A revolução não será twitada
Como se sabe, o Conversa Afiada nunca viu a menor graça no que chamou de "a doença infantil do transportismo".
Que não deu em nada.
Ou melhor, deu em meia dúzia de declarações óbvias de políticos de todas as inclinações - as manifestações populares, dentro da Lei !, são o apanágio da Democracia !
Se algum efeito tiveram foi emparedar, por um tempo, lideranças trabalhistas, como o Haddad e a Dilma.
A "doença infantil do transportismo" foi inteiramente capturada pela Globo Overseas.
E os doentes infantis não tiveram a coragem de reconhecer que se transformaram em bucha de canhão da Big House.
Por isso, o Conversa Afiada considerou oportuno traduzir este artigo de Brian Lenzo.
Porque, mesmo da perspectiva de uma publicação socialista - a americana International Socialist Review, edição de julho-agosto de 2013 -, se vê que o MPL deu no que o Bessinha acha.
Esse Bessinha ...
Lenzo considera que manejar das mídias sociais é essencial.
E desmitifica as "revoluções twittadas" no Irã, na Tunísia e no Egito.
Mas, para mudar o jogo, a comoção, quer dizer, o twitter tem que ser mais embaixo.
Paulo Henrique Amorim
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A REVOLUÇÃO SERÁ “TWITADA”?
De Brian Lenzo – Ativista e técnico em informática e consultor de mídias sociais. Mora em Rochester, Nova York.
Em 1970, o grande poeta falecido do soul e jazz, Gill Scott-Heron disse ao mundo: “A Revolução não será televisionada.” A frase agora é um hino para aquelas pessoas cujas aspirações saíram do estreito limite do politicamente aceitável. Por muitos anos a frase “Revolução não será televisionada” com certeza descreve uma realidade onde apresentadores de jornais e televisão não somente ignoraram amplamente o sofrimento das comunidades oprimidas dos Estados Unidos e do mundo todo, como também o que eles deviam estar dizendo.
Muitas coisas são tão verdadeiras hoje quanto em 1970 quando Heron começou a representar aquele poema. Cada vez menos conglomerados, controlados por cada vez menos pessoas, dominam o panorama da mídia. O império News Corp de Rupert Murdoch inclui o Fox News, o New York Times, o Wall Street Journal, o Daily Telegraph (Austrália) e B Sky B (Reino Unido) e estes são apenas alguns deles. Esta concentração traz consigo uma uniformidade particular de mensagem.
No entanto, como a Internet e a mídia social entraram fortemente em cena, novos canais foram abertos, com novas possibilidades. Algumas chamaram a destituição de Mubarak do Egito em fevereiro 2011, de “A revolução do Facebook”. Outras lutas, como os protestos seguidos da acirrada eleição no Irã em 2008, tiveram memes* similares.
Milhões, talvez bilhões de pessoas tenham acesso a celulares, mensagens de texto e Internet. A indústria do marketing de celulares frequentemente afirma que existem mais celulares no mundo do que escovas de dente. E esta informação parece poder ser verdade. (1)
Rupert Murdoch talvez não tenha televisionado a revolução, mas será que ela será “twitada”? Será a Internet um meio a ser usado em favor dos menos favorecidos? O jogo virou?
Irã
Seguindo a revolução de 1979 do Irã, que derrubou o Shah, e especialmente após os resultados do “11 de Setembro”, as autoridades militares e políticos dos Estados Unidos tem procurado, por qualquer razão, desacreditar e derrubar os líderes da Republica Islâmica. Em junho de 2009, grandes protestos de rua se formaram contra irregularidades e acusações de fraude na reeleição de Mubarak Ahmadinejad.
Não é surpresa que a mídia dos Estados Unidos tenha devotado tanta atenção aos protestos e os noticiado com tanto entusiasmo. Com Twitter e Facebook mais populares do que nunca, não é surpresa que os protestos encontrassem neles também espaço para se expressar. No Twitter, em apenas uma semana após a disputada eleição, mais de 220.000 “tweets” de mais de 55.000 pessoas usaram o “hash tag” #Eleição Iraniana. Na mesma semana, quase 3 000 fotos foram marcadas no Flickr como “Eleição Iraniana” ou 1388, em referência ao ano correspondente no calendário Persa.
Usuários do Twitter no mundo todo mudaram sua localidade para Teerã em seus perfis, na intenção de confundir a polícia Iraniana sobre a localização dos protestantes que estavam realmente “twitando” de dentro do Irã. Mais dramaticamente, um vídeo do YouTube mostrando o assassinato de uma mulher de 26 anos de idade, Neda Agha-Soltan, militante pro – governamental, morta por um atirador Basij enquanto protestava na rua, se espalhou pelo mundo em questão de horas após ter ocorrido levando o nome de #Neda. (2)
Tunísia
Em 17 de dezembro de 2010, Bouazizi, um vendedor ambulante tunisiano, ateou fogo ao próprio corpo em protesto à perseguição dos fiscais municipais que haviam confiscado suas mercadorias. Na semana seguinte, familiares do vendedor postaram um vídeo de um protesto liderado pela mãe de Bouazizi em frente ao prédio da prefeitura. O vídeo do Youtube foi copiado do Facebook pela Al-Jazeera e levado ao ar pelo canal de notícias via satélite naquela noite.
