitos dos homossexuais implodiu”


publicado em 18 de outubro de 2012 às 14:15

por Conceição Lemes

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) é a maior rede LGBT da América Latina. Tem 237 organizações filiadas.

Essa semana seu presidente, Toni Reis, divulgou uma aberta  a José Serra (PDSB), que está usando o material educativo do projeto Escola sem Homofobia para atacar Fernando Haddad (PT).

Na carta (íntegra, aqui), Toni afirma:

fiquei muito entristecido pelo uso indevido do debate sobre as políticas públicas de combate à homofobia como uma arma eleitoral, referindo-se ao material educativo do projeto Escola Sem Homofobia como um “KIT GAY” com “ASPECTOS RIDÍCULOS E IMPRÓPRIOS” para crianças, de “DOUTRINAÇÃO E MALFEITO”.

Estas declarações somente podem ser consideradas uma manifestação do legítimo pré-conceito – um conceito antecipado, uma vez que o julgamento do material como sendo “ridículo e impróprio” foi feito em relação a algo inacabado, que ainda não está em sua versão final, que ainda não teve a aprovação do Ministério da Educação.

Ademais, o material é destinado a educadoras e educadores do ensino médio, para trabalhar a homofobia no ambiente escolar (entre professores/as, funcionárias/os e estudantes).

No final, Toni faz um apelo a Serra:

… que a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) não seja utilizada para gerar polêmica em época eleitoral, ou em qualquer outra época. Isto só serve para validar, banalizar e incentivar a homofobia e manter a esta população à margem da cidadania.

…Não rife os nossos.

Formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Toni Reis é Doutor em Educação, Mestre em Filosofia e Especialista em Sexualidade Humana.  Segue a entrevista que fizemos com o presidente da ABGLT.

Viomundo — Na sua carta, você pede ao Serra que não rife os direitos dos homossexuais. Só que a esta altura, com a estratégia que está usando, ele já rifou os direitos dos homossexuais , concorda?

Toni Reis -- Concordo. Só que as notícias publicadas nos meios de comunicação nos últimos dias mostram que a estratégia do Serra rifar os direitos dos homossexuais implodiu. Parte dos materiais do projeto Escola Sem Homofobia tem DNA tucano. Já foram utilizados anteriormente pelo próprio governo Serra.

Viomundo — Em 2010, o Serra usou o aborto como arma eleitoral contra a Dilma.  Agora, faz o mesmo com o material educativo do projeto Escola sem Homofobia, que ministro Fernando Haddad (PT) planejava implantar na rede pública de ensino e que Serra chama de “kit gay”. O que acha dessa postura?

Toni Reis — Eu tenho admiração pela biografia do Serra, como deputado, senador, prefeito e governador, como ministro da saúde e pelo que fez em termos de políticas públicas para a população LGBT, entre outras, no município e no estado de São Paulo, demonstrando o compromisso com a inclusão social e a cidadania.

Porém, sua postura nas últimas eleições presidenciais e agora nas eleições municipais, usando de questões de direitos sexuais, direitos reprodutivos e direitos humanos para tentar criar polêmica, ganhar votos em cima do preconceito e da intolerância e desqualificar os rivais, não condiz com os princípios da democracia e da República que deverão nortear o debate eleitoral.

Viomundo — Essa postura aumenta a discriminação contra os homossexuais?

Toni Reis — Claro. A postura do Serra só serve para reforçar o estigma, o preconceito, a discriminação e a violência contra as pessoas homossexuais. Em vez de respeitar os princípios constitucionais da igualdade, da liberdade e da dignidade humana, entre outras, relega a população homossexual à marginalidade.

Nega o problema – científica e irrefutavelmente comprovada – da homofobia e ridiculariza os esforços de educar para sua erradicação. Utiliza da fragilidade de uma população socialmente inferiorizada numa tentativa de ganhar votos de setores conservadores e fundamentalistas para o detrimento daquela, contrariando inclusive as disposições do estatuto de seu próprio partido, o PSDB, dentro as quais cito:

“Art. 2º. O PSDB tem como base a democracia interna e a disciplina e, como objetivos programáticos, a consolidação dos direitos individuais e coletivos; o exercício democrático participativo e representativo; a soberania nacional; a construção de uma ordem social justa e garantida pela igualdade de oportunidades …

Art. 3º.Constituem diretrizes fundamentais e princípios programáticos para a organização, funcionamento e atuação do PSDB:

V – articulação com os movimentos sociais, respeitadas suas características e autonomia, assegurando-lhes representação nos quadros partidários e listas de candidatos e incentivando-se a auto-organização da sociedade, em especial nos setores ainda marginalizados (os grifos em negrito são do próprio Toni).

