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Moro aumenta Produto Interno da Brutalidade Brasileira, PIBB

Hübner: ele aposta um contra 11 do Supremo
publicado 08/02/2019
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Polícia que mais mata e morre vai poder matar e morrer mais (Crédito: Leonardo Benassotto/Futura Press)

O Conversa Afiada reproduz da Época artigo de Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e professor da USP:

Direito Penal express


A desinteligência penal brasileira não tem partido. Nunca soubemos tanto sobre formas de desatar o nó da segurança pública, mas seguimos enredados nesse círculo perene de autoengano. O desafio já deixou de ser cognitivo e virou sobretudo político. A política continua a tocar um samba de uma nota só: criminaliza nova conduta; aumenta a pena; converte em crime hediondo; reduz a maioridade penal; arma a polícia para o combate e lhe dá carta branca; arma o “cidadão de bem” para a autodefesa; constrói muros, presídios e manda prender; relativiza a presunção de inocência e contrabandeia a presunção de culpa para dentro do processo. Aproveita o embalo e atiça o sensacionalismo, aperta o botão dos preconceitos e magnifica o medo.

Como resultado, a polícia que mais mata e mais morre no mundo faz explodir o PIBB (Produto Interno da Brutalidade Brasileira) e nossa população carcerária corre em alta velocidade na rota do milhão. O crime organizado agradece esse apoio logístico do Estado. Se prendemos como nunca, como pode a espiral de criminalidade girar ainda mais rápido? Enquanto Gilmar Mendes vê nisso um “trágico paradoxo”, a criminologia demonstra haver retroalimentação. Uma coisa ajuda a outra.

Aos que depositavam em Sergio Moro a esperança de moderação e apuro legal ou de expertise e honestidade intelectual, o ministro trouxe más notícias. Seu pacote anticrime recusa os remédios e reforça a dose dos velhos venenos. Está certo em buscar “efeitos práticos, não agradar professores de Direito”. Mas, em vez de virar as costas depois da frase marota e deselegante, deveria explicar melhor qual a relação entre os meios propostos e os “efeitos práticos” que promete.

As propostas de alteração legislativa foram estruturadas em torno de 19 temas, que vêm sendo escrutinados por criminalistas e estudiosos. Os motes levam a marca sedutora do “endurecimento”: acelerar a investigação, facilitar a prisão, ampliar o regime fechado, dificultar a soltura, respaldar o policial que mata. Prevê também “soluções negociadas”, “agente infiltrado”, “informante do bem”. Tudo soa muito sério, mas o diabo, essa entidade tão temida pelo governo, mora nas entrelinhas.

Primeiro, falemos dos “efeitos práticos”. O pacote potencializa a letalidade da polícia (autorizada a matar quando sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” ou “risco iminente de conflito armado”), expande o encarceramento e vitamina o crime organizado, que sorri. Segundo, falemos das contraindicações jurídicas.

Alguns dispositivos do pacote não só violam normas constitucionais, como batem de frente em precedentes do STF. Vão na contramão, inclusive, da declaração de “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário, feita pelo STF. Daí a especial gravidade: não basta propor medidas extravagantes, tem de colocar a autoridade do STF à prova. Moro se aproveita da fragilidade do tribunal e o chama para a queda de braço. Um contra 11. Aposta calculada por quem sabe de qual lado estará a opinião pública.

O que o pacote legislativo não fez? Não apresentou dados, estudos, observação empírica ou sequer razões causais específicas com as quais se possa conversar. Ignorou projetos anteriores, não consultou conselhos nacionais nem profissionais da área. Não estimou custos financeiros nem impacto na política criminal.

Não tratou da governança policial nem da corrupção policial, que culmina nas milícias. Não contemplou a ressocialização do preso nem a guerra às drogas, o grande vetor do encarceramento brasileiro. Não deu peso suficiente à investigação e à inteligência. Um projeto a portas fechadas, que mescla amadorismo político e desdém à comunidade da segurança pública. A mania de autossuficiência de Moro é sintoma de complexo do herói. Muita convicção, pouca interrogação. Pode funcionar com a caneta judicial, não na política democrática.

No Direito Penal express, há os que podem matar e os que devem morrer. Sem complicações processuais, sem burocracia. Matar sem medo, morrer sem culpa, prender quem tem a sorte de não morrer. Moro não teve o mérito de inventar essa realidade, e agora não tem a ousadia de enfrentá-la. Quer só oficializá-la com o chapéu da lei. A desinteligência penal brasileira não é desinteligência, mas estratégia política. Muita gente ganha com isso, menos eu, você e o policial da esquina.

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