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Fatorelli: PLS-204, a nova maracutaia do Serra e do Jucá!

O que fazer antes do calote nos rentistas!
publicado 09/08/2017
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PHA: Eu converso com Maria Lúcia Fatorelli, auditora da Receita Federal desde 1982, coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, participou do comitê pela auditoria da dívida grega, a convite do Syriza (o partido que está no poder), foi assessora técnica da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública, na Câmara dos Deputados, em Brasília, participou de processo semelhante no Equador, quando o Presidente Rafael Correa decidiu anular 70% da dívida que inibia o investimento público naquele país. Ela é especialista em administração tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Dona Maria Lúcia, eu assisti anteontem ou ontem a um discurso do Senador Requião sobre esses projetos obscuros, bizantinos - PLS 204/2016, PLP 181/2015 e PL 3337/2015. O que se esconde por trás desses projetos?

Maria Lúcia Fatorelli: Olha, esses projetos estão sendo apresentados de forma totalmente cifrada para não revelar o que está por trás deles. O que está por trás deles é o seguinte: qualquer ente federado - União, estados ou municípios - poderá criar uma empresa estatal, porém regida pelo direito privado, e essa empresa poderá emitir derivativos financeiros, pagando juros absurdos (no caso de Belo Horizonte, esses juros chegaram a 23% ao ano), e com garantia pública. E esses derivativos são vendidos para investidores privilegiados, porque não há anúncio da venda desses papeis. Esses papeis são vendidos sem propaganda e, ainda por cima, o município, o estado ou a União irá abrir mão do fluxo de arrecadação de um pacote de créditos que tem direito de receber. De tal maneira que esse fluxo, que entraria de qualquer forma (e estamos falando aqui de créditos líquidos e certos, de créditos parcelados com compromisso de pagamento, com garantias e tudo mais). Esse volume de crédito, em vez de entrar nos cofres públicos, passa por uma conta que está sendo criada, vinculada dessa empresa, de tal maneira que esses créditos dão essa volta. O contribuinte paga na rede bancária e, em vez de a rede bancária depositar na conta da União, do estado ou do município, vai dar uma volta e passar por uma conta vinculada a essa empresa, de tal maneira que os valores da multa e dos juros vão ficar para essa empresa e essa empresa vai passar somente os tributos corrigidos para os entes federados, ainda dando a impressão de que essa operação significa transferência de renda da empresa para o ente federado.

PHA: Mas eu lhe pergunto, Dona Maria Lúcia: o estado de São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre já criaram empresas desse tipo. Qual é o resultado efetivo, prático, líquido dessas empresas?

MLF: Em Belo Horizonte está acontecendo inclusive uma CPI da Câmara de Vereadores. Essa CPI, semana passada, chegou a ser suspensa, por atitude de um ex-prefeito que está completamente envolvido (foi na gestão dele que foram emitidos esses derivativos financeiros), mas já estamos providenciando recursos para que ela volte a funcionar. Quando essa CPI começou a descobrir tudo isso - que o município abre mão da arrecadação de multas e juros, que o município assumiu uma dívida de R$ 880 milhões por um crédito de R$ 200 milhões (isso aqui vale a pena repetir, Paulo: seria como você pegar um empréstimo de R$ 200 milhões, porém você registra uma dívida de R$ 880 milhões...)

PHA: Isso está cheirando a patifaria...

MLF: É, é um negócio inimaginável. É por isso que esses projetos estão sendo apresentados de forma tão cifrada, tão escondida. Porque se dissessem que "vamos autorizar que o município assuma uma dívida de 200 e fique devendo 880"...

PHA: E fica devendo esses 680 a quem?

MLF: À empresa, a essa empresa...

PHA: E quem controla essa empresa?

MLF: A empresa é só uma fachada para uma operação de crédito disfarçada, que é outra ilegalidade. Quando a empresa emite esses derivativos e vende para um banco privilegiado (lá em Belo Horizonte foi o BTG Pactual...

PHA: Êpa!

MLF:... que fez a operação, cuidou da emissão desses derivativos, dessas debêntures e ele mesmo comprou tudo. Claro, não tem investimento melhor no planeta: um investimento que vai render 23% de juros e ainda vai ter garantia estatal...

PHA: Garantia do estado, do município ou da União...

