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Dirceu não cometeu "crime continuado"

Martinez morreu num dia só e, não, em dois. A menos que o julgamento seja de exceção.
publicado 21/08/2013
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O Conversa Afiada publica artigo de Luiz Moreira, autor, aqui, de análise demolidora sobre a necessidade de o Supremo aceitar os embargos infringentes.

A menos que o Tribunal seja composto de justiceiros e colonistas (*), não, de juízes:


A Ação Penal 470 e a Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal



Professor Luiz Moreira (Conselheiro Nacional do Ministério Público, Doutor em Direito pela UFMG).

A jurisprudência e a doutrina pátrias são uníssonas em alegar, quanto à realização de crimes continuados, tratar-se de criação jurídica, por meio da qual o agente, “mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”, conforme disposto no artigo 71 do Código Penal.

Desta forma, a noção de crime continuado refere-se a uma política criminal em que se exige a necessidade de que o agente, ao realizar mais de uma conduta, pratique mais de um crime (que devem ser da mesma espécie) e exista um nexo de continuidade entre estes crimes, os quais serão materializados por meio de certa homogeneidade ou uniformidade de suas circunstâncias de natureza objetiva.

Assim, tendo ocorrido crime continuado inexistiria também violação ao princípio da legalidade, eis que, constituindo-se numa figura jurídica que acentua a prática de vários crimes, é possível, inclusive, a aplicação de lei mais grave.

De modo inclusivo, o enunciado da súmula 711, do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece que “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.”

A fim de tentar corrigir erro material constante da definição de qual lei era vigente na data de consumação dos crimes de corrupção, nas modalidades ativa e passiva, há tentativa de argumentativamente desconsiderar que cabe exclusivamente ao tempo a determinação da lei aplicável à espécie.

É que há muitos aspectos obscuros na condução da Ação Penal 470, vulgarmente chamada de “mensalão”.

Procurei demonstrar noutros artigos que a metodologia utilizada, vinculando antecedente ao consequente, transformou não apenas o julgamento em peça argumentativa (silogismo), mas afastou o STF da determinação constitucional que o define como instituição que garante os direitos fundamentais, ainda que dos réus da Ação Penal 470.  

Esquecendo-se das elementares regras de sucessão de leis no tempo, há o propósito de aplicar aos casos tipificados como de “corrupção ativa” e de “corrupção passiva” penas que não se aplicam ao caso, por serem mais rigorosas, no instante em que se consuma a continuidade delitiva.

A pedra de toque sobre a qual se tem debruçado o Supremo Tribunal Federal encontra-se muito distante dessa realidade simplista na qual se insere o crime continuado e a aplicação mais gravosa de pena àquele que, em determinada circunstância, praticou um tipo penal.

Primeiramente, o entendimento doutrinário construiu uma perspectiva estruturante do crime doloso, num viés analítico em que este passa pelas fases de cogitação, preparação, execução e consumação.

Por seu turno, deve-se observar que, para o direito penal brasileiro, é pacífico, no que se refere a sua classificação quanto ao resultado, o entendimento de que o tipo penal (crime) pode descrever uma conduta e um resultado naturalísticos e, no entanto, não exigir a produção deste para sua consumação.

Neste caso, sempre que ocorrer o resultado naturalístico para estes crimes formais haverá mero exaurimento do crime.

No universo dos crimes formais encontram-se, dentre outros, os crimes de corrupção – tanto na modalidade ativa, quanto na modalidade passiva – e, nesta senda, considerando que a fase em que se encontra consumado o crime apresenta-se pela simples prática daquilo que é chamado o núcleo do tipo penal – o verbo que estabelece o preceito primário referente ao bem que se pretende tutelar, ou seja, oferecer ou prometer vantagem indevida, para os crimes de corrupção ativa, e solicitar ou receber vantagem indevida, para os crimes de corrupção passiva.

Assim, o efetivo recebimento da vantagem indevida representa tão somente uma fase subsequente à prática do crime. Portanto, mero exaurimento, eis que ao praticar o verbo (núcleo do tipo), consuma-se o crime.

