Brasil

Você está aqui: Página Inicial / Brasil / 2012 / 04 / 11 / Esculachos, o primeiro ato do Levante da Juventude

Esculachos, o primeiro ato do Levante da Juventude

Carla Bueno e Edison Junior Rocha, militantes do Levante, escrevem para o Conversa Afiada.
publicado 11/04/2012
Comments

de Carla Bueno e Edison Junior Rocha, militantes do Levante

Exclusivo para o Conversa Afiada


Os esculachos que organizamos e têm se repetido por jovens de todo o Brasil nasceram, em condições diferentes, na Argentina. Lá a sociedade impôs a punição de torturadores, assassinos, estupradores e seqüestradores que participaram da repressão da ditadura.


Mas os povos podem aprender das experiências uns dos outros! Na Argentina e do Chile, o método do escrache ou funa expõe aos olhos do mundo a necessidade da construção da Memória, Verdade e Justiça.


Nos últimos quinze dias, as nossas ações ajudaram a pautar no Brasil a luta pela punição dos torturadores. Um novo ator e um novo instrumento de luta entraram em cena: nós, jovens, com os esculachos de responsáveis pelo assassinato, desaparecimento e torturas de milhares de brasileiros.


O nosso método é simples: denunciar à sociedade que entre nós, na sociedade, ainda circulam criminosos impunes, apresentar à sociedade um violador ou uma violação de Direitos Humanos.


Na realização dos escrachos, não queremos estabelecer uma relação com os torturadores, mas com a sociedade e com o Estado, para denunciar as violações de direitos humanos.


O escracho não é uma sanção ou um castigo. Não queremos nos antecipar a uma punição para esses criminosos. Não queremos substituir as autoridades policiais e do Ministério Público ou o Poder Judiciário.


Queremos ultrapassar as paredes dos gabinetes e, às vistas de todo o povo, não apenas exigir o cumprimento da lei, mas demonstrar onde está aquele que a lei diz que deve ser processado e punido.


Nós, jovens, que nascemos nas décadas de 80 e 90, não admitimos que as feridas da ditadura continuem abertas e que o nosso futuro seja comprometido por essa âncora pesada e manchada do sangue dos lutadores pela liberdade, que marca o nosso presente.


O Levante Popular da Juventude é um movimento novo. Nasceu em 2006, no Rio Grande do Sul, mas a partir deste ano passou a se organizar em 17 estados.


Temos como exemplo o companheiro Carlos Marighella, com seu exemplo de convicção ideológica, persistência na luta e coragem para agir.


Marighella acreditava que uma organização se constitui na ação. Por isso, nosso movimento se lançou à sociedade na luta e nas ruas, no enfrentamento com os inimigos.


Sim, a nossa referência de luta e organização é o MST. Por isso, nosso método do esculacho tem parentesco com as ocupações de terras, que exigem o cumprimento do dever legal de fazer a reforma agrária, a demonstração da existência das áreas que não cumprem sua função social e, por isso, podem ser desapropriados.


O Levante organiza jovens para lutar pelos direitos da juventude e por transformações sociais no nosso país. Somos jovens das periferias e morros, das escolas e universidades, dos sindicatos, das fábricas e do comércio, dos assentamentos e acampamentos.


Temos a tarefa de fazer um acerto de contas com o nosso passado, mas queremos fechar também as feridas aberta pelos privatas do neoliberalismo de FHC.


Temos a convicção de que, aqui no Brasil, seremos capazes de fazer triunfar a força dos justos que os nossos gritos as ruas anunciam.


Um esculacho é sempre o anúncio de outro. Porque, se o escrachado de hoje pode ser o torturador de ontem, o escrachado de amanhã – já se anuncia – poderá ser o policial, o promotor ou o juiz que hoje prevaricar e proteger os criminosos.


A polícia que reprimiu, torturou e matou aqueles que lutavam pela liberdade durante a ditadura é a mesma que persegue, humilha, agride e assassina juventude pobre negra das periferias das grandes cidades. É a mesma que despeja violentamente as famílias do Pinheirinho e os estudantes que fazem ocupações legítimas nas universidades.


A ferida está aberta e, só com a verdade, memória e justiça, será construído os trilhos de um país que, de fato, possa levar a cabo o período de sombras e deixar refletir a luz que iluminará o caminho da consolidação de um projeto democrático e popular para o Brasil.