Protestos se espalharam pelas cidades do norte da Tunísia nas semanas que se seguiram. Um número pequeno de ativistas começou a postar vídeos e mensagens no Facebook mostrando a evolução dos protestos, que se refletiu pelos “hash tags” do Twitter espalhando as notícias dos confrontos. No começo, o “hash tag” #bouazizi foi o mais popular. Então o “hash tag” #sidibouzid, a cidade natal do vendedor, se tornou número um. Finalmente #Tunísia se tornou o “hash tag” mais popular para se achar notícias do que se tornou a revolução Tunisiana e o começo da “Primavera Árabe”. (3)
Egito
Em 6 de junho de 2010, dois policiais arrastaram o jovem Khaled Saeed, de 22 anos, de dentro de um Internet café na costa da Alexandria. Ele supostamente tinha posse de um vídeo mostrando policias vendendo drogas ilegais. Eles bateram no jovem até a morte, em plena luz do dia. Depois que a foto de seu corpo espancado e ensanguentado vazou pela internet, foi criada uma página no Facebook chamada “Somos todos Khaled Saeed” por cinco ativistas, incluindo o agora famoso Wael Ghonim, que é chefe de marketing do Google no Oriente Médio e norte da África, e que na época morava em Dubai.
Esta página do Facebook ajudou a organizar um número de protestos chamados “silenciosos”, onde ativistas vestidos de preto ficaram de pé virados para o rio Nilo em silêncio. Os protestantes mantinham certa distância uns dos outros para não infringir as leis de segurança de Mubarak, que proíbe aglomeração de pessoas.
Provavelmente o mais famoso evento na história do Facebook foi quando estes mesmos ativistas criaram um evento intitulado “ O dia Da Revolução Contra Tortura, Fome, Pobreza, Corrupção e Desemprego” marcado para o dia 25 de janeiro na praça de Tahir no Cairo, onde mais de 80.000 pessoas responderam : confirmado.
Com propagação mundial através do Facebook, Twitter e a “blogosfera”, a ativista egípcia Asmaa Mahfouz, de 26 anos, postou um vídeo chamando os egípcios para comparecerem no dia 25 de janeiro. Tal ação propagou-se rapidamente, tendo grande repercussão até mesmo nas principais mídias dos Estados Unidos. Vídeos, notícias e atualizações choveram no Twitter ao longo da intensificação dos protestos. Os “hash tags” #Egito e #25janeiro estiveram entre os tópicos mais vistos por semanas.
Quando o Twitter apresentou seu relatório anual de estatísticas em 21 de dezembro de 2011, o “hash tag” #Egito havia sido a postagem mais popular, batendo #tigerblood e #justinbieber. #25jan ficou em oitavo lugar na lista. Cairo e Egito foram a cidade e o país a que as pessoas mais se referiram e a renúncia de Mubarak foi a notícia mais discutida, superando a morte de Osama Bin Laden. (4)
Qualquer pessoa que estivesse assistindo ao desdobramento da revolução através do canal em Inglês da Al-Jazeera na Internet podia ver o comando central de comunicações no centro da Praça de Tahrir, confuso e em meio a um emaranhado de cabos. Muitos ao redor do mundo criaram páginas no Facebook intituladas – “Amigos do Egito”, para organizar esforços solidários locais.
Por Trás do “Firewall”: Irã
Não há duvida que a revolução do Irã foi uma das mais virtualmente conectadas na história. No entanto, não desmerecendo tal fenômeno, é preciso tomar ciência da publicidade ridícula vista na mídia Americana. Devemos procurar melhores explicações sobre o por quê de esta luta ter obtido tanto sucesso, enquanto outras igualmente e virtualmente conectadas falharam.
Isto mostra que o Twitter tem muito menos a ver com a organização dos protestos do Irã do que os “hash tags” sugerem. O primeiro detalhe importante é que a versão Farsi (Persa) do Twitter, juntamente com a hebraica, árabe e urdu, foram lançadas nos primeiros meses de 2012, quase dois anos após o retrocesso dos protestos. A maior parte dos postadores do Twiter na época era de Iranianos morando em outros países falando a uma audiência falante da Língua Inglesa. Ao longo de muitos dos protestos, sites como Facebook, LIVEJOURNAL, e muitos blogs eram completamente inaccessíveis no Irã. Em certa ocasião, o governo efetivamente “derrubou” a internet por vários dias nas principais cidades.
À medida que os protestos retrocediam, o governo tomou a ofensiva usando rastros eletrônicos deixados pelos ativistas para localizar, prender e possivelmente torturá-los. Foram usadas fotos tiradas dos protestos que haviam sido postadas nas redes sociais para identificá-los. No caso do Irã, a mídia social foi na melhor das hipóteses, uma bênção meio confusa. Ela teve o papel de fazer publicidade dos protestos fora da Irã e angariar simpatia internacional. Por outro lado, pode ter ajudado o governo a encontrar os líderes de oposição e decapitar o movimento mais rápido do que poderia ter sido capaz de fazer.
Por Trás do Firewall: Tunísia
Assim como no Irã, a mídia social teve um papel importante no movimento revolucionário, mas o sucesso do movimento teve muito mais a ver com a ignorância política e econômica do serviço de segurança de Bem Ali do que o valor inerente da mídia social.
A Tunísia vem a ser um dos países mais “conectados” da África, com mais de 3.6 milhões de usuários da Internet, 36% da população (5). Surpreendentemente, a censura falhou em bloquear o Facebook. O regime de Bem Ali não o viu como uma ameaça no período que antecedeu sua destituição.
Apesar da acessibilidade, muitos na Tunísia não ousavam compartilhar nem tampouco “curtir” vídeos dos protestos até o momento em que ficou claro que Ben Ali estava na iminência de deixar o governo. Foi um grupo central pequeno mas sólido, de revolucionários e ativistas, normalmente os mesmos que organizavam os protestos não virtuais, que arriscaram sua segurança, mas mantiveram o resto da população tunisiana informada dos acontecimentos. (6)
Divulgando notícias sobre os protestos para o mundo, o Facebook atuou significativamente, quebrando a barreira de medo dentro da Tunísia e tornando confiantes os tunisianos que se juntavam aos protestos ao passo que as notícias da renúncia de Bem Ali se espalhavam. No entanto, é questionável o quanto a mídia social atuou na execução, planejamento e sucesso dos ataques e protestos que levaram à ruína o governo de Bem Ali.
