Brasil

Você está aqui: Página Inicial / Brasil / Rosa Maria Araujo: Bolsonaro destrói o legado de Getúlio

Rosa Maria Araujo: Bolsonaro destrói o legado de Getúlio

Quem vai botar o retrato do Velho outra vez?
publicado 11/12/2018
Comments
Getulio.jpg

Retrato de Getúlio na comemoração do 1o. de Maio de 1942, Estádio de São Januário, Rio.

Da historiadora Rosa Maria Araujo, no Globo Overseas:

Trabalho vulnerável


Criado por Getúlio Vargas no âmbito da Revolução de 1930, o Ministério do Trabalho completou 88 anos. As diversas reformas administrativas que se realizaram desde então, quase sempre para enxugar a máquina do governo federal, nunca tinham ameaçado a pasta do Trabalho, sendo o presidente eleito Jair Bolsonaro o primeiro na história republicana a despedaçá-lo. Ele declarou que o país tem direitos demais, que os empresários pagam muitos tributos, que é preciso flexibilizar a legislação trabalhista para destravar a economia. Garantir direitos da Constituição, mas retirar tópicos da CLT.

Ao contrário desta visão, o momento brasileiro requer a valorização do trabalho. Segundo o IBGE, o Brasil tem hoje mais de 13 milhões de desempregados. Terceirizar atividade fim não cria novos empregos, apenas reduz os salários dos ainda existentes e prejudica o lado frágil, nas negociações por benefícios trabalhistas. O temor de encarecer o custo da mão de obra é legítimo mas, comparada à de outros países, nossa mão de obra é muito barata. Nem sempre se pode deixar o mercado agir livremente.

O Brasil é visto hoje como o país do desemprego, destaque mundial em acidentes de trabalho, com um sindicalismo ainda incipiente, e de formação precária da mão de obra. O Ministério do Trabalho tem funções primordiais. Ele faz normas, avalia programas federais, implementa políticas para o setor e estabelece prioridades na aplicação dos recursos públicos, dentre inúmeras outras funções.

As primeiras medidas de proteção ao trabalhador no Brasil datam do século XIX. A República inaugura leis sindicais em 1891 e 1919. O período que antecede à Revolução de 30 é marcado por greves. Poucas categorias profissionais tinham garantias fundamentais. O Governo Provisório de Getúlio Vargas cria instituições para reformar o sistema politico, econômico e social. Em seu discurso de posse, Vargas afirma que o novo ministério chega para superintender a questão social, defendendo o trabalhador urbano e rural. Não devemos esquecer que Washington Luiz, seu concorrente na campanha eleitoral, havia declarado que a questão operária era mais afeita à ordem pública do que à ordem social, o que caiu no domínio público como “a questão social é caso de polícia”.

Em 1930, Vargas escolhe para ministro do Trabalho um dos líderes da Revolução, seu correligionário gaúcho, o jornalista Lindolfo Collor, avô do futuro presidente Fernando Collor. Sua curta gestão no ministério deixou marcas na proteção do trabalhador, no combate ao desemprego, nas medidas de previdência social e na sindicalização.

Anos depois, Lindolfo Collor dizia que o ministério parecia “para uns, comunismo mal disfarçado e para outros, reacionarismo comandado pelo capitalismo internacional”. De fato, o Ministério do Trabalho, em todo o período Vargas, serviu de para-choque de conflitos entre trabalhador e patrão.

Em 1933 é criada a Carteira de Trabalho. Em 1º de maio de 1940, em pleno Estado Novo, é instituído o salário mínimo para garantir as necessidades básicas do trabalhador, como habitação, vestuário, transporte, higiene, alimentação e recreação. Em1943 é promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Menosprezar o papel do Ministério do Trabalho seria um retrocesso. As reformas recentes na legislação, feitas às pressas, já significaram uma grande perda para o trabalhador, como observaram várias associações de juízes do Trabalho. Nem tudo é economia. Onde fica o direito social?

O equilíbrio das relações entre trabalhadores e empregadores precisa ter no seio do Poder Executivo o espaço definido pelo Ministério do Trabalho. A valorização do trabalho é magistralmente retratada na música popular brasileira da Era Vargas, tanto nas marchinhas quanto nos sambas de carnaval.

Será preciso botar o retrato do “Velho”? Ou cantar que o bonde São Januário leva mais um operário?