Lava Jato: contadora de Youssef é pivô de provas ilegais
Matéria da Carta mostra que Lava Jato pode ter passado por cima da lei em nome da justiça
publicado
16/04/2016
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O doleiro Alberto Youssef e sua contadora, Meire Poza
O Conversa Afiada reproduz matéria de Henrique Beirangê, extraído de CartaCapital:
Meire Poza é pivô de provas ilegais na Lava Jato, indicam documentos
A maior investigação da história pode ter passado por cima da lei em nome da justiça, mostram bastidores da operação
por Henrique Beirangê
CartaCapital teve acesso a um conjunto de trocas de mensagens, vídeos, fotos e documentos que revelam que integrantes da Operação Lava Jato podem ter feito uso de provas ilegais, vazado informações confidenciais, forjado buscas e apreensões e usado uma informante infiltrada irregularmente. São diálogos entre agentes e delegados da Polícia Federal e Meire Poza, contadora e ex-braço direito de Alberto Youssef, principal delator do escândalo de corrupção na Petrobras.
O que será narrado a seguir mostra que, à margem da lei, a força-tarefa pode ter colocado todo o trabalho de três anos de investigação em risco por conta do "justiça a qualquer preço". Eventualmente, a chamada doutrina jurídica dos frutos da árvore envenenada pode fazer com que todas as provas e missões concluídas sejam questionadas e até invalidadas pela Justiça. Outras operações, entre elas a Castelo de Areia, foram anuladas por supostamente conterem erros de procedimento.
A revista questionou a contadora a respeito dos documentos. Meire ameaçou processar o veículo, caso as conversas e dados fossem divulgados. A contadora publicou um livro faz dois meses expondo sua intimidade com os bastidores da operação, mas não revelou na ocasião todas as conversas e nem explicou à reportagem a omissão de tais fatos.
A revista decidiu tornar pública toda a documentação e revelar os fatos que serão expostos a seguir.
A história que se segue começa a ser contada em meados de 2012, quando a contadora esteve na sede da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Poza, ainda não se sabe o motivo, decide denunciar a existência de um esquema de fraudes em fundos de pensão privados operados em conluio pelo doleiro Alberto Youssef e agentes de vários estados. Um delegado da PF em São Paulo que a recebeu deu de ombros. Nenhum depoimento foi colhido e nada foi feito para apurar as denúncias.
Dois anos mais tarde, quando a investigação da Lava Jato ganhou as ruas, em março de 2014, Meire procurou a PF mais uma vez e desta vez foi ouvida. Ela foi recebida em São Paulo pelo delegado Márcio Anselmo, líder do grupo que investigava lavagem de dinheiro por meio de doleiros a partir de Curitiba. Até aquele momento, a força-tarefa não fazia a mínima ideia onde a Lava Jato iria chegar e sabia-se apenas que era mais uma investigação contra lavagem de dinheiro.
CartaCapital apurou que foi feito um acordo com a contadora: ela forneceria informações dos investigados e vazaria documentações em troco de não ser processada. E há indícios de que isso de fato ocorreu. Embora seu escritório tenha lavado 5,6 milhões de reais de Youssef, Poza nunca foi sequer indiciada. CartaCapital teve acesso a trocas de mensagens, fotos, vídeos e documentos entre Meire e integrantes da força-tarefa que datam de 5 de maio de 2014 a março de 2015.
Um dos diálogos que mais chamam atenção trata da farta documentação escriturária e contábil das empresas de fachada de Youssef. Meire tinha em seu poder caixas de documentos com contratos fictícios da RCI, MO Consultoria, GDF e Empreiteira Rigidez. Companhias que só existiam no papel, mas serviam para Youssef receber propina das maiores construtoras do País.
A força-tarefa não fazia a mínima ideia da existência desses documentos. Era um acervo que identificou que Youssef recebia dinheiro das maiores construtoras do País por serviços que nunca prestou. As caixas foram entregues pela contadora, em março de 2014. No entanto, como a documentação foi entregue de maneira aparentemente ilegal, a força-tarefa precisava “esquentar a documentação” na gíria policial.
