Gabrielli e Libra: mais para FHC que para Lula
Em entrevista concedida por telefone ao Conversa Afiada, nessa terça-feira (23), o ex-presidente da Petrobras e atual Secretário de Planejamento Estratégico do Estado da Bahia, Sérgio Gabrielli, analisou a decisão da Agência Nacional de Petróleo, ANP, de fixar em R$ 15 bilhões o bônus de assinatura para explorar o gigantesco campo de Libra, no pré-sal.
Para Gabrielli, a decisão é um dreno no caixa da Petrobras, desfalca os benefícios do Estado brasileiro com a exploração do campo, o maior da indústria do petróleo mundial.
Essa tem sido a constante preocupação de Fernando Brito, no Tijolaço.
Segundo Gabrielli, os efeitos de um bônus tão alto fazem com que a licitação de Libra fique mais próxima do modelo de Concessão criado pelo presidente Fernando Henrique do que do modelo de Partilha, do presidente Lula.
A seguir, a íntegra da entrevista em áudio e texto:
PHA: O senhor concorda com os termos desse pré-regime de licitação do campo de Libra, e a maneira pela qual a Petrobras vai ter que entrar com um valor tão alto no bônus de assinatura?
Gabrielli: Eu tenho dúvidas sobre o tamanho desse bônus de assinatura.
Porque, quando houve a transformação do regime regulatório do petróleo no Brasil, em 2010, essa mudança ocorreu, porque, com a descoberta do pré-sal, os riscos de exploração passaram a ser pequenos.
Portanto, os riscos eram no desenvolvimento da produção, e os riscos inerentes ao mercado de petróleo, depois da descoberta.
O regime anterior, o regime de Concessão (seguido pelo Governo Fernando Henrique), era um regime que - a meu ver – era adequado para áreas de alto risco exploratório.
Esse regime (de Concessão) é um regime que exige, na entrada, um bônus alto, porque o concessionário passa a ser o proprietário do petróleo a ser explorado.
E, portanto, ele vai definir a priori quanto vai dar ao Estado brasileiro.
Com o marco de Partilha de Produção (criado no Governo Lula), a lógica da competição é outra.
Como diminui o risco de exploração – ou seja, se vai ou não encontrar petróleo – o grande elemento (a definir) passa a ser como partilhar o lucro futuro.
Então, o grande elemento deve ser a participação no lucro-óleo, que deverá voltar ao Estado.
À medida que você coloca um bônus muito alto, a partilha do lucro no futuro é menor.
Ao fixar o bônus alto você tem uma visão de curto prazo, na exploração e no desenvolvimento de um recurso que já tem o grau de confirmação muito alto – não há dúvida de que tem petróleo lá – e os riscos são só os de desenvolvimento.
Mesmo assim (com a certeza de que lá tem petróleo), você submete todo o ganho potencial futuro do Estado a uma parcela menor - o que é ruim, no novo conceito (de Partilha) do marco regulatório.
PHA: O senhor já teve a oportunidade de calcular quanto a Petrobras perderá com a necessidade de entrar com esse bônus de entrada de R$ 15 bi, cash?
Gabrielli: Não é uma questão de perder, porque eu acho que quem entrar em Libra não vai perder.
O problema é repartir isso com o Estado ou não.
A Petrobras, em particular, tem uma situação especial no novo marco regulatório. A Petrobras é a operadora única de todos os campos.
Então, ela vai ser a operadora do campo de Libra, tendo ou não aumentada sua participação de 30%.
Como ela vai entrar com 30% do campo, ela vai ter que pagar 4,5 bilhões – 30% de 15 bilhões é 4,5 bilhões.
Isso é um dreno importante no caixa da Petrobras, nesse momento.
Porque Libra é um campo a mais de um portfólio já bastante robusto que a Petrobras tem hoje, talvez um dos melhores portfólios de desenvolvimento e produção do mundo.
Ela tem quase 15 bilhões de barris de reserva, adquiriu o direito de produzir mais 5 bilhões através da cessão onerosa, portanto, tem 20 bilhões de barris para desenvolver.
Com Libra, ela vai adquirir mais 10 ou 12, e vai chegar a 30 bilhões de barris, o que significa mais de 20 anos de reserva de produção, desconsiderando o crescimento da produção.
Então, não é que a Petrobras vá perder, mas, sim, que o caixa dela vai ser drenado.
Se você analisar a situação da Petrobras hoje - de dificuldade geração de caixa pelo preço de combustíveis, porque o preço dos combustíveis hoje está em defasagem com o preço internacional, e a Petrobras tem que importar combustíveis numa quantidade que não importava antes –isso tem um efeito sobre seu caixa que não tinha no passado.
