Comandante do Exército não sabe o que fazer no Rio
Gal Villas Boas deveria prestar contas da derrota na Favela da Maré (Reprodução/Causa Operária)
De Nivaldo Souza, na Carta Capital:
A primeira reunião do Conselho da República, realizada na manhã desta segunda-feira 19, para discutir a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, teve momentos embaraçosos para o governo Michel Temer e incertezas entre os membros da cúpula das Forças Armadas sobre a efetividade da medida.
De acordo com integrantes do Conselho ouvidos por CartaCapital, o general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército Brasileiro, avaliou que as Forças Armadas não tiveram tempo de fazer um planejamento detalhado de como será a ação no Rio.
O deputado José Guimarães (PT-CE), líder da minoria na Câmara e integrante do conselho, relata que o general mais perguntou do que afirmou durante o encontro, realizado no Palácio do Alvorada. “Ele questionou os caminhos e as consequências da intervenção para as Forças Armadas”, afirma.
Conforme a Constituição, o Conselho da República deve ser ouvido a respeito de intervenções federais. O órgão, que jamais havia sido convocada anteriormente, reúne os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), os líderes da maioria (governistas) e da minoria (oposição) nas duas casas legislativas, o presidente da República e o vice e o ministro da Defesa. Integram o comitê ainda membros da sociedade civil. O Palácio do Planalto indicou como seus representantes o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e o presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Jorge Bastos. Serão eleitos também quatro representes civis eleitos pelo Senado e a Câmara.
A reunião do Conselho da República foi em conjunto com o Conselho de Defesa, do qual fazem parte diversos outros ministros, além dos comandantes das Forças Armadas. Assim, além de Villas Boas, estavam no encontro o almirante de esquadra Eduardo Bacelar, comandante da Marinha, e o tenente-brigadeiro-do-ar Nivaldo Luiz Rossatto, comandante da Aeronáutica.
O general Villas Boas teria dito, conforme os relatos, que não estava claro de onde viria o dinheiro para custear as ações militares nem como seria a reação da Justiça em relação a eventuais prisões que possam ser realizadas pelas Forças Armadas durante a intervenção.
O senador Humberto Costa (PT-PE), líder da minoria no Senado, relata que os chefes das três forças militares estavam desconfortáveis em participar do encontro por não possuir dados concretos sobre a operação que irão comandar. “Não me pareceu que eles estavam contentes”, diz.
Segundo os líderes de oposição, a reunião “foi para inglês ver” por não haver dados estatísticos para justificar a medida extrema de afastar o governador do Rio Luiz Fernando Pezão (PMDB) do comando da Segurança Pública.
“Foi uma reunião que não ajudou em nada a esclarecer os motivos da intervenção. Não foi apresentado nenhum dado de aumento de assaltos, sequestros ou homicídios que justificassem a intervenção”, afirma Costa.
Guimarães afirma que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, citou manchetes de jornais sobre a violência no Rio como justificativa. "Ele citou também a dificuldade dos Correios em fazer entregas por causa de assaltos e das igrejas evangélicas e católicas de realizar atos religiosos nas favelas", relata o deputado.
A oposição cobrou das Forças Armadas um balanço da ocupação do Complexo de Favelas da Maré, zona norte do Rio, ocorrida entre 2014 e 2015. A ocupação custou 600 milhões de reais aos cofres federais e teve como capítulo obscuro a morte de nove pessoas em uma operação que a Polícia do Rio atribui ao Exército, que responsabiliza os policiais.
O Ministério Público investiga a chacina da Maré. Após as mortes, as Forças Armadas pressionaram o Congresso Nacional para mudar a legislação, transferindo da Justiça comum para a Justiça Miliar o julgamento de casos de homicídios envolvendo militares.
Obstrução
A oposição se diz atropelada pelo decreto presidencial publicado pelo Palácio do Planalto na sexta-feira 16, regulamentando a intervenção. O documento foi chamado de "atabalhoado" por Guimarães. Para ele, o ideal seria discutir a medida no Conselho da República antes de ser anunciada oficialmente.
Costa disse que a convocação do Conselho após a divulgação do decreto foi uma tentativa do presidente Michel Temer de obter um "cheque em branco" para a operação no Rio. "A reunião foi para aprovar um cheque em branco para o governo decidir o que fazer", afirma o senador.
O decreto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado para entrar em vigor. A votação na Câmara está marcada para esta segunda-feira, às 19h. A oposição promete obstruir a votação. O tema será debatido ao longo do dia pelos líderes de oposição do PCdoB, PDT, PSOL e PT. "Vamos decidir ainda, mas a ideia é fazer obstrução", diz Guimarães.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da votação. Ele argumenta que o decreto foi publicando antes de o Conselho da República ter sido convocado. O documento ainda não foi distribuído entre os ministros do Supremo.
O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) também entrou com mandado de segurança contra o decreto. O pedido dele está nas mãos dos ministro Dias Toffoli.
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