MLF: Do município de Belo Horizonte...

PHA: Sei...

MLF: Esses títulos que estou comentando foram emitidos pela PBH Ativos S/A, que é a empresa objeto dessa CPI da Câmara Municipal.

PHA: Então essa é uma forma de particulares ganharem dinheiro em cima de tributos que são da União, do estado ou do município?

MLF: É, e esses particulares são sempre grandes bancos. Só o setor financeiro lucra com essa operação. O estado fica com uma dívida, no caso de Belo Horizonte 400% maior que o valor que ele recebeu (ele recebeu R$ 200 milhões e assumiu uma obrigação de R$ 880 milhões), e ainda está abrindo mão da arrecadação de multas e juros em favor dessa empresa. Então, o pagamento desses 880 já inicia no dia em que ele recebe os R$ 200 milhões, porque os contribuintes já estão fazendo os pagamentos e os pagamentos estão caindo direto nessa conta vinculada e já tem esse ralo de multas e juros desviados para as empresas.

PHA: Vamos dar nomes aos bois, Dona Maria Lúcia: quem fez a empresa do estado de São Paulo, a CPSEC S/A?

MLF: A CPSEC foi criada em São Paulo em 2009, portanto, Governo Serra...

PHA: Serra... Em Belo Horizonte, quem criou a PBH Ativos S/A?

MLF: Foi durante a gestão do ex-prefeito Marcio Lacerda, esse que agora entrou na Justiça e um juiz substituto no último dia suspendeu, mas nós acreditamos que será revertido. Em Recife, nós temos notícia de que foi suspensa a atuação dessa empresa, igual em Porto Alegre. A atuação do Tribunal de Contas de Recife impediu o funcionamento da empresa temporariamente, em Porto Alegre também.

PHA: E quem teve a ideia em Recife e Porto Alegre, a senhora sabe?

MLF: Não, teria que olhar, estou com os dados de São Paulo e Belo Horizonte...

PHA: E quem é o pai desses projetos que estão correndo no Senado? Quem é o "jênio"?

MLF: O PLS 204 foi apresentado por José Serra...

PHA: José Serra!

MLF: Exatamente! Porque São Paulo foi um estado pioneiro na implantação desse esquema por meio da CPSEC, e nós tivemos notícia de que ela funciona no próprio prédio da Secretaria da Fazenda...

PHA: Que formidável...

MLF:... o ex-secretário Renato Vilela, inclusive, era sócio dessa empresa...

PHA: E está solto?

MLF: Tudo isso de uma forma sem transparência. Eu desafio que o povo de São Paulo saiba que as multas e juros pagos pelos contribuintes estejam sendo desviadas por essa empresa.

PHA: Se eu não me engano, se entendi do discurso do Senador Requião, o projeto é do Senador Serra, que corre o risco de ir preso por causa das múltiplas delações contra ele, e o relator é nada mais, nada menos que o Senador Romero Jucá. Ou seja, é um projeto duplamente santificado?

MLF: E o relatório do Senador Romero Jucá está totalmente mascarado. Essas empresas são empresas estatais, mas no relatório ele coloca que são instituições privadas. Mas elas são estatais, regidas pelo Direito privado. No relatório ele fala "instituições privadas"... e fala, também, que esse projeto não fere a Lei de Responsabilidade Fiscal...

PHA: Ué...

MLF:... porque não seriam operações de crédito, quando sim, são operações de crédito extremamente onerosas, ilegais, obscuras, porque não são colocadas como operações de crédito, são totalmente mascaradas e usam essa empresa como fachada para serem realizadas.

PHA: E quais são as possibilidades de essa operação vir a ser interrompida? Além desse discurso corajoso do sempre corajoso Requião, o que mais pode ser feito sobre isso? O que a senhora está fazendo?

MLF: Nós elaboramos um folheto explicativo...

PHA: Eu tive acesso a ele. Muito bem feito.

MLF: Ele acabou ficando extenso, porque quando começamos a abordar assessores de senadores explicando esse fluxo que está sendo cedido, explicando como as garantias dadas pelo Estaod estão sendo mascarados, os próprios assessores ficavam assim: "não, isso não deve ser assim, vocês devem estar interpretando de alguma forma... isso não é possível". Então, nós elaboramos um documento fazendo recorte de documentos oficiais a que nós tivemos acesso por conta da CPI da PBH Ativos em Belo Horizonte. Então nós tivemos acesso, por exemplo, a documento oficial da escritura de registro das debêntures junto à Junta Comercial, e essa escritura vai detalhar essa conta vinculada, as garantias que estão sendo dadas, o compromisso inclusive de indenização...

