Greco: Anistia foi aprovada sem votação nominal. Decisão do Supremo foi “execrável”
Paulo Henrique Amorim entrevistou por telefone Heloísa Amélia Greco, que, em 2003, defendeu a tese de doutorado “Dimensões Fundacionais da Luta pela Anistia”, na Universidade Federal de Minas Gerais.
Paulo Henrique tomou conhecimento do trabalho de Greco através do artigo de Maria Inês Nassif, no Valor, de 6 de maio, na pág. A6 – clique aqui para ler “a anistia foi um acordo em que a ditadura resolveu tudo”.
A seguir, um resumo não literal das declarações da professora Greco:
O movimento pela anistia foi o primeiro e único de caráter legal que combateu a ditadura em seu arcabouço ideológico: a doutrina de segurança nacional.
O movimento pedia uma anistia ampla, geral e irrestrita, o que significava obter a documentação circunstanciada das mortes e torturas; conceder às famílias o direito sagrado de enterrar seus mortos; desmontar o aparelho repressivo; e punir os torturadores.
Não há paralelo no mundo para o que Supremo brasileiro fez: foi escabroso !
Não houve pacto nenhum para aprovar a Lei da Anistia.
Não houve consenso.
O Geisel nos chamava de “minoria trêfega”.
E ditadura não negocia – só negocia dentro de si mesma.
A Lei da Anistia foi aprovada no Congresso por votação em bloco, por partido.
A LEI DA ANISTIA NÃO FOI VOTADA INDIVIDUALMENTE.
NÃO FOI UMA VOTAÇÃO NOMINAL ! (*)
A Maria Inês Nassif fez muito bem em citar a epígrafe de um dos capítulos da minha tese: “A Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar os crimes que eles mesmos cometeram”, do Barão de Itararé.
A base da decisão do Supremo foi promover o esquecimento.
Ou seja, o Supremo deu mais um passo na transição que não se concluiu e foi forjada nos intestinos do regime militar.
Os votos a favor da Anistia no Supremo confirmam que uma das características dessa transição é a destruição continuada do espaço público.
Para os Ministros do Supremo, não há sociedade, não espaço público, mas, só, o Estado.
Não adiantou os Ministros se dizerem em defesa da verdade.
Isso foi para arrumar o voto.
O Supremo agiu de forma mais grave que a ditadura.
A ditadura precisou de uma mediação para proteger os torturadores e criou a tese da “conexidade”.
O Supremo, não, foi a seco.
Sem mediação.
Um discurso cínico, que absorveu o léxico que os generais utilizavam.
Direito à verdade ?
Foi uma decisão abominável, escandalosa, escabrosa, execrável.
Que vai submeter o Brasil à execração pública internacional.
E isso começa agora no dia 21 de maio, na OEA, num julgamento em que o Brasil é réu por causa dos desaparecidos do Araguaia.
A tortura no Brasil é tão sólida quanto a Igreja, o latifúndio e a Rede Globo.
Clique aqui para ouvir a entrevista.
(*) O que se sabe é o nome dos 13 que, na Comissão Mista que analisou a proposta do Ministro da Justiça, Petrônio Portella, votaram invariavelmente com o Governo: Senadores - Aloysio Chaves, Dinarte Maris, Bernardino Viana, Helvídio Nunes, Henrique de la Roque, Moacyr Dalla, Murilo Badaró; Deputados: Ernani Satyro (relator), João Linhares, Ibrahim Abi-Ackel, Francisco Benjamin, Luiz Rocha e Leorne Belém.
E o Governo ganhou aí invariavelmente por 13 a 9.
Em tempo: recebemos da professora Greco, depois da entrevista, o seguinte e-mail:
(Tomo a liberdade de inserir a seguir pequeno trecho da minha tese – Dimensões Fundacionais da Luta pela Anistia, p. 233-234 . Este trecho – retirado do cap. 8. A grande batalha e a anistia de agosto - trata da melhor fonte para acompanhar a tramitação da anistia no Congresso Nacional.]
A indigência do poder legislativo é escancarada pela Comissão Mista do Congresso Nacional incumbida do estudo e parecer sobre o Projeto de Lei n. 14 de 1979-CN, enviado pelo executivo ao legislativo em 27 de junho, que “concede anistia e dá outras providências,” e na votação em plenário. Não se consegue, no entanto, conter a mencionada invasão do espaço institucional pelo movimento instituinte, que vai se mostrar irreversível.
O que se lê nas atas das oito reuniões da Comissão Mista, (realizadas entre os dias 2 e 16 de agosto de 1979) 1 e das três sessões conjuntas para discussão e aprovação da matéria em plenário (21 e 22 de agosto de 1979) 2 leva à seguinte inesperada conclusão: por mais paradoxal que possa parecer, durante a tramitação do projeto de anistia faz-se política no Congresso Nacional, apesar dele mesmo e de seu ambiente inóspito.
Estas atas, bem como toda a documentação recebida pela Comissão Mista e todo o material produzido durante os trabalhos, estão transcritas literal e integralmente em dois volumes (1 304 páginas) organizados por determinação do seu presidente, o senador Teotônio Vilela. A obra foi publicada em 1982 pelo Congresso Nacional sob o título Anistia. Trata-se de mais uma peça fundamental para a construção da contramemória, registro fidelíssimo do que aconteceu no parlamento no período de discussão e votação do projeto de anistia. Nas suas páginas é possível visualizar claramente o tensionamento instituinte / instituído que marca o processo. As palavras de Teotônio Vilela no Prefácio à Anistia - na sua retórica habitual de liberal sincero, e ,sobretudo, do alto da autoridade e legitimidade conferidas pela sua decisiva atuação na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita: - expressam bem este tensionamento e também a coexistência das duas polaridades contidas no termo anistia – memória / esquecimento:
“Este livro vale pelo que representa como testemunho do esforço democrático empreendido por todas as forças que convergiram entusiasticamente para a planície da anistia. Se é verdade que essa planície se resumiu a muito pouco do espaço requerido pelas correntes de pensamento amplo, geral e irrestrito, nem por isso a campanha da anistia perde de substância política e humanística. Com o selo da liberdade, foi o mais belo movimento que já se estruturou no país depois da instalação do arbítrio, principalmente pela espontânea congregação de entidades civis e parcelas descomprometidas da sociedade aberta no firme compromisso de erguer os direitos da pessoa humana acima de desentendimentos e guerras, e firmar um pacto de esquecimento capaz de gerar uma nova solidariedade pelo futuro. (...) Infelizmente a anistia não teve o alcance por nós desejado. Tem o mérito de ter desencadeado uma campanha em que ao menos a opinião pública ficou sabendo de muitas verdades encobertas pela grossa propaganda dirigida contra todos quantos se posicionaram pela condenação ao movimento de março de 64. Muitas versões tenebrosas foram desmascaradas e a memória de muitos restaurada.”3
Heloisa Greco
7/maio/2010