Viomundo — Na carta aberta ao Serra, você diz também que o termo “kit gay” é equivocado. Por quê?

Toni Reis — O termo “kit gay” foi cunhado por fundamentalistas religiosos numa tentativa de inferir que o objetivo do material educativo do projeto Escola Sem Homofobia seria “induzir” ou “ensinar” os/as estudantes nas escolas a “virarem” homossexuais, como se – por acaso – isso fosse possível.

Está mais do que comprovado que a orientação sexual de uma pessoa (se ela é gay, lésbica ou bissexual) lhe é inerente. Não é algo que possa ser ensinado, nem incentivado e nem “revertido”. A repressão ou a negação da orientação sexual de uma pessoa em nada adiantam, no final das contas ela se sobressairá, seja qual for.

Quando foi ministro da saúde, Serra soube distinguir muito bem e dizer com todas as letras que há de ter uma separação entre as religiões e o governo, e que aquelas não podem interferir na s atribuições deste, ou vice-versa.

Por conivência com certos líderes religiosos fundamentalistas e as estratégias deles em relação à população homossexual, parece que o preceito constitucional da laicidade do Estado não tem mais significado para o candidato Serra.

O Estado Laico é bom nós, LGBT, para os/as evangélicos/as, católicos/as. Enfim, para todos e todas, inclusive para pessoas que não têm religião ou credo.

Viomundo — Na carta aberta, você salienta o equívoco de outros termos usados se referir ao material educativo da Escola sem Homofobia, como “ASPECTOS RIDÍCULOS E IMPRÓPRIOS, DOUTRINAÇÃO”.  Em que medida são equivocados?

Toni Reis — Em primeiro lugar, a versão definitiva do material ainda não está disponível e está em análise no Ministério da Educação. Já é equivocado promover um debate em cima de uma versão preliminar.

Segundo, doutrinar significa que a intenção do material seria fazer apologia da homossexualidade. Aí, está mais um equívoco na afirmação do Serra. A diversidade sexual é uma realidade. Ela não cabe em casulos “certinhos”.

Na hora de educar sobre a sexualidade humana, é um equívoco negar essa realidade. Há de se informar corretamente os/as estudantes sobre isso. Os/as adolescentes e jovens corretamente informados/as serão pessoas mais respeitadoras das diferenças e contribuirão mais para a cultura da paz e para a diminuição da violência.

Esse processo de informação e educação não influenciará na sexualidade dos/das discentes, apenas contribuirá para que tenham posturas mais cidadãs em relação à diversidade humana. O conjunto de materiais educativos faz, sim, apologia ao respeito e à cidadania.

Viomundo — Em entrevista à CBN, Serra disse que esse material estimula o “bissexualismo”.

Toni Reis — Mesmo se fosse verdade — e não é –, o que há de errado com a bissexualidade? É crime por acaso? Não é apenas mais uma expressão da sexualidade humana?

Segundo Freud, todos/as nascemos bissexuais. No decorrer da vida, vamos definindo nossa orientação sexual, seja hetero, homo ou bi. Ainda, há estudos que apontam que existe uma escala de orientação sexual, variando desde o heterossexual exclusivo até o homossexual exclusivo, passando pela bissexualidade, de modo que a orientação sexual de cada pessoa é única e pode se encontrar em qualquer posição na escala.

Também é possível que a pessoa não permaneça a vida toda em um só lugar na escala, e, sim, se mova nela, em maior ou menor grau. É arcaico e retrógrado querer padronizar de forma bitolada a sexualidade humana.

A era da higienização da sexualidade pelo Estado já passou. Ainda, todos os materiais que vejo estimulam sempre o “heterossexualismo”. É preciso estimular o respeito ao princípio da igualdade e da cidadania.