PHA: Nossa!

MLF:... se esse volume de crédito cujo fluxo está sendo cedido furar - um contribuinte desaparece, uma empresa quebra etc -, o ente federado é obrigado a repor esse crédito ou recomprar essa parte da garantia. Então, tem um compromisso de garantia, um compromisso de indenização... é um negócio inacreditável! Porque é um abuso em relação ao Direito Público, à legislação financeira, à Lei de Responsabilidade Fiscal, a tudo isso. Então, esse documento acabou virando uma mini-cartilha de 16 páginas, porque cada coisa que a gente fala, coloca um recorte do documento para comprovar.

PHA: Mas, do ponto de vista da tramitação, esse assalto aos cofres públicos está em que fase no Senado?

MLF: Esse PLS 204, ano passado, caiu de para-quedas no Plenário. Não tinha passado por nenhuma comissão (não passou na Comissão de Constituição e Justiça, nem de Assuntos Econômicos)... caiu direto no Plenário...

PHA: Nossa!

MLF... e naquela época os senadores não estavam entendendo nada sobre o que era aquele projeto, porque ele era totalmente cifrado. Naquela época nós fizemos um panfleto resumido, porque esse esquema é totalmente semelhante à engenharia financeira que foi utilizada na Europa e que abalou aquele continente, o primeiro mundo.

PHA: E quebrou a Grécia, né?

MLF: A Grécia foi só a vitrine, Paulo, porque a Europa inteira está com a Economia abalada. Nós vimos há poucos dias o anúncio de milhões de pessoas na Itália e na França que viraram moradoras de ruas. Lá, criaram uma empresa, também estatal, 17 países europeus são sócios dessa empresa, só que essa empresa ficou escondida lá em Luxemburgo. Poucas pessoas sabem disso, nós relevamos esse esquema na época da auditoria da dívida da Grécia. Essa empresa é igualzinha: emite papeis financeiros com garantias dos países-sócios. Então, quando vimos isso aqui... é extremamente semelhante. O projeto estava no Plenário do Senado, ninguém estava entendendo nada. Nós elaboramos um panfleto denunciando a semelhança desse esquema financeiro escondido nesses projetos de lei com o esquema financeiro utilizado na Europa. Interessante nesse caso é que senadores até do PSDB... o próprio Tasso Jereissati na época ficou assutado...

PHA: Quem ficou assustado?

MLF: Ele ficou...

PHA: Quem?

MLF:... inclusive ele votou contra. Esse projeto chegou a ser derrotado em Plenário no dia 13 de dezembro, por 33 votos a 30.

PHA: Nossa!

MLF: Só que na hora em que ele foi derrotado, o Renan Calheiros, que era o presidente, falou: "Isso aqui é só o substitutivo, que vai voltar pra cá..." Então, foi isso o que aconteceu. Ele voltou para a Comissão de Assuntos Econômicos e, agora, está lá. Depois dessa volta ao Plenário, ele está lá de volta na CAE...

PHA: E o Serra está pronto a ressuscitá-lo a qualquer momento?

MLF: Ele já está ressuscitado, né... com o relatório do Romero Jucá, a qualquer momento eles podem colocá-lo para votar. Mas, pelo menos, a gente ganhou tempo. Estamos divulgando tudo isso que está por trás desse projeto... Eu até te agradeço, se você puder, com o seu programa dar visibilidade a isso.

PHA: Vamos dar!

MLF: Esse esquema é muito mais grave do que o que atuou na Europa. Na Europa, era uma empresa escondida em Luxemburgo e uma garantia compartilhada. O que está entrando aqui é uma empresa em cada ente federado... então, é um esquema pulverizado por todo o país, comprometendo as finanças de cada estado e cada município em que esse esquema entrar.

PHA: A senhora consegue identificar quem são as pessoas que estão trabalhando para seduzir talentos como o do Senador Serra e o do Senador Jucá? Dá para perceber?

