Wanderley e o Caixa Dois. O Supremo é São Jorge ?
Saiu no caderno Eu & Fim de Semana, do Valor, excelente artigo de Wanderley Guilherme dos Santos, professor titular (aposentado) de teoria política do Instituto de Filosofia e Ciencias Sociais da UFRJ.
O título é “O caixa dois fora dos autos”
“Transcorridos sete anos desde a denúncia e escritas milhares de páginas, falta a ré institucional na Ação Penal 470”, ou seja no julgamento do mensalão.
A “ré institucional” é o Caixa Dois de campanhas eleitorais, aqui conhecida como “tão brasileira quanto goiabada com queijo”.
Diz o professor: “é magnifica a oportunidade para convocar certas normas à responsabilidade, neste e em episódios semelhantes”.
Para traduzir a elegância do professor: bem que o Supremo poderia criar mecanismos de coibir o Caixa Dois no mensalão tucano, também.
Vale a pena acompanhar o final do raciocínio de Wanderley:
(…)
A contribuição mais desastrosa das boas intenções (o Legislativo e o Superior Tribunal Eleitoral expulsaram as campanhas das ruas – PHA) refere-se à criação de multimilionário mercado por via legislativa, o mercado da marquetagem eleitoral, e à transformação do tempo de televisão em ativo eleitoral negociável. Com a prática expulsão das campanhas das ruas, a legislação elevou a televisão a canal virtualmente exclusivo de comunicação dos candidatos com grandes massas. Os consultores de campanha se encarregaram de introduzir nos horários partidários uma competição entre minisséries, com enredo e produção de custos astronômicos. Nunca o poder econômico foi tão crucial ou o valor de um segundo de propaganda em televisão equivalente ao anúncio de um novo sabão em pó. Daí a mudança no significado das coligações.
Originalmente, as coligações, em sistemas proporcionais, objetivam reduzir o desperdício de votos, aqueles que não elegem ninguém, proporcionando, ao mesmo tempo, maior chance de vitórias a partidos de menor porte e eleitorado. Sendo raríssimos os casos de candidatos que obtêm a votação exigida pelo quociente eleitoral daquela eleição, todos se elegem às custas dos votos totais obtidos pela legenda ou pela coligação à qual pertence a legenda. Isso permite a partidos médios ou pequenos concentrarem seus votos em poucos candidatos, esperando conseguir para eles boa colocação na ordem de todos os votados nos partidos da coligação e, assim, conquistar cadeiras. Essa tem sido a estratégia histórica, por exemplo, do PC do B, orientando seus eleitores a descarregarem votos em um ou dois candidatos, posicionando-os vitoriosamente na lista final dos eleitos pela coligação a que pertence. O mecanismo reduz o desperdício de votos, posto que somente o último resto das divisões dos votos totais das coligações pelo quociente eleitoral, aquele que fica abaixo do próprio quociente, deixa de ser eficaz. Claro, a maioria do eleitorado contribui para eleger candidatos nos quais não votou, mas é igualmente cristalino que os eleitores vitoriosos só o foram porque seus candidatos se aproveitaram de votos alheios. Ora se contribui, ora se é contribuído. Jogo equilibrado.
O mercado televisivo criado pela legislação desequilibrou a competição. Cada segundo de propaganda na televisão, se é tático para o pequeno partido, por aparecer em coligação que poderá proporcionar-lhe restos de votos, virou estratégico para o partido líder, com o objetivo de roubar tempo disponível à coligação adversária. Sendo muito custosa a propaganda em minisséries eleitorais, a participação em coligações não diminui, ao contrário, aumenta a pressão financeira sobre partidos modestos. E aí a legislação intervém outra vez aleatoriamente.
Normas sobre coligações são meio nebulosas, reconhecem os estudiosos. De certo, elas permitem que dois ou mais partidos, sem limite de número, se coliguem para disputar eleições majoritárias ou proporcionais. À parte isso, tudo o mais é complicado ou controverso. Partidos em coligações majoritárias podem não ser os mesmos nas proporcionais naquela mesma eleição e naquele mesmo distrito, por exemplo. Se não há limite para o número de partidos em uma coligação, é duvidoso se um partido pode prestar, mediante documentação cristalina, ajuda financeira a outro partido da mesma coligação. Em qualquer caso, é praticamente certo que os recursos necessários aos partidos pequenos participarem da competição com alguma chance, dados os valores agora em jogo, excedem de muito o que os partidos líderes poderiam eventualmente proporcionar segundo alguma norma por aí esquecida. Um mercado de competição eleitoral superaquecido por meio de legislação é objeto, por intermédio de outras normas, de restrições reais ao número de participantes efetivos na competição.
Partidos maiores prestam ajuda financeira aos partidos modestos, cujos líderes fazem a distribuição interna dos recursos. Foi o que disse, com todas as letras, o então deputado Roberto Jefferson
Interessados em política sabem o que acontece. Eleitores, políticos, jornalistas, advogados, juízes de qualquer instância, todos sabem: os partidos com maiores recursos assumem compromissos de ajuda financeira às campanhas dos partidos modestos. São acordos firmados entre líderes de partido, normalmente, e os líderes dos partidos socorridos se responsabilizam pela distribuição interna dos recursos. Foi isso o que disse, com todas as letras, o então deputado Roberto Jefferson, em sua denúncia original: retivera e não repassara R$ 4 milhões que recebera do Partido dos Trabalhadores para a campanha eleitoral do Partido Trabalhista Brasileiro. Só os participantes conhecem em pormenor como são negociados e levados adiante esses compromissos, mas alegar desconhecimento de que assim são as eleições no país, em todos os níveis e há vários anos, só interessa a quem deseja omitir a responsabilidade do Legislativo e do Superior Tribunal Eleitoral na criação dos incentivos que antecederam a criação do mais espantoso mercado de marquetagem eleitoral em países de economia média e transformaram cada segundo de televisão em ativo negociável.
Em todo processo longo, complexo e invisível, são muitas as oportunidades para infrações de toda ordem. Envolvendo, por necessidade operacional, enorme cadeia de personagens, a execução dos compromissos de caixa 2 devem vir propiciando roubos e outros crimes, em todas as eleições pós 1988, em todos os estados, em todos os níveis, envolvendo todos os partidos, à exceção, talvez, de alguns poucos principistas, o PSTU, por exemplo, que não participam de coligações e tampouco elegem representantes. O Supremo Tribunal Federal julgará soberanamente a Ação Penal 470, mas ficarei espantado se algum ministro manifestar surpresa diante dos autos. Todos conhecem o que está fora deles.
Logo Carlos Lacerda, o maior de todos os Golpistas, percebeu que os militares não lhe entregariam o Golpe que ajudou a dar em 1964 – clique aqui para ler “estamos em março de 1964”.
E passou a atacar o Governo e a política econômica do pai dos neolibelês brasileiros, Roberto Campos, também conhecido como Bob Fields.
A certa altura, Lacerda acusou o presidente Castelo Branco de ser o “São Jorge da rua Conde da Lage”.
A rua Conde da Lage, na Glória, no Rio – onde viveu e estudou este ansioso blogueiro, graças a Deus ! - abrigava, então, os mais animados lupanares da cidade.
Eram sobrados decrépitos que tinham, invariavelmente, no alto da escada, uma imagem de São Jorge iluminada, debaixo para cima, por uma suave luz vermelha.
Se o professor Wanderley permite a liberdade, devo deduzir o ansioso blogueiro que, ao julgar o mensalao da Ação 470 – e só ele … - o Supremo faz o papel do São Jorge da Conde da Lage.
Paulo Henrique Amorim