Essa mudança – a alta da importação - decorre do crescimento extraordinário que tivemos no Brasil na área de combustíveis, gasolina e diesel – (o consumo) cresceu 41% nos últimos anos.
Isso faz com que a Petrobras tenha, com essa dificuldade de aumentar a geração de caixa com os combustíveis, uma drenagem imediata, exatamente na hora de participar com 30% no bônus em Libra.
Se ela quiser aumentar a sua participação (na exploração do campo), tem que aumentar ainda mais essa drenagem no caixa.
PHA: Libra, pelo potencial que tem, deve balizar o que vai acontecer no futuro ? Essa configuração, esse tipo de bônus de assinatura, esse tipo de licitação, não pode contaminar as futuras licitações e voltar a prejudicar a Petrobras e o Tesouro Nacional?
Gabrielli: A possibilidade existe, mas não é automática. Não necessariamente o modelo de Libra se aplicará a outros modelos.
Libra é realmente um caso excepcional. Libra é realmente um prospecto extraordinário.
A Petrobras, contratada pela ANP, fez a descoberta.
Fez as perfurações exploratórias iniciais, já tem uma cubagem mais ou menos conhecida com volume e potencial já conhecidos, e ele é hoje não só o maior campo do mundo, mas da História.
PHA: O senhor calcularia esse campo, em valores atuais, em quanto?
Gabrielli: Se você pensar em um preço de valor adicionado (preço de exploração) de 10 dólares o barril, vezes, por baixo, 10 bilhões de barris, são 100 bilhões de dólares.
PHA: Como o senhor explica essa necessidade que o Governo Federal tem de obter receita o mais rápido possível, em detrimento de ganhos futuros?
Eu me vejo na situação de fazer uma comparação com o processo de privatização do governo Fernando Henrique, que acelerou ou depreciou os valores de venda no processo de privatização para fazer caixa e segurar a moeda.
Nós estaríamos agora tentando fazer caixa para garantir o superavit fiscal?
Gabrielli: Eu acho que, mesmo que não seja explicitamente levado em consideração, esse é o efeito objetivo desse bônus de R$ 15 bilhões.
Isso vai injetar recursos direto no caixa do Tesouro e vai, portanto, gerar uma melhoria das contas públicas em termos de superavit primário.
No entanto, eu não sei como vai ser o desdobramento disso com a questão dos royalties, e dos recursos destinados à Educação e Saúde.
Dependendo disso, pode ser que esse recurso seja congelado (e fique) para Saúde e Educação.
Porque, teoricamente, na regra do Fundo Social, todos os fundos destinados do petróleo entrariam no Fundo Social, não entrariam no Tesouro do Governo. Então, esse bônus, se valer essa regra, entra para o Fundo Social, e não para o Tesouro Nacional.
PHA: Ou seja, seria uma antecipação de que o Tesouro Nacional não se beneficiaria?
Gabrielli: A questão é que eu não sei qual vai ser a evolução disso até o leilão. Isso ninguém sabe, porque o Congresso Nacional é que vai decidir.
PHA: Quando o senhor fez aquela capitalização da Petrobras em 2010, o senhor, o presidente Lula e a ministra Dilma Rousseff, o que eu entendi daquilo - e imagino que foi o entendimento geral - é que o governo tentava fazer caixa para enfrentar o pré-sal. Ele cedia produção futura ao Tesouro e fazia caixa para enfrentar o pré-sal. Essa lógica foi alterada?
Gabrielli: Eu acho que a capitalização (de 2010) vai em direção inversa ao que está sendo feito agora.
A capitalização fez o que ?
A Petrobras foi ao mercado, levantou recursos no mercado, e levantou os recursos por parte do Governo Federal – que, inclusive, aumentou sua participação no capital da Petrobras.
Agora, como o governo pagou a Petrobras ? Porque o governo comprou ações da Petrobras.
Pagou vendendo à Petrobras direitos de produção sobre 5 bilhões de barris pela cessão onerosa.
Então, por um lado, a Petrobras comprou do Governo Federal o direito de produzir 5 bilhões de barris e pagou o governo com ações.
De outro lado, o governo comprou ações da Petrobras e pagou com esses direitos.
Então, na relação da Petrobras com Governo, na cessão onerosa dos 5 bilhões de barris, em termos de caixa, a operação foi neutra.
Porém, ao fazer isso, a Petrobras aumentou seu volume e, ao aumentar o seu volume, ela levantou caixa no mercado.