MLF: O mercado financeiro e claro que tem alguns agentes...

PHA: Por exemplo?

MLF: Uma pessoa, por exemplo, que nos chamou a atenção... Porque, veja bem, Paulo... nós somos um movimento social, não temos acesso a muitas informações, mas temos acesso a informações disponíveis na internet. Então, ainda em 2015, quando começamos a investigar isso, porque eu tinha acabado de voltar da Grécia e percebi esse esquema atuando em Belo Horizonte, na PBH Ativos, nós detectamos uma empresa.

PHA: Qual é?

MLF: A empresa chamada ABBA.

PHA: A-B-B-A... Quem é o dono dessa ABBA?

MLF: Então, essa ABBA tinha uma empresa de consultoria e treinamento e ela anunciava como seu consultor responsável o senhor Edson Ronaldo Nascimento.


Edson Ronaldo do Nascimento (Crédito: Jornal Opção)

PHA: Quem é?

MLF: Depois, nós identificamos que essa mesma pessoa é consultor-assistente do FMI. Isso já é uma semelhança com a empresa criada lá em Luxemburgo, porque a empresa de Luxemburgo foi criada por uma imposição expressa do FMI.

PHA: Hmmm....

MLF: Foi uma exigência do FMI em 2010, quando o FMI entrou lá com a chamada Troika. O FMI era uma perna da Troika - FMI, junto com Banco Central Europeu e Comissão Europeia passaram a dirigir as decisões econômicas do bloco europeu. Então, a criação dessa empresa foi uma exigência expressa do FMI, que, inclusive, destinou US$ 250 bilhões para ela começar a operar.

PHA: Caramba!

MLF: E nós vimos que esse senhor, consultor-responsável da ABBA, é assessor-consultor do FMI. Mas não é só isso: ele foi presidente da PBH Ativos S/A, superintendente da Secretaria de Fazenda de Goiás (e montou esse esquema lá), secretário da Fazenda de Tocantins (e montou esse esquema no estado), secretário aqui no Distrito Federal (e montou isso aqui), teve cargo também na Secretaria do Tesouro Nacional, onde são feitas as normas...

PHA: Em que gestão ele esteve na Secretaria do Tesouro?

MLF: Na Secretaria do Tesouro... ele é servidor, inclusive concursado.

PHA: Do Ministério da Fazenda?

MLF: É. Então, veja bem: essa atuação, pulando de estado em estado e montando esse esquema, possibilita que esse esquema se alastre. Esse é um agente... o que está por trás disso é o poder financeiro do próprio FMI, dos grandes bancos internacionais, que são os bancos que lucram...

PHA: Ele é analista de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional. É esse?

MLF: Isso! Ele é concursado! Mas me parece que ele esteve afastado do cargo para poder exercer todos esses outros cargos.

PHA: Eu vejo ele aqui no Google perfeitamente... O Senador Requião tem conhecimento da existência desse cavalheiro Edson Ronaldo Nascimento?

MLF: Nós entregamos o folheto completo ao Senador Requião...

PHA: Talvez ele pudesse convidá-lo para uma audiência no Senado.

MLF: Pode, ele pode convidar. E seria muito interesante convidá-lo. Ele, inclusive, deu depoimento à CPI da PBH Ativos S/A. E nesse folheto (se você estiver com ele em mãos, na página 8), nós transcrevemos um trecho da fala dele - e ele confirmou esse trecho que a gente colocou aí -, ele confirmou que a PBH Ativos recebia os juros e multas dos tributos pagos pelos contribuintes, e que esses juros e multas eram tão altos que dava para pagar todos os juros daqueles derivativos que a empresa emitia. E ainda sobrava. Então, essa fala dele comprova que quem está arcando com o pagamento dos juros desses derivativos são os cofres públicos, porque o recurso das multas e juros pagos pelos contribuintes que deveriam chegar aos cofres públicos são desviados, destinados a bancar as despesas dessa empresa e as despesas financeiras com essas operações que ela faz. Então, seria importante chamá-lo, sim...

