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A casta do 1% manda na Lava Jato

O procurador Santos Lima merece um capítulo muito especial...
publicado 01/08/2017
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Os lavajateiros estão na metade azul

O Conversa Afiada reproduz do Nassif artigo brilhante de Fernando Horta sobre quem são os lavajateiros, a casta do 1% que vai acabar com a corrupção (só a do PT) e eleger o Bolsonoro.

(É estudo que lembra muito o que o Carlos Drummond mostrou  na Carta Capital sobre como os tucanos de SP se mantem como os mais persistentes coronéis do Brasil: eles compram a Justiça e o MP!) 

As Dinastias do Poder e a Luta de Classes, por Fernando Horta

A Ciência não é neutra. Nada, aliás, o é. Mas a Ciência, de todas as formas de aquisição de conhecimento, é a mais objetiva e a que tem tido os melhores resultados práticos. Desde 1620, quando foi publicado o livro Novum Organum de Francis Bacon, a estruturação de uma metodologia científica tem propiciado um intenso desenvolvimento da humanidade. A aquisição de conhecimento e sua validação atingiram também a própria Ciência que se critica e reconstrói a todo o momento.

É claro que vivemos um momento de anti-intelectualismo, em que o conhecimento consolidado precisa lutar por legitimidade com vídeos ou notícias apócrifas na rede mundial de computadores. E esta luta é inglória, pois o juiz frequentemente carece de ferramental cognitivo para fazer a função de julgar. Fica tudo na opinião pessoal, como se nada dali em diante pudesse ser verificado.

Pensando nisto, resolvi trazer alguns trabalhos muito bons que tive a oportunidade de acompanhar tanto na última ANPUH (Associação Nacional de Historiadores) como na SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia). Ambos os eventos se deram em Brasília na semana que passou. E, junto com a Ciência Política e a Antropologia estão entre as disciplinas que mais tem a dizer no momento atual. E as mais negligenciadas.

As dinastias do Poder e a Luta de Classes

Há muito que se fala na tática de consolidação do poder através de laços familiares. No plano geral, a obra de Perry Anderson, “Linhagens do Estado Absolutista”, demonstra a “política de casamentos” como forma de unificação dos Estados Nacionais europeus. No Brasil, o livro de Raymundo Faoro, “Os donos do poder”, em que pese hoje criticado, estabelece uma ligação entre o exercício do poder e as relações interpessoais para se chegar aos postos deste exercício. Faoro argumenta pelo sentido estrutural, mas existem pesquisas que vão nas micro relações.

Ricardo Costa de Oliveira, José Marciano Monteiro, Mônica Helena Goulart e Ana Christina Vanali (todos professores doutores) apresentaram um estudo das relações familiares dos integrantes da Lava a Jato e do ministério de Temer na SBS. Um pequeno fragmento dos seus trabalhos doutorais de mais fôlego. Todos estudam estas relações espúrias, daquelas famílias de “homens bons”, todos ligados ao poder. Há quem pense que é fruto de uma genética privilegiada, afinal todos da família são meritocraticamente destacados. A realidade é que a teia de poderes familiares no Brasil, vai de norte a sul sem muita diferença.

Os pesquisadores mostram, com desprendimento científico, o que advogados sabem (e sofrem), o que os membros honestos dos poderes estão cansados de saber (e calar) e o que a mídia solenemente ignora (porque frequentemente é favorecida) deixando o povo na mais completa ignorância. O poder no Brasil é uma coisa familiar. E não é por acaso que a maior crise institucional no Brasil se dá quando o congresso é composto pela maior quantidade de “herdeiros” e o judiciário, da mesma forma.

Primeiro, é preciso ressaltar que TODOS os integrantes da “Força Tarefa da Lava a Jato”, que tem na figura do Juiz Moro o principal agente acusador, estão entre o 1% mais rico da população brasileira. Mais da metade está entre o 0,1% mais rico, devido aos seus ganhos estatais. Isto apenas para recolocar a questão “antiquada” da luta de classes em seu devido lugar. Em cem anos dirão – com certeza – através de dados e pesquisas, que a Lava a Jato foi o instrumento das elites políticas e econômicas contra os projetos de diminuição da desigualdade no Brasil. Como um “cala a boca e fica no seu canto” dado pelas elites urbanas, com títulos acadêmicos (embora parco conhecimento), brancas, conservadoras e enriquecidas aos “desagradáveis”, aos “insuportáveis” e aos “desnecessários” na visão delas mesmas.