Aumentou o seu caixa, aumentou o capital próprio em relação à sua dívida, melhorou a relação dívida/capital próprio, e, consequentemente, melhorou a condição de voltar ao mercado para buscar mais dinheiro.
E isso foi feito, inclusive nesse ano de 2013. A Petrobras fez uma capitalização extraordinária de US$ 11 bilhões, em dívida dessa vez, e não em ações.
Ao realizar esse processo, a Petrobras está buscando aumentar o seu caixa para fazer face ao gigantesco problema de investimento dela (no pré-sal).
Nessa operação de R$ 15 bilhões, o governo vai receber de imediato, mas a consequência disso é que, no lucro do futuro, o governo vai ficar com uma fatia menor.
PHA: O senhor, que se sentou por tanto tempo naquela cadeira, como o senhor explica que, diante dessa questão, do alto valor do bônus de assinatura, a própria Petrobras não tenha saído na batalha da opinião pública para brigar contra o valor desse bônus?
Gabrielli: Porque não compete à Petrobras fazer isso.
A Petrobras é uma empresa, ela tem que resolver, encontrar soluções.
Ela tem várias alternativas: ela pode se capitalizar, ela pode fazer acordos com outras empresas de petróleo para que elas possam carregar a Petrobras no processo de caixa.
Tem mecanismos empresariais de enfrentamento do problema, que é a Petrobras que tem que fazer.
A Petrobras não tem que entrar na discussão da opinião pública, não é a função da Petrobras, ela não é um braço de atuação política.
Por outro lado, ela tem um acionista majoritário, que é o Governo Federal. Ela não vai entrar em conflito com a opinião do Governo Federal. Eu estou falando porque eu não estou mais na Petrobras.
PHA: De qualquer maneira, eu posso entender que o senhor considera que mudou a lógica daquilo que prevalecia no processo de catalização de 2010?
Gabrielli: Eu considero que o bônus de R$ 15 bilhões vai na contra-mão da ideia de que é preciso ter a maior parcela do lucro-óleo de volta para o Estado.
Porque ele (o bônus assinatura de R$ 15 bilhões) é uma aproximação, do ponto de vista do efeito econômico, do modelo de Concessão.
PHA: (Do ponto de vista) Ideológico, filosófico está mais próximo da Concessão do que da Partilha ?
Gabrielli: Sim, mais próximo da Concessão do que da Partilha.
Clique aqui para ouvir o áudio da entrevista.
Não deixe de ler a entrevista de Rogério Santanna, também ex-presidente, da Telebrás, sobre como Bernardo trim-trim (e plim-plim) vendeu a soberania nacional.
Em tempo: Foi assim que o Tijolaço apresentou a entrevista do Gabrielli ao Conversa Afiada:
Gabrielli diz que bônus alto por Libra é danoso ao interesse nacional
O ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, em entrevista publicada hoje por Paulo Henrique Amorim, em seu Conversa Afiada, expõe – com muito mais conhecimento de causa, até porque foi, durante nove anos, diretor e depois presidente da Petrobras – aquilo que este blog vem tentando explicar há quase dois meses : como e o porque a fixação de um alto valor para o bônus de assinatura do megacampo de Libra é lesivo ao país.
O bônus de assinatura, que desta vez será um fator fixo, pré-determinado, corresponderia, no arrendamento de uma loja, ao pagamento de “luvas”. A definição do vencedor do leilão será feita pela parcela do óleo extraído – ou o seu equivalente em dinheiro – que será entregue ao Estado brasileiro. Na mesma comparação, seria a percentagem da féria diária que o arrendatário da loja se comprometeria a pagar a seu proprietário, que é o Brasil.
Quando o pagamento das luvas sobe, a fatia da féria a ser transferida cai. Simples assim.
Gabrielli mostra que o prejuízo nisso não é, essencialmente, da Petrobras, que tem um portfólio de reservas a explorar já imenso e a garantia de que 30% de Libra serão seus, como operadora.
Quem perde é o Brasil, que troca um lucro imenso, distribuído ao longo de 30 anos de exploração, por alguns bilhões a mais de imediato que, perto daquilo de que abrirá mão, representam apenas uma migalha.
Leia o que diz Gabrielli e entenda porque é preciso encontrar fórmulas que preservem o interesse nacional na outorga de Libra.
Não basta que o petróleo seja nosso, é preciso que a maior parcela possível deste óleo fique com a União e possa gerar recursos para a Educação e para a Saúde, como já está garantido pelo projeto enviado pelo Governo ao Congresso.