PHA: Dona Maria Lúcia, uma outra questão que eu gostaria de submeter à senhora (e vamos encerrar essa entrevista, que já está um pouco longa para a internet): a senhora trabalhou no Equador quando o Presidente Rafael Corrêa resolveu anular 70% da dívida, que estrangulava o investimento público. A senhora acha que hoje no Brasil, quando os juros significam 70% do PIB - e isso vai aumentar, segundo a avaliação do professor Delfim Netto -, nós, a certa altura, vamos ter que dar algum calote na dívida pública?

MLF: Eu não diria "calote", Paulo, porque essas dívidas já foram pagas diversas vezes. E tem muitos mecanismos que geram dívida pública e que não podem ser chamados de dívida pública. Eu vou dar o exemplo somente de um, porque, como você disse, a coisa já está ficando longa, mas eu fico à disposição para a gente discutir isso em uma outra oportunidade. Eu vou te dizer um dos mecanismos.

PHA: Qual?

MLF: Atualmente, sobram muitos recursos no caixa dos bancos. Os bancos não conseguem emprestar todo o recurso que eles tem disponível. Então, isso está atualmente em torno de R$ 1,1 trilhão. Isso é 17,5% do PIB! Estamos falando de quase 20% do PIB de recursos que sobram no caixa dos bancos. E o que acontece com essa sobra? O Banco Central pega junto com o Tesouro títulos da dívida interna, que paga os maiores juros do planeta...

PHA: Do planeta...

MLF:... entrega esses títulos para os bancos e recebe dos bancos toda essa sobra de caixa.

PHA: E os bancos se remuneram com a sobra?

MLF: Como os títulos estão em poder dos bancos, esse fato justifica uma remuneração diária. Então, só essa remuneração, essa benesse que remunera sobra de caixa dos bancos, mascarada de operação compromissada para controlar inflação, nós temos aí, primeiro: R$ 1,1 trilhão da nossa dívida. Segundo: isso gera uma despesa de cerca de R$ 200 bilhões, porque isso paga juros, Selic ou mais! Terceiro: isso gera uma escassez de recursos financeiros no mercado. Então, eu te pergunto: se esse R$ 1,1 trilhão, que o Banco Central faz essa gracinha e retém e remunera, se isso ficasse no caixa dos bancos, os bancos iam deixar isso esterilizado lá? Claro que não! Os bancos iam querer emprestar esse dinheiro. E para emprestar o que eles teriam que fazer? Teriam que baixar taxa de juros de mercado! E o que tem sido a maior causa da quebra da Indústria e do comércio no País? Justamente a falta de capital de giro, a falta de acesso a crédito, impedindo a Economia real de funcionar, abortando inúmeras alternativas de surgir (porque quem tem uma ideia brilhante e quer montar um negócio desiste...). Porque é impossível acessar crédito com esses juros de mercado abusivos que o setor financeiro no Brasil quer cobrar. E por que isso? Porque com essas operações o próprio Banco Central produz essa escassez de moeda e joga essa taxa de juros para as alturas. Então, não precisamos falar em calote. Basta fazer auditoria, identificar essas verdadeiras maracutaias que estão sendo realizadas sob o manto da dívida pública, que é sagrada, que ninguém nunca... Olha, o Tribunal de Contas nunca fez auditoria integral da dívida, Controladoria Geral da União nunca fez, Ministério Público nunca fez, Congresso Nacional nunca fez...

PHA: Dona Maria Lúcia, vamos interromper aqui a nossa primeira conversa. Breve faremos uma segunda sobre o que eu chamo de calote e a senhora chama de redirecionamento do caixa dos bancos.

MLF: É, nós chamamos de auditoria, e essa operação tem o nome oficial de operação compromissada. Mas, na prática, ela se refere à remuneração da sobra de caixa dos bancos.

PHA: Eu vou sugerir que a senhora veja no site Conversa Afiada, que eu tenho a honra de editar, dois posts que eu coloquei no ar ontem: um sobre o calote da dívida, usando argumentos do Delfim Netto, do Benjamin Steinbruch e do professor Nakano, da FGV-SP; e, na sequência, a reação a esse post do João Pedro Stédile, do MST. E voltamos a conversar breve sobre essas operações compromissadas. E agora vamos tratar dessa maracutaia que reúne esses dois grandes brasileiros, o Serra e o Jucá, que estão provisoriamente em liberdade.


Maria Lúcia Fatorelli durante apresentação da Auditoria Cidadã da Dívida (Crédito: Mercado Popular)