Também neste ponto sobram equívocos, que podem ser explicados se for admitida a tese segundo a qual argumentos são produzidos para justificar a intenção de condenar os réus a penas “exemplares”, ainda que para isso provas e técnica jurídica sejam contornadas.

Para tanto há o propósito de se transferir, erroneamente, a fase de consumação para uma possível fase de exaurimento, que é mero desdobramento daquela, sem nem atentar para a efetividade de sua ocorrência, “esquecendo-se” que os réus estão sendo condenados pelas práticas de tipos penais formais.

Mas qual seria a utilidade prática desta indução?

Em 12 de novembro de 2003, data posterior à consumação dos delitos referente aos tipos penais de corrupção – ativa e passiva – tidos como praticados pelos réus da citada ação penal, foi sancionada a Lei 10.763, aumentando as penas para os delitos ora mencionados.

Portanto, mesmo ante a inexistência de prática de crime continuado, para os tipos formais nos quais foram denunciados os réus da Ação Penal 470, há tendência de ser aplicado o enunciado da súmula 711 do STF.

Ora, é elementar que nos casos de (1) corrupção ativa e no de (2) corrupção passiva há exigência de tipicidade estrita, consubstanciada (1) no oferecer ou prometer vantagem indevida e (2) no solicitar ou receber vantagem indevida.

Como crimes dolosos, são fases tanto da corrupção ativa como da passiva a cogitação, a preparação, a execução e a consumação.

Portanto, a pergunta a ser respondida por qualquer Juiz, cuja resposta é válida também para os réus da Ação Penal 470, é quando houve a consumação do crime.

É que o crime se consuma quando do oferecimento da vantagem indevida (no caso de corrupção ativa) e quando da solicitação da vantagem indevida (no de corrupção passiva). O pagamento e o consequente recebimento do valor acertado é seu mero exaurimento. Não há que se confundir consumação com exaurimento, pois a consumação caracteriza a ocorrência do crime enquanto o exaurimento é mero desdobrar da consumação.

Por conseguinte, neste caso, é absolutamente inaplicável o teor da Súmula 711 do STF, por não haver na espécie crime continuado ou crime permanente, mas tipos penais regidos por normas e espécies absolutamente diversas. Assim, é necessária a prática de mais de um crime e a existência de nexo de continuidade entre tais crimes. Ora, se imputam os crimes de corrupção, nas modalidades ativa e passiva, regulados por técnica e tipicidade específicas, que não se confundem com os crimes continuado ou permanente. Não sendo da mesma espécie, não podem obter a mesma classificação.

Conforme as normas jurídicas ainda vigentes no Brasil, constitucionais e penais, aos réus da Ação Penal 470 aplicam-se o princípio da legalidade e a proibição de retroativa da lei penal mais gravosa, sempre na sucessão de leis penais no tempo, ainda que para crimes praticados em continuidade delitiva, pois mesmo havendo sobreposição de lei mais severa deverá ser aplicada a lei anterior, reconhecendo-se a sua ultra-atividade em favor do réu.

Convém recordar que 04 de outubro de 2003 é a data de falecimento do então Presidente do PTB, Deputado José Carlos Martinez.

Assim, forçoso concluir que, nesta data, já teria se ocorrido a consumação dos crimes de corrupção ativa e passiva. A lei que majora as penas de corrupção, ativa e passiva, a Lei 10.763, é de 12 de novembro de 2003. Portanto, sancionada depois da morte do então Presidente do PTB.

O que qualquer estagiário de direito do STF sabe é que o tempo rege o direito penal e que não a Súmula 711 não se aplica aos casos de corrupção, ativa ou passiva.

O que talvez eles não saibam é que não isso valeria se se tratar de um julgamento de exceção.



(*) Não tem nada a ver com cólon. São os colonistas do PiG que combateram na milícia para derrubar o presidente Lula e, depois, a presidenta Dilma. E assim se comportarão sempre que um presidente no Brasil, no mundo e na Galáxia tiver origem no trabalho e, não, no capital. O Mino Carta costuma dizer que o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega. É esse pessoal aí.