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Bercovici: vender estatal só se o Legislativo deixar!

Desmonte privatista rasga a Constituição!
publicado 28/09/2018
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O Ministro Lewandowski tomou a corajosa decisão liminar de exigir que o Legislativo aprove, antes, a venda de empresas estatais e, mesmo assim, numa licitação pública e transparente.

O PiG lançou sobre ele o fogo do Inferno!

Nessa sexta-feira 28/IX ele realizou audiências no Supremo para tratar do assunto.

Um dos expositores foi o professor Gilberto Bercovici que os navegantes do Conversa Afiada já conhecem daqui e daqui.

Veja uma reprodução não-literal de trechos da esclarecedora exposição do mestre Bercovici:

Num Estado de Direto, a atuação estatal se pauta na legalidade em todas as suas dimensões, de acordo com a hierarquia normativa instituída pela Constituição.

A alienação de bens e ativos da administração pública exige licitação segundo o próprio texto constitucional.

A licitação é uma imposição da Constituição.

A legalidade, a isonomia e impessoalidade são princípios estruturantes de qualquer licitação pública.

A legislação é explicita ao vedar qualquer tipo de preferência ou distinção sem fundamento no ordenamento jurídico que vise frustrar o caráter competitivo do procedimento licitatório

O fundamento da licitação é o da competição sem privilégio entre concorrentes.

A licitação é a regra, e a dispensa é a exceção.

Alienação eventual de ações ou comercialização de produtos ou bens que a empresa produz não pode ser confundida com alienação de todo e qualquer ativo.

É o que determina o decreto # 9188 de novembro de 2017, que institui o regime especial de desinvestimento de ativos da sociedade de economia mista.

Editado com a justificativa de regulamentar, entre outros, o artigo 29, inciso XVIII da lei 13.303. Esse decreto vai além do que dispõe a lei e pretende possibilitar alienação sem qualquer licitação de todos os ativos pertencentes à empresas estatais.

Apesar de ser personalidade de direito privado, qualquer empresa estatal está submetida a regras especiais decorrentes da sua natureza de integrante da administração pública, e essas regras decorrem da sua criação autorizada por lei cujo texto excepciona a legislação societária comercial e civil aplicável a empresas privadas.

Na criação de uma empresa estatal, autorizada pela via legislativa, o Estado sempre age como poder público, como ente soberano, não como acionista.

Toda empresa estatal é criada deliberadamente como um instrumento de ação do Estado.

Não por acaso, sob a nossa Constituição, toda empresa estatal está submetida as regras gerais da administração pública.

Da mesma forma que a empresa estatal deve ter a sua criação autorizada por lei, no artigo 37, inciso XIX da Constituição, ela só pode ser extinta por lei ou na forma da lei.

Essa necessidade de haver uma autorização legislativa para extinguir empresas estatais, inclusive as sociedades de economia mista, sempre foi defendida pela doutrina administrativista brasileira, e hoje está consagrada na Constituição.

Não pode portanto existir um processo de desestatização ou desprivatização sem lei específica que determine qual empresa estatal será privatizada e sem licitação prévia, o que alias a própria Lei determina.

As empresas estatais estão subordinadas às finalidades do Estado.

O interesse público é o fundamento, o limite e o critério da iniciativa econômica pública.

Os objetivos das empresas estatais estão fixadas por lei.

Elas não podem se furtar a esse objetivo sob pena de cometer desvio de finalidade.

Para isso que foram criadas e são mantidas pelo o Poder Público.

A legitimidade da ação do Estado como empresário é a produção de bens e serviços que não podem ser obtidos de forma eficiente e justa no regime de exploração econômico privado.

A esfera da atuação das empresas estatais é a dos objetivos da política econômica, é da estruturação de finalidades maiores e estratégicas, cuja e instituição e funcionamento ultrapassa a racionalidade de um único ator individual.

A empresa estatal não tem finalidades micro econômicas: ela tem objetivos macro econômicos, como instrumento de atuação do Estado.

Esses dispositivos constitucionais são formas de vinculação e conformação jurídica constitucionalmente definidas que vão além do disposto no artigo 173, parágrafo primeiro 2, que iguala o regime jurídico das empresas estatais que prestam atividade econômica, ou mesmo das empresas privadas em seus aspectos civil, comercial, trabalhista e tributário.

Natureza jurídica de direito privado é um expediente técnico, não derroga o direito administrativo e não derroga o interesse público, sob pena de se inviabilizar a empresa estatal como instrumento estratégico de atuação do Estado.

As empresas estatais estão constitucional e legalmente vinculadas aos fins definidos nas suas leis definidoras, não havendo possibilidade jurídica de utilizarem seu patrimônio, seja por vontade da sua administração, ou do governante de plantão, para atender a outras finalidades, comprometendo, inclusive, a sua continuidade e atuação como ente da administração pública.

Pode-se ilustrar com o exemplo do jurista italiano Ugo Mattei:

Autorizar que um governo venda livremente os bens de todos para fazer frente a suas necessidades contingentes e conjunturais é tão irresponsável quanto consentir no plano familiar que um zelador venda os bens de maior valor da casa, para suprir as suas necessidades particulares.

O Governo é um administrador fiduciário, ele atua sob mandatos, ele não pode dispor dos bens públicos ao seu bel prazer. O Governo não é proprietário das empresas estatais - ele é apenas o seu gestor.

O Governo tem que ser um servidor do povo e não o contrário.

Nesse sentido, a decisão liminar do ministro Lewandowski determinando que qualquer alienação de ações que implique perda do controle público sobre as empresas estatais só pode ser efetuada mediante prévia autorização de lei e meio de licitação pública restaura a legalidade violada inúmeras vezes por um processo de desmonte e entrega de ativos públicos, que não tem qualquer fundamento constitucional.