Que político tem a melhor pinacoteca? De Sanctis quer saber
O Desembargador Fausto De Sanctis já está nos Estados Unidos, onde ministrará aulas sobre o combate a crimes financeiros e terá tempo para se aprofundar no fascinante tema “como a compra de obras de arte se tornou uma forma de lavar dinheiro”.
Exatamente sobre isso ele terá a oportunidade de compartilhar com autoridades do Judiciário americano a experiência brasileira, que De Sanctis pode aprofundar.
A propósito, o Conversa Afiada gostaria de lançar um desafio a políticos brasileiros, especialmente aos de São Paulo, onde De Sanctis atuou no combate à lavagem de dinheiro: mostrem a sua pinacoteca !
Amigo navegante, quem tem a melhor pinacoteca de São Paulo, entre os políticos ?
Como se sabe, De Sanctis prendeu Daniel Dantas duas vezes – clique aqui para ir ao vídeo do jornal nacional em que Dantas e assemelhados subornam um agente da Polícia Federal - e, por causa disso, sofre uma implacável perseguição do então presidente Supremo do Supremo, Gilmar Dantas (*), cuja enteada trabalha no gabinete do Varão de Plutarco de Goiás.
Antes de seguir viagem, De Sanctis publicou artigo no Valor para valorizar o trabalho de uma Comisão que tenta rever o Código Penal.
Por enquanto, a Comissão tem uma maioria de advogados.
O que pode prejudicar o equilíbrio e a racionalidade da reforma, na tarefa de coibir o crime da lavagem de dinheiro e o uso de obras de arte como forma de lavar dinheiro.
Codificação do direito penal
Por Fausto Martin De Sanctis
Discute-se a necessidade de reforma do direito penal, havendo dissenso quanto ao sentido e a direção a serem tomados. De um lado, nota-se uma tendência do legislador brasileiro em abraçar de forma extremada o garantismo, que nem mesmo seu expoente maior, Luigi Ferrajoli, foi capaz de conceber. Doutra parte, não se deseja a busca da verdade a qualquer preço, tolhendo conquistas históricas, muitas, às custas da opressão e da escravidão.
A maximização dos direitos humanos resulta na banalização destes e na crença de sua inutilidade, com risco à democracia e ao Estado de Direito. A minimização, porém, tudo deixa passar e o resultado é desastroso. Não se propugna, também, a adoção do direito penal do inimigo, com o adiantamento da punibilidade de fato do futuro, a adoção de penas elevadas e a relativização das garantias. Um direito penal desvinculado do ser apenas para atender expectativas de prevenção geral, tampouco a inviabilização do direito com a impossibilidade prática de sua efetivação, acentuando a impressão geral de que ele desserve ao criminoso pobre e serve ao rico delinquente.
Está em vigor uma Comissão, presidida pelo ministro Gilson Dipp, com o fim de elaborar um anteprojeto de novo Código Penal, que contemple todas as difusas leis esparsas. O direito penal, em razão das exigências de certeza e segurança jurídicas, requer, mais do que os outros ramos do direito, uma ordenação clara e sistemática de suas normas e princípios. E mais: esgotar toda e qualquer hipótese de prática delitiva que viole bem jurídico tutelado. Aí sim, fará sentido todo o esforço empreendido, quer porque sintetiza, quer por harmonizar, num só corpo legislativo, a realidade social.
Espera-se, entretanto, com o redimensionamento jurídico que não se aniquile o sistema, já fraco, de proteção jurídica. O esforço sobre-humano não se esgota, porém, na delimitação de bens jurídicos, na eleição dos modelos de conduta considerados criminosos e na previsão proporcional de sanções penais. Estas se legitimam quando visam assegurar o êxito das regras sociais. Há necessidade de um procedimento que também respeite certos preceitos universais: o processo penal.
Ora, não se pune de qualquer maneira. O processo penal busca ultimar o direito penal, a estabilização jurídica, no sentido de que a lei é válida e a todos submete. Não pode o instrumento (CPP) configurar mecanismo de ocultação de fatos. Urge toda reconstrução histórica da conduta para que o Estado possa refletir a sociedade, orientar novos rumos e fazer que os cidadãos protagonizem papel condutor, e não material etnográfico.
Evoluamos de um direito penal anárquico para um direito coerente
Aqui, ganha realce o papel do Poder Judiciário porquanto a Justiça constitui, por natureza, o foro de aprofundamento daquilo que a ela está sendo submetido para, ao final, dar a devida palavra. Orientar.
Assim, se ferro (algemas e grades de prisões), condenação e sujeição processual, via de regra, são estigmatizantes e o criminoso tudo fará para minorar tais efeitos, o Judiciário, na sua missão reparadora, estabelecerá a consequência adequada do ato ilícito, respeitando-se liberdades consagradas e minimizando efeitos desnecessários, apesar da evidente necessidade da publicação de suas decisões para que a prevenção geral positiva tenha o lugar de excelência. Se os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção estatal, expressando também um postulado de proteção, até ao dever de segurança, impõe-se ao Estado a tutela do indivíduo contra ataques de terceiros.
Assim, vincular o magistrado ao "secundum allegata et probata a partibus", quando o conjunto probatório apresentar-se incerto e obscuro, não possui qualquer sentido. A direção a ser tomada há de atingir níveis satisfatórios de eficácia e isso exigirá rigor técnico porquanto a atecnia, o casuísmo e ou o distanciamento dos princípios informadores do direito penal dificultarão a sua aplicação.
"Nova" compreensão não pode significar o reforço da impunidade dos mais privilegiados com o pretexto de adequar figuras incriminadoras, subjugando os "normais" a um grupo político-econômico a serviço de seus próprios interesses. O código, antes uma "lei sagrada", passaria a ser desacreditado com a proliferação de técnica distinta daquela tradicionalmente consolidada. Verdadeira dessacralização.
Não se espera uma manipulação do novo Código porque representará, na prática, a não proteção. Assim, a pretexto de consagrar uma tecnolinguagem ou uma tecnoteoria fragmentar-se-á, ainda mais, a sociedade, com nichos e guetos elitistas, fazendo do violador econômico (se houver) uma vítima e a sociedade ré, tudo com desprestígio ao bem jurídico Justiça. Concretizemos os ideais da nação, afastando-nos da forma benéfica como amiúde se trata a alguns em detrimento de outros. Evoluamos de um direito penal anárquico para um direito penal decisivamente coerente e funcional.
Fausto Martin De Sanctis é desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª região e escritor
(*) Clique aqui para ver como um eminente colonista do Globo se referiu a Ele. E aqui para ver como outra eminente colonista da GloboNews e da CBN se refere a Ele.