Em 5 de maio, o delegado Márcio Anselmo fala com Poza pelo aplicativo de conversas WhatsApp. “Devemos acertar para a prox semana uma viagem a sp para formalizar a apreensão daqueles documentos”. Poza responde: “Te aguardo!!!”. O delegado continua: “Se puder já separe todo o material dos contratos da gfd”.
A busca acabou se dando em 1º de julho de 2014, durante a 5ª fase da Operação Lava Jato. Um indicativo de que a Polícia Federal marcou dia e hora para uma busca e apreensão desnecessária. Uma diligência que deu ensejo ao uso de documentos que municiaram grande parte de tudo o que veio a ser descoberto.
Em um dos diálogos, o delegado indica que buscaria o Ministério Público Federal e que levaria ao conhecimento dos procuradores a relação com a contadora: “Vou conversar c o mpf sobre a sua situação”.
Delegado avisa contadora que iria tratar da situação de Meire Poza com o MPF
Os agentes também já sabiam em maio de 2014 do envolvimento de parlamentares na investigação. Diferente do que foi dito pelos integrantes da força-tarefa, que só tomaram conhecimento da existência de personagens com prerrogativa de foro ao longo da investigação, um dos diálogos revela que Meire e Márcio Anselmo falam do então deputado federal Luís Argolo.
Em 14 de maio, Márcio pergunta para Meire: “vc sabe se o bebe jhonson tinha alguma relação com o precatório do maranhão?”. Bebê Jhonson era como os investigados se referiam ao ex-deputado Luiz Argolo. Ou seja, naquele momento a força-tarefa investigava um deputado federal sem autorização do Supremo Tribunal Federal.
Delegado da PF e Meire Poza conversam sobre a situação do deputado Luiz Argolo
Em 15 de maio, Meire dispara: “O Argolo ameaçou um monte de deputado”. Márcio responde: “Eu descobri pq o boato na semana passada”. O delegado continua: “Eu acho que o argolo, mesmo no sdd, distribuía $$$ para o PP”.
O agente Rodrigo Prado encaminhou esta foto, feita durante ação da Lava Jato, para a contadora
O delegado mostra que a operação visava mais políticos. Márcio pergunta: “Com que outros políticos ele tinha contato?”, a contadora responde: “tem um senador que eu preciso lembrar o nome, tinha o governador da Bahia”. Nos diálogos também há menções à então deputada Aline Correa (PR-CE) e ao senador Cícero Lucena (PSDB-PB).
As conversas não se limitam ao delegado. O agente Rodrigo Prado era quem Meire municiava com informações. A contadora faz gravações escondidas com os investigados da operação, encaminha documentos irregularmente e trocam fotos. Numa delas, o agente mostra uma foto de dentro da viatura com um dos investigados.
Ao que parece, outros integrantes da força-tarefa em Curitiba tinham conhecimento da utilização da contadora na operação, como indica um email encaminhado por Meire ao delegado Eduardo Mauat. Estão em cópia na mensagem o delegado Igor de Paula, a delega Érika Marena, o agente Prado e o delegado Márcio Anselmo, nomes relevantes da força-tarefa dentro da PF em Curitiba.
Tudo isso com o aparente conhecimento do superintende da PF no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco, conforme email de 13 de agosto. Em email encaminhado aos delegados e a Meire, que usava o endereço eletrônico [email protected], ele diz estar ciente de uma conversa entre Igor e Meire a respeito da segurança da contadora.
Troca de mensagem entre delegado, superintendente da PF e Meire Poza
No email, a contadora se diz abandonada pela operação e reclama: “Não vou ficar esperando que algo de ruim aconteça comigo ou com a minha filha. Espero que tenham a sensatez de saber que um erro não justifica o outro. Eu mostrei minha cara, mas foram vocês que colocaram minha vida em risco. Isso eu não vou perdoar nunca.”