Por Trás do Firewall: Egito
Quando o executivo do Google Wael Ghonim, foi liberado da prisão, em 6 de fevereiro de 2011, ele revelou para diversas mídias que, enquanto interrogado, recebeu a visita do ministro do interior do Egito , que disse: “ninguém sabe como você fez isso”. Cético sobre o poder do Facebook, seus interrogadores concluíram que só poderiam ter sido forças externas a ajudá-lo. A teoria dos “agitadores externos” tornou-se a narrativa oficial do regime de Mubarak nas semanas seguintes.
O jornal Wall Street publicou um artigo em 11 de fevereiro intitulado: “A reunião secreta que detonou uma revolta” que sugeriu a real fonte dos protestos iniciais. De acordo com o jornal:
[organizadores do protesto] se encontraram diariamente por duas semanas na sala apertada do apartamento apertado da mãe de Ziad al-Alimi. O Sr Alimi é um jovem líder do grupo organizador da campanha presidencial de Mr ElBaradei. Aqueles presentes incluíam representantes de grupos juvenis associados aos partidos políticos de oposição, grupos de apoio aos direitos trabalhistas e de apoio à Irmandade Muçulmana.
Eles escolheram 20 locais onde ocorreriam os protestos, normalmente ligados a mesquitas e bairros densamente povoados pela classe trabalhadora nos arredores de Cairo. Eles esperavam que um grande número agrupamentos disseminados, poderia romper a segurança, atrair a atenção de muitas pessoas e aumentar a probabilidade de protestantes invadirem a Praça de Tahrir. (7)
Estes organizadores não estavam ligados, pelo menos formalmente, com o grupo que detinha a página “Nos somos Khaled Said”, que incitaram os protestos de 25 de janeiro.
Eles lançaram o plano na manhã de 25 de janeiro. Todos os 20 locais de protesto produziram, com sucesso, grandes marchas pelas ruas, mas a polícia agiu rapidamente e impediu que eles chegassem à Praça Tahrir. Mas havia um vigésimo-primeiro, cuja localização era apenas conhecida por um pequeno grupo dentre os ativistas.
Os manifestantes do Bulaq al-Dakrour, o vigésimo-primeiro local, “foram os únicos a atingir seu objetivo e ocupar a praça central de Tahrir por várias horas até depois da meia noite, quando a polícia os atacou com gás lacrimogêneo e balas de borracha”. (8)
Filmagens do ataque da polícia foram postadas no YouTube e Facebook, o que, com certeza, inspirou muitos protestantes a voltar para a praça central na sexta-feira seguinte, quando a praça foi tomada até a saida de Mubarak do poder.
Assim como em qualquer outra revolta importante, não há tanta espontaneidade assim. Ativistas que vinham se organizando há anos, muitos encarando longas estadias em prisões e torturas, usaram de sua experiência e organização atuando crucialmente no desencadeamento dos protestos e na defesa de Tahrir. O mesmo se repetiu em cidade após cidade no Egito e este tipo de atividade ainda é visto hoje em dia.
Revolução do Facebook ou campanha publicitária de Wall Street?
Durante as manifestações, a mídia americana encheu o noticiário com comentários de executivos e especialistas de mídia sociais promovendo o espírito democrático revolucionário do novo ativismo eletrônico. No entanto, esta explosão de interesse não foi apenas para encher o noticiário. A mídia americana estava inebriada com o retrato heróico do Facebook e Twitter.
O ponto inicial é claramente a assombrosa consolidação da mídia ocidental nas mãos de cada vez menos pessoas como Rupert Murdoch e Silvio Berlusconi. Como parte da lógica da transformação livre e neoliberal do mercado, esses novos impérios da mídia cortam o quadro de funcionários ao máximo e evitam confronto com os poderosos em troca de acesso. Os níveis mais altos de gerenciamento pararam de falar sobre o “quarto estado” e começaram a referir-se a seu trabalho como o que fabricantes e tratar a notícia como seu produto.
A lógica desta estratégia significava que os intervalos comerciais entre as notícias também rastejavam pela edição das notícias. O auge deste fenômeno foi o “lançamento de vídeos de notícia”, onde anúncios corporativos disfarçavam-se de transmissões profissionais sem nenhum tipo de ressalva.
Hoje em dia, pelo menos no Ocidente, o desafio para o público não é apenas obter notícias não tendenciosas, mas obter notícias em si. Dada tal transformação, há um número grande de razões pelas quais manchetes como “a revolução do Facebook” são irresistíveis para diretores de noticiários na CNN, MSNBC e os canais Murdoch.
É muito mais barato e mais lucrativo, simplesmente fazer uma pesquisa na internet do escritório do estúdio do que enviar jornalistas para uma zona de guerra em potencial ou manter agências estrangeiras 24 horas. Meses se passaram até que os maiores canais de mídia questionassem por que os “tweets” sobre o Irã em 2009 estavam escritos em Inglês ao invés de Farsi. No ano passado canais como CNN e NBC decidiram enviar pessoas para a zona de guerra novamente, mas a tendência geral é ainda a que segue.
Se uma revolução acontece em um lugar onde o governo americano marcou como “trocar de regime” a mídia corporativa promoverá seguramente o capitalismo e a cultura americana.