Depois, o trabalho envereda para mostrar que todo o grupo da Lava a Jato (com exceções nada honrosas) são “advindos de famílias em que pais e familiares atuaram e/ou atuam no sistema de justiça, muitos no período da última ditadura militar” (citado do original). O ministério de Temer é ainda pior.

Um ponto interessante, levantado pelos pesquisadores, é o fato de que não apenas Moro e Yousseff estiveram presentes no processo do Banestado (2003-2004), em que as lideranças do PSDB, PP e do PFL (atual DEM) estavam envolvidos em crimes de corrupção e financeiros. Os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima, Januário Paludo e Orlando Martello Junior, que fazem parte da Lava a Jato também estavam naquele processo. E, pasmem, os policiais federais Marcio Anselmo e Érika Mialik também. Yousseff talvez tenha como regra para cada dez anos de ilicitude, uma delação premiada. Algo como “férias merecidas” e o apagamento de seus crimes. Mas o número elevado de membros presentes nas duas operações levanta a tese do esquema organizado. Uma espécie de “gatilho político” que as elites teriam caso o “andar de baixo” resolvesse realmente entender o que é democracia. Uma bomba institucional que ficaria ali latente até poder ser usada politicamente contra quem valesse a pena, por quem tivesse força para usar.

O caso do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima é ainda mais constrangedor. Carlos é filho do deputado estadual da ARENA, Osvaldo Santos. Deputado, promotor e presidente da assembleia em 73, apoiador da ditadura militar. Segundo os pesquisadores, Carlos foi casado com Vera Márcia que é “ex-funcionária” do Banco Banestado. E que atuava no banco, nas mesmas agências investigadas pela ação do Banestado, nas mesmas funções investigadas durante todo o período que seu esposo fazia as investigações. Depois, Vera Márcia, ainda casada com o procurador foi transferida para a Agência da Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu, apenas a agência com maior suspeita de fraudes e ilicitudes.

Sobre Moro, os pesquisadores levantam a já conhecida e estanha formação acadêmica “à Jato”, mas se detém em sua esposa. Rosângela Wolff de Quadros “fez parte do escritório de advocacia Zucolotto Associados, em Maringá (...) que defende várias empresas petrolíferas estrangeiras” (cito do original). Afora todas as relações da genealogia de Rosângela com a elite estatal paranaense, os pesquisadores levantam que Rosângela Moro é prima do prefeito Rafael Greca de Macedo e – agora vem a pérola de ironia histórica – “ambos descendem do Capitão Manoel Ribeiro de Macedo, preso pelo primeiro Presidente da Província do Paraná por acusações de corrupção e desvio de bens públicos em instalações estatais”. Para os que não lembram, Greca é o prefeito que tem nojo do cheiro de pobre. Tanto Moro quanto Rosângela Wolff tem parentes desembargadores no Paraná afora as relações com Flávio Arns e Marlus Arns que atuaram como advogados de réus da Lava a Jato. Os pesquisadores falam da “lucrativa indústria advocatícia da Lava a Jato” em que Moro prende, e conhecidos dele e de sua esposa são contratados para tentar soltar os réus. A preços módicos, claro.

Só para não ficar sem falar do vice-presidente, dos trinta e um ministros de Temer, dezessete “apresentaram significativos capitais sociais e políticos familiares nas suas trajetórias” mostrando que “a característica familiar do sistema judicial e do governo do Brasil” está presente em todas as regiões.

É de se entender o motivo de Temer atacar a Ciência no Brasil e em especial as humanidades. Em regimes autoritários, os primeiros ataques são aos historiadores, sociólogos e cientistas políticos. Se dirigem àqueles que têm ferramental para demonstrar a violência, criticar e abrir os processos de poder. Felizmente, ainda temos quem faça pesquisa e Ciência no Brasil. Felizmente não poderão dizer, daqui a cem anos, que a sociedade brasileira não foi avisada do caos a que está sendo levada e de como eram as relações de poder de quem a levou. Não nos furtamos, enquanto cientistas, de demonstrar que a “neutralidade” é uma mentira tão grande quanto a “meritocracia”. É a velha luta de classes em seu viés mais abominável. Travestido de institucionalidade técnica.

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