Todos os detalhes dessas conversas e mais diálogos que expõem a Lava Jato você acompanha na edição especial de CartaCapital que começa a circular na próxima quarta-feira, 20. Todos os documentos, mensagens, áudios e fotos em poder da revista serão encaminhados ao Procurador Geral da República, ao Ministério da Justiça, à direção da Polícia Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil.
por Henrique Beirangê
CartaCapital teve acesso a um conjunto de trocas de mensagens, vídeos, fotos e documentos que revelam que integrantes da Operação Lava Jato podem ter feito uso de provas ilegais, vazado informações confidenciais, forjado buscas e apreensões e usado uma informante infiltrada irregularmente. São diálogos entre agentes e delegados da Polícia Federal e Meire Poza, contadora e ex-braço direito de Alberto Youssef, principal delator do escândalo de corrupção na Petrobras.
O que será narrado a seguir mostra que, à margem da lei, a força-tarefa pode ter colocado todo o trabalho de três anos de investigação em risco por conta do "justiça a qualquer preço". Eventualmente, a chamada doutrina jurídica dos frutos da árvore envenenada pode fazer com que todas as provas e missões concluídas sejam questionadas e até invalidadas pela Justiça. Outras operações, entre elas a Castelo de Areia, foram anuladas por supostamente conterem erros de procedimento.
A revista questionou a contadora a respeito dos documentos. Meire ameaçou processar o veículo, caso as conversas e dados fossem divulgados. A contadora publicou um livro faz dois meses expondo sua intimidade com os bastidores da operação, mas não revelou na ocasião todas as conversas e nem explicou à reportagem a omissão de tais fatos.
A revista decidiu tornar pública toda a documentação e revelar os fatos que serão expostos a seguir.
A história que se segue começa a ser contada em meados de 2012, quando a contadora esteve na sede da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Poza, ainda não se sabe o motivo, decide denunciar a existência de um esquema de fraudes em fundos de pensão privados operados em conluio pelo doleiro Alberto Youssef e agentes de vários estados. Um delegado da PF em São Paulo que a recebeu deu de ombros. Nenhum depoimento foi colhido e nada foi feito para apurar as denúncias.
Dois anos mais tarde, quando a investigação da Lava Jato ganhou as ruas, em março de 2014, Meire procurou a PF mais uma vez e desta vez foi ouvida. Ela foi recebida em São Paulo pelo delegado Márcio Anselmo, líder do grupo que investigava lavagem de dinheiro por meio de doleiros a partir de Curitiba. Até aquele momento, a força-tarefa não fazia a mínima ideia onde a Lava Jato iria chegar e sabia-se apenas que era mais uma investigação contra lavagem de dinheiro.
CartaCapital apurou que foi feito um acordo com a contadora: ela forneceria informações dos investigados e vazaria documentações em troco de não ser processada. E há indícios de que isso de fato ocorreu. Embora seu escritório tenha lavado 5,6 milhões de reais de Youssef, Poza nunca foi sequer indiciada. CartaCapital teve acesso a trocas de mensagens, fotos, vídeos e documentos entre Meire e integrantes da força-tarefa que datam de 5 de maio de 2014 a março de 2015.
Um dos diálogos que mais chamam atenção trata da farta documentação escriturária e contábil das empresas de fachada de Youssef. Meire tinha em seu poder caixas de documentos com contratos fictícios da RCI, MO Consultoria, GDF e Empreiteira Rigidez. Companhias que só existiam no papel, mas serviam para Youssef receber propina das maiores construtoras do País.
A força-tarefa não fazia a mínima ideia da existência desses documentos. Era um acervo que identificou que Youssef recebia dinheiro das maiores construtoras do País por serviços que nunca prestou. As caixas foram entregues pela contadora, em março de 2014. No entanto, como a documentação foi entregue de maneira aparentemente ilegal, a força-tarefa precisava “esquentar a documentação” na gíria policial.
Em 5 de maio, o delegado Márcio Anselmo fala com Poza pelo aplicativo de conversas WhatsApp. “Devemos acertar para a prox semana uma viagem a sp para formalizar a apreensão daqueles documentos”. Poza responde: “Te aguardo!!!”. O delegado continua: “Se puder já separe todo o material dos contratos da gfd”.