Como o tecnólogo e crítico Evgeny Morozov diz:
“ao enfatizar o papel libertador das ferramentas e minimizar o papel do ser humano, os americanos sentem-se orgulhosos da sua contribuição nos eventos do Oriente Médio.” Afinal, como argumentam, tal rebelião tão espontânea não teria tido sucesso antes de o Facebook existir – então o “Vale do Silício” merece a maior fatia dos créditos. (9)
Utopistas Cibernéticos
Idéias exageradas sobre o potencial da internet não são novidade. O principal exemplo é o best-seller de Francis Cairncross de 1977, “A morte da distância”.
“Livre para explorar pontos de vista diferentes, na Internet ou nas centenas de canais de rádio e televisão que eventualmente estarão disponíveis, as pessoas talvez se tornem menos suscetíveis às propagandas de políticos que procuram instigar conflitos. Vinculados invisivelmente pelas linhas de comunicação global, a humanidade talvez encontre paz e prosperidade duradoura sustentada pela morte da distância (10)”.
Infelizmente, a década que se seguiu a esta publicação viu a maior escalada de violência pelo militarismo americano desde a guerra do Vietnam, toda ela facilitada pela mesma tecnologia que, na opinião de Carincross traria um tempo de paz. O uso de aviões controlados por controle remoto no Afeganistão, Paquistão e Iêmen, ao contrário, trouxe morte a distância.
Tais previsões acontecem com freqüência e alcançaram campos fervorosos, partindo não apenas de especialistas ou acadêmicos, mas também dos próprios ativistas durante os protestos da “primavera árabe” e do movimento “Occupy Wall Street”, um movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social, a ganância, a corrupção e a indevida influência das empresas - sobretudo do setor financeiro - no governo dos Estados Unidos.
Bem como o ambiente que a perspectiva utopista cibernética promove, seus partidários são usualmente sucintos e vagos em suas grandes proclamações. Confinadas a blogs, tweets e artigos ocasionais de revistas, críticas a estas idéias são desafiadoras, visto que ainda não existe uma teoria coerente. Contudo, o livro “Por que está acontecendo em toda parte: as novas revoluções globais”, do jornalista Paul Mason, se destaca em meio a tanto ruído e combina uma série de observações produzindo o que parece um argumento mais amplo.
Mason passou quase um ano visitando ativistas pela Europa, Estados Unidos e Oriente Médio, entrevistando-os ao longo do caminho. O resultado é uma crônica maravilhosa de um ano verdadeiramente revolucionário, que todos deveriam ler. É também um exemplo primordial da posição utópica cibernética.
O argumento começa com a afirmação de que a internet revelará a Verdade para milhões de pessoas, uma noção similar a de Carincross de um povo menos suscetíveis a publicidade. Masson escreve: “certamente, você pode tentar distorcer ou fazer publicidade, mas as consciências instantaneamente conectadas de milhões de pessoas entenderão o que se passa e agirão como leucócitos contra uma infecção para que finalmente a verdade, ou algo bem próximo a ela, persista muito mais que a desinformação”. (11)
Novamente, igual a Carincross, Mason também argumenta que a internet ou “a rede” trará um novo e revolucionário senso de comunidade para as massas isoladas:
A praticidade da rede de comunicação não está limitada às lutas por reformas sem convicção cujo objetivo é apenas chocar e causar desordem. Ela pode atingir elementos de comunidades instantâneas ou fóruns de debate, membros de instituições de solidariedade que podem compartilhar espaço e controle, como os que estavam no coração das revoluções sociais do começo da era industrial. Pode ser o que as cooperativas foram para os trabalhadores de Paris que formaram a Comuna de 1871, ou seja, um espaço para a criação de vínculos que os ajudasse e desse suporte durante uma revolução. (12)
O escopo de Mason vai além:
Se você é um anti-utópico e quer construir uma sociedade justa partindo da mais moderna e avançada forma de capitalismo, qual seria exatamente esta forma? Pode não ser a mesma forma de uma Microsoft ou Toyota, ou outra corporação altamente lucrativa, mas, ao invés disso, uma forma de capitalismo emergente, comunitária, ilustrada por softwares de fonte aberta e baseada em colaboração, empreendimentos de gestão livre, projetos sem fins lucrativos e informação de livre acesso? (13)
Mason finaliza questionando se o ponto central em questão ainda é a lutas das classes sociais como visionado por Marx. “Criou-se uma possibilidade de que a real “contradição” na sociedade não gire mais em torno da economia, mas sim do “conhecimento humano compartilhado” versus “direitos de propriedade intelectual””. (14)
Esta linha de argumentação leva inevitavelmente ao questionamento sobre o modo utilizado para organizar resistência no século passado. “Formas de protestos”, ele argumenta, podem agora mudar rapidamente. Há formas que não mudaram em um século, como a forma básica de um partido Leninista, uma guerrilha armada ou mesmo um motim num gueto. Mas ao passo que as redes sociais são usadas, o formato organizacional das revoltas sofre mudanças contínuas.
Para Mason, as revoltas e lutas de 2011 mostram que a internet e as redes sociais tem mudado a dinâmica do capitalismo. O foco não é mais nos conflitos de classe econômica como era visionado pela “velha esquerda”, mas as lutas dos indivíduos contra a tirania, invertendo formações imutáveis, como o partido de Lenin, incapazes de se manter no poder. (15)
O livro de Mason reúne três posições gerais que compõem a posição utópica cibernética:
1. A fé no poder da internet que revelará “a verdade” aos que estão em busca do conhecimento;
2. A crença no poder da Internet, ou mais acertadamente na “rede de comunicação”, em construir comunidades e desenvolver laços sociais que antes eram impedidos pelo capitalismo.
3. A conclusão de que a internet e a rede social modificaram as contradições centrais do capitalismo, possivelmente resultando em uma revolução pacífica ou uma completa transformação em favor dos oprimidos.