Nossas lutas vão continuar. Mais esculachos virão. Mais lutas serão travadas em defesa de justiça, de direitos e de transformações estruturais. Esperamos que mais jovens se somem ao nosso movimento. Só com organização e luta serão realizadas as mudanças necessárias para o Brasil.

Navalha

Não deixe de ler também, por sugestão de amigo navegante:

PHA, veja esta belíssima resenha político-literária do Milton Ribeiro, editor do SUL21: merece repique.

Atenção para o dramático detalhe da foto com a lápide à espera, um dia, quem sabe, talvez, do corpo do guerrilheiro sumido nas matas do Araguaia.

É um belo texto do SUL 21, para ser lido, pensado, refletido nestes tempos em que nossas consciências sonolentas, como os militares da ditadura, vestem pijama.

abs

 




SUL 21  -  Cultura

‘Antes do Passado’: a dor e a injustiça do silêncio

Milton Ribeiro


À primeira vista, a lápide acima pode parecer a de alguém que comprou seu próprio jazigo para não incomodar os familiares com trâmites burocráticos e faz questão de avisar aos passantes sobre a propriedade do túmulo. Acontece muito em comunidades italianas no interior. É caso para orgulho e uma demonstração do altruísmo do futuro morto. Mas o início da frase – “Esta sepultura aguarda o corpo de” – causa no leitor uma sensação de estranheza ou de humor mórbido. O poema de Lila Ripoll complica ainda mais a compreensão, pois põe em dúvida a ocorrência de mortes – no plural e no passado. Porém, todas as nossas impressões se alteram e adquirem seriedade quando sabemos que Cilon Cunha Brum foi uma vítima da ditadura militar brasileira, que é um de nossos desaparecidos e que quem fez a laje tem realmente esperança de que esta, um dia, possa enfim receber seu morto. É o mínimo que um cidadão esperaria de qualquer sociedade.


A edição da Arquipélago


A foto é de um cemitério de São Sepé (RS) e é mais um detalhe documental do excelente livro Antes do Passado, de Liniane Haag Brum (Arquipélago, 271 páginas), uma raridade na literatura memorialística com foco na ditadura militar brasileira. Em primeiro lugar, por ser excepcionalmente bem escrito e também pelo tom correto adotado pela autora: os fatos e as situações falam tanto por si, todos os detalhes são tão perturbadores que qualquer intervenção de discursos ou de posições políticas viria a prejudicar aquilo que já fica claro pela via da humanidade. E Liniane não avalia nada, apenas relata de forma literária.


Cilon Cunha Brum é tio e padrinho da autora. A única vez que estiveram juntos foi no batizado de Liniane. Cilon, já clandestino em 9 de junho de 1971, foi chamado pelo padre. Saiu detrás de uma coluna, participou rapidamente da cerimônia e voltou a seu posto. Ele era um alto e magro militante do PC do B. Seu apelido era Comprido e todos diziam ser um sujeito solidário, simpático e brincalhão. Gostava também de crianças. No Araguaia é lembrado por seus poços artesianos, pela doutrinação e por sua relação com as crianças, é claro. Perto do final da Guerrilha, entregou-se. A questão do desaparecimento tornou-se um tabu familiar. Ninguém falava a respeito, apesar do pai da autora ter sempre procurado o irmão. Desde 2002, Liniane Brum, que é jornalista da TV Cultura de São Paulo, organizava e saía com uma equipe de reportagem a procura do que houvesse para descobrir. Porém, em 2009, a revista Veja publicou a terrível novidade: Cilon tinha sido morto a mando do então major Sebastião Curió no Araguaia e seu corpo ficara insepulto. Só então Cilon voltou a ser comentado em família. As circunstâncias da morte – Cilon era um prisioneiro fraco, vítima da malária que circulava livremente pela Fazenda Consolação tomada pelo Exército (para onde poderia fugir no estado em que se encontrava?) – revelam assassina necessidade de vingança e, fundamentalmente, desprezo. Segundo testemunhos, ele e dois companheiros foram executados e deixados no local, sob galhos de árvores. As mesmas testemunhas revelam que só foram enterrados depois que o dono da fazenda reclamou do cheiro.


(...)