Celso de Mello: Bolsonaro transgride a Constituição
Na última quinta-feira (1º/VIII), o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu um importante voto a favor da manutenção da responsabilidade da demarcação de terras indígenas com a Funai.
A decisão do STF contraria duas tentativas do presidente Jair Messias de transferir a função para o ministério da Agricultura (dos ruralistas).
A primeira foi através de uma Medida Provisória no dia 2/I - o segundo dia de seu governo.
Em 9/VI, uma comissão do Congresso devolveu a responsabilidade à Funai.
Bolsonaro não desistiu: em 19/VI, reeditou novamente a MP que havia sido rejeitada pelos parlamentares.
Na quinta-feira, o ministro Celso de Mello afirmou em seu voto: "o comportamento do atual presidente revelado na atual edição de medida provisória rejeitada pelo Congresso (...) traduz uma clara, inaceitável, transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal".
O decano continuou: para ele, a insistência do Jair Messias é "uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de poderes. Parece ainda haver na intimidade do poder hoje um resíduo de indisfarçável autoritarismo".
Hoje, 3/VIII, o Estadão publicou uma entrevista com o ministro do STF, de título "Presidente minimiza perigosamente importância da Constituição".
Celso de Mello, aqui, reafirma sua posição:
(...) Estado: Por unanimidade, o Supremo impôs nova derrota ao Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai. Foi um recado ao presidente Jair Bolsonaro?
Celso de Mello: É fundamental o respeito por aquilo que se contém na Constituição da República. Esse respeito é a evidência, é a demonstração do grau de civilidade de um povo. No momento em que as autoridades maiores do País, como o presidente da República, descumprem a Constituição, não obstante haja nela uma clara e expressa vedação quanto à reedição de medida provisória rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, isso é realmente inaceitável. Porque ofende profundamente um postulado nuclear do nosso sistema constitucional, que é o princípio da separação de Poderes. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República.
(...) Estado: O senhor deu um voto contundente, apontando “perigosa transgressão” ao princípio da separação dos Poderes. O Supremo também contrariou o Planalto ao proibir o governo de extinguir conselhos criados por lei e foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
Celso de Mello: Aqui (na demarcação de terras indígenas) a clareza do texto constitucional não permite qualquer dúvida, é só ler o que diz o artigo 62, parágrafo 10 da Constituição da República (o texto diz que é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo). No momento em que o presidente da República, qualquer que ele seja, descumpre essa regra, transgride o princípio da separação de Poderes, ele minimiza perigosamente a importância que é fundamental da Constituição da República e degrada a autoridade do Parlamento brasileiro. A finalidade maior da Constituição é estabelecer um modelo de institucionalidade que deva ser observado e que deva ser respeitado por todos, pois, no momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito. (...)
Em tempo: na mesma entrevista ao Estado, o ministro afirma que está "ainda em processo de reflexão" a respeito de seu voto sobre a parcialidade do então juiz Sérgio Moro. A defesa do presidente Lula afirma que as revelações da "Vaza Jato" do Intercept demonstram um "completo rompimento da imparcialidade" por parte de Moro e do Dallanhinho.
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