A procura da verdade
É certo que a “verdade” tem encontrado diversas novas maneiras de alcançar as massas. O site Wikipédia tem lentamente substituído as tradicionais e caras enciclopédias e estudos mostram que ele pode ser ainda mais preciso (16). O WikiLeaks (e o heroísmo de Bradley Manning) é certamente um exemplo positivo da internet falando a verdade ao poder. Sites como Change.org e petições online tem efeito real em favor de reformas ou até mesmo na libertação de prisioneiros políticos em lugares como o Zimbábue (17). O papel do YouTube e vídeos de celulares na exposição da brutalidade policial não pode ser minimizado. Algumas vezes, evidências como vídeos online são a única barreira entre um jovem Negro e anos de prisão. O movimento Occupy Wall Street foi parcialmente instigado por um vídeo viral de um policial usando gás de pimenta contra um protestante pacifico. A internet pode ser um recurso para ativistas de uma maneira não possível anos atrás.
O problema é que a verdade não está sozinha. Nós também estamos mais suscetíveis a armadilhas e informações enganosas. No fim de maio de 2011, “Gay girl in Damascus”, uma blogueira que afirmava ser uma jovem ativista lésbica chamada Amina Arraf, alegrou a internet com histórias sobre a repressão contra os ativistas da “Primavera Árabe” pelo governo Sírio. Após quase uma semana, foi revelado que Amina era na verdade Tom MacMaster, um homem de 40 anos da Estado da Georgia, EUA, que havia fingido ser Amina por quase dois anos”(18).
Quem consegue esquecer o vídeo Kony 2012 que varreu o Facebook em março de 2011 expondo um horrível militar que molesta crianças ? O vídeo convenientemente desviou a atenção de fatos importantes sobre os conflitos em Uganda em favor de uma narrativa que defendia a intervenção militar dos Estados Unidos, sendo visto por 46 milhões de pessoas até outubro de 2012. O “Astroturfing” (a prática de criar grupos que “se parecem” com grupos influenciados por todas as causas revolucionárias dos mais diversos tipos, mas verdadeiramente criados por indivíduos abastados) é imensamente mais fácil pela internet.
A rede de informação
É verdade também que a internet conecta as pessoas de maneira inimaginável 15 anos atrás, mas qualquer indivíduo que tenha usado o Facebook bem sabe, a internet pode ser também um esgoto repugnante de racismo, sexismo, homofobia, e sordidez em geral. O escândalo recente envolvendo uma profissional de TI que “twitou” a identidade de dois atendentes da PyCon contando piadas machistas e foi subsequentemente despedida, mostra que a internet tem também um lado obscuro (19).
De fato, a internet pode ser destruidora de comunidades tão facilmente como pode ser criadora das mesmas. No ponto alto da guerra civil do Iraque em 2007, os grupos Shia e Sunni regularmente postavam vídeos e imagens mostrando corpos violados e imagens sectárias com a intenção de criar retaliação. Um grupo que se intitula Força de Defesa Judia da Internet ou em Inglês, Jewish Internet Defense Force (JIDF) lança ataques cibernéticos regulares em sites pró-palestinos. O grupo tem procurado obter a retirada de vilarejos Palestinos que foram desocupados durante a limpeza étnica de 1948 do Google Earth e fazer campanha contra o reconhecimento da Palestina como país (20).
O rastro digital deixado por “twiteiros” e “blogueiros” torna fácil a localização e identificação de líderes ativistas. A formação de redes de amigos através do Facebook facilita a vinculação de um ativista a outro pelas autoridades. Os governos talvez tenham ficado de fora por um tempo, mas quando entraram no jogo, utilizaram o desequilíbrio pré-existente entre o Estado e aqueles resistentes a ele. A “Guerra Cibernética” não é mais ficção cientifica, está acontecendo em escalada global. Agora estão realmente no jogo, seja roubando segredos da China, injetando vírus em centrífugas nucleares Iranianas, ou praticando protecionismo beneficiando corporações americanas no que diz respeito a patentes.
No âmbito doméstico, o governo dos Estados Unidos tem estado ocupado construindo um sistema de vigilância que faria George Orwell envergonhar-se. A começar pelo Ato Patriota após o “11 de setembro”, os militares americanos, Departamento de Justiça e serviços de inteligência entusiasticamente descartaram qualquer noção de que os americanos tem direito à privacidade ou à inocência presumida. O informante da NSA (Agencia de Segurança Nacional), Edward Snowden recentemente confirmou o que foi relatado em 2005. O governo dos Estados Unidos, especificamente a NSA, está monitorando as comunicações de milhares de americanos (e cada uma das interações de origem estrangeira) minuto após minuto, dia após dia (21).
A revelação mais chocante é o fato de que grande parte do que eles fazem parece ser legal e tudo endossado pelo FISA (Foreign Intelligence Surveillance Act – Ato de Vigilância de Inteligência Estrangeira). O Congresso americano, Bush e agora Obama têm silenciosamente reescrito décadas (ou até séculos) de precedência legal e aprovado leis que tornam a total vigilância completamente legal. Deve ser dito também, que nada disso seria possível sem a estreita colaboração dos monopólios da telecomunicação e internet como: Verizon, AT&T, Google e Facebook. Estes parecem estar sendo lindamente compensados por esta colaboração, ou, no mínimo, recebendo tratamento preferencial em contratos futuros com o Governo (talvez até grandes projetos de infraestrutura em países invadidos? ). Os monopólios artificiais da telecomunicação apoiam-se em leis e regulamentações beneficiárias que garantem baixa competitividade e altos lucros. Os fabricantes de software confiam quase exclusivamente ao governo americano (e ao exército americano), a imposição de suas patentes em países estrangeiros.
Finalmente, ao contrário do que se pensa, os usuários do Google e do Facebook são na verdade o produto e não os consumidores. Seus VERDADEIROS clientes são os anunciantes se banqueteando com as informações dos usuários e morreriam para ter acesso ao tipo de informação de cliente que a NSA centraliza.