A busca acabou se dando em 1º de julho de 2014, durante a 5ª fase da Operação Lava Jato. Um indicativo de que a Polícia Federal marcou dia e hora para uma busca e apreensão desnecessária. Uma diligência que deu ensejo ao uso de documentos que municiaram grande parte de tudo o que veio a ser descoberto.
Em um dos diálogos, o delegado indica que buscaria o Ministério Público Federal e que levaria ao conhecimento dos procuradores a relação com a contadora: “Vou conversar c o mpf sobre a sua situação”.
Delegado avisa contadora que iria tratar da situação de Meire Poza com o MPF
Os agentes também já sabiam em maio de 2014 do envolvimento de parlamentares na investigação. Diferente do que foi dito pelos integrantes da força-tarefa, que só tomaram conhecimento da existência de personagens com prerrogativa de foro ao longo da investigação, um dos diálogos revela que Meire e Márcio Anselmo falam do então deputado federal Luís Argolo.
Em 14 de maio, Márcio pergunta para Meire: “vc sabe se o bebe jhonson tinha alguma relação com o precatório do maranhão?”. Bebê Jhonson era como os investigados se referiam ao ex-deputado Luiz Argolo. Ou seja, naquele momento a força-tarefa investigava um deputado federal sem autorização do Supremo Tribunal Federal.
Delegado da PF e Meire Poza conversam sobre a situação do deputado Luiz Argolo
Em 15 de maio, Meire dispara: “O Argolo ameaçou um monte de deputado”. Márcio responde: “Eu descobri pq o boato na semana passada”. O delegado continua: “Eu acho que o argolo, mesmo no sdd, distribuía $$$ para o PP”.
O agente Rodrigo Prado encaminhou esta foto, feita durante ação da Lava Jato, para a contadora
O delegado mostra que a operação visava mais políticos. Márcio pergunta: “Com que outros políticos ele tinha contato?”, a contadora responde: “tem um senador que eu preciso lembrar o nome, tinha o governador da Bahia”. Nos diálogos também há menções à então deputada Aline Correa (PR-CE) e ao senador Cícero Lucena (PSDB-PB).
As conversas não se limitam ao delegado. O agente Rodrigo Prado era quem Meire municiava com informações. A contadora faz gravações escondidas com os investigados da operação, encaminha documentos irregularmente e trocam fotos. Numa delas, o agente mostra uma foto de dentro da viatura com um dos investigados.
Ao que parece, outros integrantes da força-tarefa em Curitiba tinham conhecimento da utilização da contadora na operação, como indica um email encaminhado por Meire ao delegado Eduardo Mauat. Estão em cópia na mensagem o delegado Igor de Paula, a delega Érika Marena, o agente Prado e o delegado Márcio Anselmo, nomes relevantes da força-tarefa dentro da PF em Curitiba.
Tudo isso com o aparente conhecimento do superintende da PF no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco, conforme email de 13 de agosto. Em email encaminhado aos delegados e a Meire, que usava o endereço eletrônico [email protected], ele diz estar ciente de uma conversa entre Igor e Meire a respeito da segurança da contadora.
Troca de mensagem entre delegado, superintendente da PF e Meire Poza
No email, a contadora se diz abandonada pela operação e reclama: “Não vou ficar esperando que algo de ruim aconteça comigo ou com a minha filha. Espero que tenham a sensatez de saber que um erro não justifica o outro. Eu mostrei minha cara, mas foram vocês que colocaram minha vida em risco. Isso eu não vou perdoar nunca.”
Todos os detalhes dessas conversas e mais diálogos que expõem a Lava Jato você acompanha na edição especial de CartaCapital que começa a circular na próxima quarta-feira, 20. Todos os documentos, mensagens, áudios e fotos em poder da revista serão encaminhados ao Procurador Geral da República, ao Ministério da Justiça, à direção da Polícia Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil.