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Moro, Bolsonaro e Witzel oferecem a paz dos cemitérios

Kennedy: os bárbaros continuam a vencer
publicado 23/09/2019
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(Divulgação)

Do Blog de Kennedy Alencar:

O Congresso Nacional tem o dever de derrubar a proposta do ministro da Justiça, Sergio Moro, que amplia a legítima defesa e possibilita decisões judiciais mais permissivas para perdoar os chamados excludentes de ilicitudes _situações em que o policial não é punido por matar.

Essa proposta faz parte do pacote anticrime de Moro e sofreu críticas da maioria dos especialistas. Já há previsão legal suficiente sobre hipóteses de legítima defesa e excludentes de ilicitudes. Ampliá-las, como deseja Moro, será dar licença para a polícia matar e incentivar o assassinato de mais Ágathas país afora.

A menina Ágatha Vitória Salex Félix, de 8 anos, foi morta dentro de uma Kombi com um tiro nas costas, no Rio, na noite da última sexta-feira. A população diz que não havia confronto entre policiais e criminosos. Quem viu o episódio diz que a política atirou num motoqueiro e acertou Ágatha. É correto um comportamento policial assim? É certo atirar com tanta imprudência e irresponsabilidade?

Claro que é preciso apurar exatamente o que aconteceu, mas, mesmo que houvesse um conflito, a polícia tem de levar em conta que está atirando em áreas densamente povoadas e que pode matar inocentes com balas perdidas. Os dados são alarmantes sobre mortes causadas por policiais no Rio.

Se a tese do ministro Moro estivesse em vigor, seria mais fácil inocentar o policial que provavelmente matou Ágatha. O projeto do ministro estimula a brutalidade de uma polícia que já é bastante letal.

Moro propôs ao Congresso mudar os Códigos Penal e de Processo penal. Ele quer que um juiz possa “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso [policial] decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Ora, o policial que provavelmente matou Ágatha poderia dizer que puxou o gatilho levando em conta a proposta ampla, dúbia e subjetiva de Moro, que mostra despreparo para lidar com a segurança pública. O artigo 23 do Código Penal já prevê que o policial responderá por excesso doloso ou culposo. Esse artigo prevê excludentes de ilicitude em “estado de necessidade”, “legítima defesa” e “estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direitos”. Havia algum elemento desse no caso de Ághata?

É bom ressaltar que a Justiça tem sido leniente em relação à punição de abusos policiais. Moro quer tornar isso ainda mais comum?

Numa democracia, é possível lamentar e condenar o assassinato de uma menina de 8 anos por um erro da polícia que mais mata no Brasil, de acordo com as estatísticas. Numa democracia, também é possível lamentar a morte de policiais. Isso não é campeonato de quem morre mais. Toda morte merece ser lamentada e tratada com empatia pelas autoridades públicas e cidadãos. Uma sociedade civilizada age assim. Não aplaude supostos justiceiros.

São situações diferentes, a de um civil e a de um policial. O policial corre riscos na sua profissão. Uma política pública de segurança que é uma barbárie, como a de Witzel no Rio, aumenta o risco de policiais morrerem com operações infrutíferas em áreas densamente habitadas nas quais criminosos podem levar vantagem nos confrontos. Essa política é ruim para a própria polícia. Mais policiais podem morrer.

O governador Wilson Witzel (PSC) é responsável por uma política pública que estimula e até comemora a brutalidade policial. Witzel comete um crime contra toda a população do Estado do Rio de Janeiro, porque está dando permissão para a polícia matar atirando primeiro e perguntando depois. Essa política é um crime maior em relação às pessoas pobres e negras das comunidades mais carentes. A estatísticas demonstram existir um corte racial e social que em resulta em mais mortes de pobres e negros.

No Brasil como um todo, está errada a política de combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas. A linha deveria ser outra: mais treinamento, mais salários para policiais e mais inteligência na investigação e menos confrontos nas ruas. As melhores polícia do mundo e que apresentam resultados positivos na segurança pública não são brutais como a polícia brasileira.

Nesse contexto, o presidente Jair Bolsonaro, Moro e Witzel têm basicamente a mesma visão atrasada sobre segurança pública. Eles ofertam a todos os brasileiros, mas especialmente a pobres e negros, a paz dos cemitérios.

O governador Witzel deu inúmeras declarações públicas e notórias de incentivo à licença para a polícia matar. A Procuradoria Geral da República tem o dever de investigar essa conduta do governador que resulta em mais mortes de cidadãos, inocentes ou criminosos, e eventualmente denunciá-lo ao Supremo Tribunal Federal. A Assembleia Legislativa tem elementos suficientes de crime de responsabilidade para debater eventual impeachment.

As propostas de Moro sobre segurança pública são equivocadas e revelam despreparo para lidar com o tema. A Vaza Jato já deu exemplos de como Moro abusou do poder quando juiz. Ele não está preparado para exercer um cargo de tamanho poder como o de ministro da Justiça. Tem visão autoritária sobre a relação com o Congresso, a opinião pública e o jornalismo.

Moro só se manifestou sobre o caso de Ágatha após ser cobrado e usou o episódio para defender a sua tese de ampliar as hipóteses excludentes de ilicitude. Fez pura política. Deveria se preocupar com a solução do caso e com a forma como Witzel conduz a polícia fluminense.

Criticado pela maioria dos especialistas em segurança pública e da comunidade jurídica, o pacote anticrime de Moro aumentará a lotação dos presídios e fornecerá mais “soldados” para o crime organizado dentro e fora das cadeias. Elevar a população carcerária é apressar a explosão de uma bomba-relógio.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acertou ao criticar e pedir cuidado aos deputados ao analisar a ampliação de excludentes de ilicitude pedida por Moro ao Congresso. Ela é, sim, uma licença para matar, por mais que o ministro negue tal efeito. Essa proposta não pode ser aprovada pelo Congresso.

*

Outro caminho

O Brasil deveria fazer, como Portugal, uma discussão ampla e honesta sobre a legalização da maconha em particular e de outras drogas em geral. Não é panaceia. Poderia ajudar a reduzir a violência.

Moro, entretanto, implementa uma política pública que já mostrou que não dá resultado. Ele  comemora nas redes sociais a queima de pés de maconha no Paraguai e Pernambuco. Tem uma cabeça atrasada, meio século 20, a respeito de assunto tão complexo e debatido no planeta. O mundo caminha noutra direção.

Com suas ideias e discursos, Bolsonaro, Moro e Witzel são responsáveis por aumentar a violência no Brasil.

Recomendo que assistam “Bacurau”, filme que ajuda a entender como a banalização da violência e a licença para matar têm tudo a ver com a cultura de ódio e retrocesso social em curso no país.

As políticas de Bolsonaro e Moro sobre afrouxar as leis de posse e de arma e o comportamento justiceiro do governador Witzel vão piorar uma situação de segurança pública que já é bastante ruim.

O Congresso, o Ministério Público, a sociedade civil e a imprensa precisam reagir contra esse retrocesso. Cada uma dessas entidades deve cumprir o seu papel. É uma batalha entre a civilização e a barbárie. Infelizmente, neste momento da nossa História, os bárbaros estão vencendo.

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