Estas corporações e seus funcionários de alto escalão têm todos os incentivos do mundo para entrar no jogo do Estado de Vigilância Máxima.
Caso em pauta: após um ano controlando a colaboração do Facebook com o programa de espionagem na Internet da NSA PRISM, o CSO (Chief Security Officer) do Facebook Max Kelly, deixou o Facebook para trabalhar diretamente para a NSA (22). Como o estudioso de mídias Robert McChesney acrescenta: “Ninguém, exceto uma minoria de advogados de liberdades civis, está fazendo o mínimo esforço para retardar a vigilância (23)”.
Capitalismo Reformado?
Se, no início, a internet era uma ameaça aos lucros das corporações de telecomunicações e mídia corporativa tradicionais, elas rapidamente se adaptaram e, com um exército de lobistas, escreveram leis conduzindo o jogo a seu favor, lançando uma era de desregulamentações que começou nos anos 80 e continua até hoje. Longe de promover competição e descentralização, é bastante chocante quão rápido Google, Facebook e Twitter criaram monopólios estabelecendo grande dominação sobre seus mercados. Por exemplo, de acordo com a fonte SearchEngineWatch.com, o Google domina 66,7% das pesquisas do mercado americano desde maio de 2013. Contando os dois próximos competidores, Microsoft Bing (17,4 %) e Yahoo (12%), temos então 96% de todas as solicitações de pesquisa feitas pelos americanos passando apenas por estas três empresas.
Robert McChesney desenha a questão do monopólio com traços ainda mais fortes: “Em 2012, quatro das dez maiores corporações americanas em considerando suas fatias de mercado, incluindo a primeira e a terceira colocada, foram as gigantes da Internet: Apple, Microsoft, Google e AT&T. Adicionando a IBM temos cinco entre as dez primeiras do ranque. Se visualizarmos as trinta mais, a lista então inclui Verizon, Amazon, Comcast e Disney assim como Intel, Cisco, Qualcomm e Oracle”. Robert conclui: “Resumindo, os monopolizadores da Internet estão no alto comando dos Estados Unidos e do capitalismo mundial”. (25)
Isto nos leva questão importante: se Facebook e Google são de graça, como estas corporações estão fazendo tanto dinheiro? Como qualquer Marxista lhe diria, tudo é uma questão de produção.
Conexão para qualquer um destes serviços requer um aparelho de algum tipo, aparelho este que deve ser produzido por alguém. A necessidade de minerar Coltan, um mineral composto de dois metais elementares (nióbio e tântalo), tungstênio e estanho, que são extremamente importantes para fabricar telefones celulares, ocasionou uma das mais sanguinárias corridas do ouro da história. A República Democrática do Congo possui “pelo menos 64% das reservas mundiais de Coltan” (26). Nenhum conglomerado de mineração é capaz de superar as reservas da Republica do Congo como fazem em outros grandes países produtores: Austrália, Brasil, e Canadá. Já enfraquecida devido ao colapso da economia e da instabilidade política, a República Democrática do Congo foi levada a agravamento da situação de pobreza e guerra civil nos anos 90 e 2000.
Toda milícia ou autoridade era capaz de financiar suas operações através da venda destes minerais facilmente extraídos, usando trabalho escravo e condições intoleravelmente inseguras de trabalho, envenenando uma geração de Congolenses. A mineração é tão lucrativa que, de acordo com os pesquisadores Celine Moyroud e John Katunga “ao longo do leste do país, antigas áreas de superávit (alimentar), não mais produzem o suficiente para alimentar sua população”. Isto ocorre porque, em combinação à propagação da violência, os “benefícios a curto-prazo da mineração encorajaram alguns fazendeiros a abandonar a agricultura” (28).
Como se a extração de matéria prima não fosse suficientemente indecente, celulares, tablets e computadores são produzidos em grandes “sweatshops” (lugares apertados que visam o lucro do empregador – “Fábricas de Suor”), que Charles Dickens não poderia ter imaginado. As fábricas da Foxconn na China onde iPhones são montados em velocidade relâmpago é a mais infame delas. As condições eram tão ruins em 2011 que “cerca de 150 trabalhadores chineses ameaçaram cometer suicídio pulando do telhado das fábricas em protesto contra suas condições de trabalho”. (29). A resposta da Foxconn não foi a tentativa de atender as demandas dos trabalhadores, mas instalar redes de proteção para deter os trabalhadores que tentassem pular.
