Os torturadores não podem dormir tranqüilos
O Conversa Afiada reproduz texto de Marcelo Zelic, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais:
Caro Paulo Henrique Amorim, estive em Brasília e gostaria de partilhar com os amigos navegantes do Conversa Afiada o poema e o texto, que trago depois de um silêncio. A todos aqueles que enviaram cartas aos ministros do STF, na esperança de Justiça, e àqueles que difundiram a campanha e o documentário, exponho uma certeza. A luta deu um salto de qualidade. Já que o Estado brasileiro mostrou sua cara a favor da impunidade, seguimos.
Quem afaga a tortura,
desrespeita o sofrimento vivido.
Gera lágrima e dor futura.
O juiz que se omite em punir a barbárie,
por mais que esbraveje o contrário.
A estimula!
A covardia se amplia envolvendo a justiça.
O tom do medo se impõe à cidadania.
Soltem os cachorros é permitido morder.
Durmam tranquilos os torturadores?
O objetivo exposto pelo professor Comparato, ao entrar com a ADPF-153 no Supremo Tribunal Federal, consistia em colocar um ponto final à dubiedade da extensão da Lei da Anistia, por causa da expressão “crimes conexos”. E esclarecer a situação jurídica dos agentes públicos que sequestraram, torturaram, estupraram, assassinaram e promoveram o desaparecimento de opositores da ditadura militar de 1964-1985.
A decisão que agora obtivemos sobre o pleito da OAB tem o papel de dar efetividade à luta pela Justiça em nosso país.
Uma vez afirmada a impunidade dos torturadores da ditadura militar, abre-se o caminho trilhado por pessoas que, no Chile, esgotados todos os meios jurídicos possíveis internamente, recorreram à Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que os tratados firmados fossem respeitados, a auto-anistia anulada e a barbárie julgada. Só depois de uma condenação na OEA, os juízos chilenos se multiplicaram, promovendo a Justiça.
A Justiça mesmo que tardia haverá de alcançar os algozes. Os Ministros Ayres Brito e Lewandowisky desmontaram o voto do relator Eros Grau.
E com os argumentos deles, provaremos que a auto-anistia não se sustenta na jurisprudência internacional.
O Estado brasileiro já irá responder na OEA pelos desaparecidos no Araguaia; Vladimir Herzog, já protocolado; o desaparecimento de Virgílio Gomes da Silva, que o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo havia encaminhado ao Ministério Público Federal, para abertura de processo civel e criminal.
Eles reaparecerão nos tribunais internacionais.
Ressalto duas frases do Ministro Ayres Brito, “Não se pode ter condescendência com torturadores”; e também “o perdão coletivo é falta de vergonha e de memória”.
A Justiça chegará ao Brasil.
Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória