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O toque de recolher na Chuíça (*)

"O que é verdade ou não, não sabemos. O que sabemos é que vidas estão indo. E só a lua é testemunha do insuportável silêncio que está no que antes era um festivo bairro nordestino"
publicado 09/11/2012
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Saiu no site Vice:

Exame do Toque de Recolher: Grajaú




Você, ó leitor, provavelmente está inteirado que a situação anda bem tensa nas periferias de São Paulo. O número de assassinatos é acachapante, os boatos são inúmeros — toques de recolher, novo ataque do PCC, o tal “Motoqueiro Fantasma”, uma guerra interna de facções de policiais pelo controle do tráfico de drogas, acertos de contas etc. As respostas do poder público estadual, até agora, são pífias (pique “não tá acontecendo nada de extraordinário”). Se você não leu nada a respeito ainda, sugerimos começar por estes quatro links.

Resolvemos pedir pra moradores das áreas além do Centro Expandido da cidade que nos dessem as suas versões dos acontecimentos. Hoje publicamos o segundo texto desta série, esperamos que seja de seu interesse. A matéria é do Pedro Gomes.



O bairro é o Grajaú, aliás, bairro não, região. A mais populosa região da gigante cidade de São Paulo. Conglomerado de casas amontoadas e avenidas apertadas que têm por tradição votar nos opositores do atual partido governador. O que por si só faz com que o “bairro” não mereça viver o que está vivendo.

Seis anos atrás, a cidade de São Paulo foi impedida de funcionar. Parada. Deserta em plena luz de um dia útil de trabalho. Hoje, a quebrada está assim. Vazia, inabitada, morta. Cadê a animação típica das periferias? Cadê o insuportável barulho de som alto (funk e forró) que brotava das vielas? Cadê o grito das crianças se xingando mutuamente ao jogar bola na rua? Tudo foi silenciado por uma ordem.



O ano é 2012, “reelegemos” o governador que não soube gerir a cidade no quesito segurança pública (pra me ater somente a um item de seu péssimo mandato). Logo, a cena se repete.

Quarta-feira, 31 de outubro, corre o boato de que estamos em “toque de recolher”. Quando isso acontece, primeiro você obedece (claro, não existem super-heróis). Depois, você procura saber, no outro dia e debaixo de sol, se o "boato" era verdade ou não. Sim, era verdade. Alex estava no bar, rodeado de amigos, quando, por volta de 21h, uma moto se aproximou com duas pessoas, ambas de capacete, um deles o tirou do estabelecimento e disparou vários tiros contra ele.



A campainha toca, a notícia chega. Amanhã é um novo dia. A quebrada não fala de outro assunto. O “toque de recolher” é real. Informal, claro, mas real. Diz-se à boca pequena que partiu dos policiais, alegando mais segurança pros moradores.

Bares fechados. Crentes andando apressadamente após suas reuniões religiosas. Escolas adiando aulas ou terminando mais cedo.

Estamos em guerra. Novamente.

O que dizem — não sou jornalista e não posso afirmar nada, pois não tenho provas, mas posso reproduzir o que ouço nas ruas — é que a policia matou um membro do alto escalão do crime. O crime respondeu matando policiais. Pronto, o quadro está desenhado. Explicando pra quem não conhece as regras: um criminoso morrer “é normal”, mas não desse jeito. Alegam que os policiais já tinham o rapaz sob domínio e, mesmo assim, o mataram. Isso figura como extermínio e não é perdoado. O revide foi dado, policiais morreram em serviço e, o pior, também morreram em suas casas nos seus dias de folga. Isso também não é aceito, merece revide. Ou seja, estamos em guerra.


Moradores, inocentes, crime organizado, policiais, grupos de extermínio, agentes penitenciários, governantes, políticos. Muitos são os lados dessa complicada figura geométrica.

Do boato até aqui, o saldo é: dois mortos na noite segunda (5/11) próximo à estação Grajaú da CPTM. Dizem não ter a ver com isso tudo, pois se tratava de um assalto a carro, não sei... Sei que, infelizmente, morreram. Na mesma madrugada, na avenida quase em frente à estação, um policial foi morto em seu carro de passeio, sem farda, ao ser alvejado por rapazes em uma moto.



Enfim, o que é verdade ou não, não sabemos. O que sabemos é que vidas estão indo. E só a lua é testemunha do insuportável silêncio que está no que antes era um festivo bairro nordestino.

Siga o Pedro no Twitter: @pedrogomes08


(*) Chuíça é o que o PiG de São Paulo quer que o resto do Brasil ache que São Paulo é: dinâmico  como a economia Chinesa e com um IDH da Suíça.