Existem ainda as gigantescas estações de servidores que detém dados de corporações e do governo. O “cloud computing” ou computação em “nuvem” como já é chamado, coleta imagens de baixo impacto em termos de armazenamento e processamento. Mas, a realidade é bastante diferente. “No coração de todo empreendimento da Internet”, observou o New York Times, “estão os “data centers” ou bancos de dados que tem se tornado mais disseminados e onipresentes à medida que a quantidade de informação armazenada explode”, impactando comunidade após comunidade. A base de dados da Microsoft em Quincy, Washington, por exemplo, requer energia elétrica “suficiente para abastecer cerca de 29.000 lares americanos”. Enquanto moradores locais e outros comércios locais usaram 9.5 milhões de watts no ano passado, as instalações da Microsoft usaram 41.9 milhões de watts. Além de fazer uso da rede de energia gerada a partir das represas no Rio Columbia, as instalações de mais de 300.000 metros quadrados ainda tem vários geradores a diesel, que operaram combinadamente por um total de 3.615 horas em 2010. (30)
Como se a extração de matéria prima e a produção já não fossem suficientemente indecentes, o cruel “círculo de vida” dos aparelhos eletrônicos termina de volta onde começou. O encorajamento dos consumidores para que “atualizem” seus aparelhos em ciclos de não mais de um ano, tem produzido milhares de toneladas de material eletrônico descartado (chamado “e-waste”). Este lixo eletrônico pode liberar produtos químicos como chumbo, cádmio, mercúrio, plástico PVC, dióxidos altamente tóxicos e furanos (tiofenos: onde o oxigênio é substituído pelo enxofre) quando incinerados, ou ao serem depositados em aterros ou áreas de descarte podem interferir no solo na cadeia alimentar. Este lixo eletrônico da Europa e dos Estados Unidos está sendo despejado na África, Índia e China. O Greenpeace relatou em fevereiro de 2009: “nos Estados Unidos, é estimado que de 50 a 80% do lixo coletado para reciclagem tem sido exportado (para o extremo Oriente, Índia, África e China). Esta prática (ilegal na Europa) é legalizada, pois os Estados Unidos não ratificaram a convenção de Basel”. (31)
Dados estes fatos, é absurdo alegar que os pilares do capitalismo tenham mudado fundamentalmente. Esta não é a primeira vez que uma grande inovação na comunicação acontece. Vale a pena perguntar: esta mudança do analógico para o digital é mais monumental do que a mudança da tinta e papel para o rádio e telefone? A invenção da Internet representa mudança maior do que a descoberta da eletricidade? O capitalismo não apenas sobreviveu a esta evolução, como também a colocou em seu beneficio, de maneira terrível, a serviço da guerra, opressão e geração de lucro. De alguma maneira, este tipo de inovação dramática é a marca registrada do capitalismo, e não uma aberração.
O abalo do velho
Muitos artigos e idéias sobre o caráter “revolucionário” da mídia social tem um ar um tanto ufanista. Eles as promovem de forma superficial ao invés de analítica. Afinal, é financeiramente vantajoso para o Vale do Silício falar sobre a importância que possuem. Isto não sugere que Mason e outros ativistas sigam a linha corporativa. No entanto, seus argumentos parecem, sim, promover os mesmos valores de Madison Avenue: “novo e hi-tech” é o mesmo que “bom e útil”. O historiador de tecnologia britânico, David Edgerton analisa da seguinte forma:
Dizem-nos que a mudança está acontecendo a passos acelerados e que o novo é cada vez mais poderoso. O mundo, como insistem os gurus, está entrando em uma nova era histórica em virtude da tecnologia. Nesta nova economia, em tempos modernos, em nossa condição pós-industrial e pós-moderna, o conhecimento do presente e do passado é supostamente menos relevante. Os inventores, até mesmo nestes tempos pós-modernos, “estão à frente de seu tempo”, enquanto a sociedade sofre com o apego ao passado, resultando num suposto atraso em se adaptar a nova tecnologia.
Há uma luz no fim do túnel, e o mundo está de fato mudando radicalmente, mas este pensamento não está entre os que se apegam ao passado. (32)
A tese primária de Edgerton é que a necessidade constante do capitalismo de expandir e revolucionar os meios de produção resulta em uma ideologia correspondente que prioriza a “novidade” ao invés da utilidade. Ele talvez não faça esta conexão, mas não estamos longe do que Marx considerava como a “dominação do valor de troca”: à custa do valor de uso, que, fundamentalmente, diz que, com o passar do tempo, como (e se) um objeto pode ser vendido se torna mais importante do que como este objeto pode ser usado.
A história da tecnologia é amplamente descrita em publicações da imprensa por profissionais de marketing com interesses financeiros, para ampliar seus negócios. Então, até mesmo nossa história do que era importante no passado tende a ser distorcido em favor da momentânea necessidade do capital.
Por exemplo, duas tecnologias que poderiam salvar milhões de pessoas e prevenir a devastação de países inteiros são preservativos e redes contra mosquitos: um para prevenir a disseminação da AIDS e o outro para prevenir propagação da malária por mosquitos. No entanto, não encontraremos nas prateleiras da Barnes and Nobles (grande cadeia de livrarias) livros sobre redes contra mosquitos ou grandes investimentos no mercado de repelentes de mosquitos, porque não há como lucrar com essa massa de pobres que precisam das redes e repelentes.
Portanto, ao contrário do que Mason está sugerindo, o processo fundamental do capitalismo - exploração, expansão incessante, guerra, luta de classes - parece ser intensificado no mundo virtual. E, não, dissolver-se na “conectividade entre os indivíduos”.
Partido político ainda importa?
Deve ser dito que nem todos os utopistas cibernéticos alegam que o capitalismo é, agora, fundamentalmente diferente. O verdadeiro ponto de convergência entre estes utopistas é que as coisas mudaram o suficiente a ponto de tornar obsoletas as formas “tradicionais” de organização, como as organizações socialistas revolucionárias, ou simplesmente grupos que elegeram seus líderes. Não está claro se eles simplesmente mudaram de idéia devido ao desenvolvimento, ou se eles jamais consideraram estas organizações relevantes. No entanto, a unanimidade com a qual esse argumento foi fomentado no movimento de Ocupação de Wall Street, por exemplo, é motivo suficiente para examinar seu mérito.
Em seu cerne, o argumento utópico cibernético baseia-se numa concepção particular de como as lutas surgem e se desenvolvem. Segundo o jargão tradicionalmente Marxista, esta é uma briga entre “espontaneidade versus organização”.
Os debates entre a revolucionária polonesa Rosa Luxemburg e V. E. Lenin sobre este assunto são leituras essenciais a qualquer ativista (33). No entanto, um debate mais recente no mesmo campo aconteceu entre o popular intelectual Malcolm Gladwell e Kay Shirkey, um professor da Universidade de Nova York (34). A essência deste debate gira em torno de duas questões: as mídias sociais tornam mais provável a realizacao de protestos? A organização através das mídias sociais torna a vitória mais provável?
Shirkey responde afirmativamente às duas questões enquanto Gladwell é favorável à primeira, mas decididamente cético com relação à segunda.
Num artigo anterior, e agora famoso, na revista New Yorker, Gladwell justifica seu ceticismo introduzindo o conceito de “conexões de laços fortes” e “conexões de laços fracas”. Gladwell escreve: “a plataforma das mídias sociais baseia-se em laços fracos”. Twitter é uma maneira de seguir (ou ser seguido) por pessoas que você pode nunca ter conhecido. Facebook é uma ferramenta para gerenciar eficientemente seus conhecidos, mantendo contato com pessoas que, de outra maneira, você não faria. Por isso você pode ter milhares de “amigos” no Facebook, como você nunca conseguiria na “vida real”. Enquanto admite haver forças inerentes a esta maneira de organização ativista, Gladwell conclui: “laços fracos raramente levam a ativismo de alto-risco”. (35)
Ao fazer referência a um estudo feito pelo sociólogo de Stanford, Doug McAdam, Gladwell compara os participantes do movimento “[Mississipi] Freedom Summer e descobriu que o ponto chave que separava os que haviam abandonado o movimento e os que permaneceram não era, como poderia ser esperado, fervor ideológico”. McAdam constatou que aqueles que permaneceram por mais tempo tinham mais envolvimento social e pessoal com os que já estavam no movimento. “Todos os voluntários foram solicitados a fornecer uma lista de contatos pessoais (os que eles queriam que ficassem informados de suas atividades) e os participantes que permaneceram tinham muito mais possibilidade de ter amigos próximos indo ao Mississipi do que os desertores”. Ativismo de alto-risco, McAdam concluiu, “é um fenômeno de laços fortes” (36).
Gladwell está simplesmente articulando o que ativistas de certa idade sabem há anos: experiência importa e a mudança social fundamentalista não é uma batalha curta.
Sem dúvida, existem ferramentas novas e poderosas disponíveis aos ativistas. Pode até haver maior probabilidade de que opressão e protestos possam ser generalizados mais rapidamente e mais assertivamente do que jamais acontecido antes. Contudo, como o movimento dos direitos civis e a recente revolução egípcia tem mostrado claramente, o protesto em massa é apenas um evento ao longo de longas lutas. Os momentos entre os atos de agitação foram importantes para dar direção ao movimento também.
Neste esforço, a Esquerda deve criar um espaço diferente daquele modelo criado na guerra fria, que comandava o movimento de um ponto alto. Rejeitar simultaneamente este “status quo” e as práticas antidemocráticas do velho partido Stalinista é uma tarefa difícil.
Contudo, a visão utópica cibernética não oferece respostas satisfatórias para este problema. Neste sentido, Gladwell está correto. Priorizando os esforços em construir laços fracos em prejuizo de laços fortes não é uma estratégia vencedora. É uma estratégia infectada pela insistência do capitalismo no marketing e na propaganda. É uma perspectiva que deliberadamente e conscientemente se recusa a pensar no dia seguinte aos protestos e rotula tentativas de fazê-lo como “antidemocráticas”. Em situações revolucionárias esta estratégia pode ser literalmente suicida.
Conclusão
“Fazendo uma comparação com os tempos pré-capitalistas, indiscutivelmente houve mais mudanças tecnológicas no mundo na semana que antecedeu a leitura deste artigo do que em qualquer século que você escolha antes de 1700” (37). O momento atual apresenta um desafio para a “esquerda”. Tudo tem mudado e ainda assim tudo parece familiar. Milhões de pessoas tem a tecnologia envolvida em suas rotinas diárias que, nem de longe, se parecem com as de nossos pais ou mesmo as suas próprias há quinze anos. A ascensão dos meios de comunicação em massa, a digitalização do sistema financeiro e a superfluidez do capital são avanços importantes. Estes levantam questões importantes.
Como um movimento deveria lidar com a inevitável sabotagem econômica que pode ser desencadeada por uma classe abastada e petulante num simples apertar de botão? Como o hiper individualismo promovido pelo neoliberalismo coopera com as interações sociais digitalizadas para afetar a consciência das classes? Como nós nos organizamos e nos comunicamos para desafiar o Estado, sob um regime de vigilância infiltrado e digital? Estas questões são apenas o começo. A transformação a caminho não pode ser ignorada nem subestimada.
Ainda assim, uma olhada abaixo da superfície desta revolução digital revela uma marca registrada do velho capitalismo: dinheiro, poluição, monopólio, desigualdade, exploração, guerra e opressão. A ênfase na continuidade ou numa mudança radical pode depender do momento político, mas a relação entre os dois deve ser compreendida. As nossas teorias e análises do passado não podem ser totalmente descartadas, nem tampouco podem ser aplicadas sem modificação.
As pesquisas de três cientistas proeminentes concluiram recentemente que a participação política na internet reflete a desigualdade na sociedade, ao invés de mostrar uma maneira de superá-la. E longe de enfraquecer organizações já existentes, estas, em particular corporações e associações comerciais, dominam o tráfico na internet, no Facebook e no Twitter, como qualquer outro tipo de organização que se engaje em atividade política. (38)
Há implicações para o ativismo também. Mídias sociais e especialmente internet móvel tem permeado até mesmo os mais pobres locais e países. Não há mais como evitar a internet e o computador, por mais intimidador que isto possa parecer para algumas pessoas.
Também seria um erro confundir artigos postados no Facebook ou blogs com o debate e a discussão real com pessoas reais. Todos terão suas preferências e precisarão experimentar novas ferramentas ao longo de seu surgimento. Ativistas deveriam pensar cuidadosamente e deliberadamente sobre qual nível de interação online é necessária para seu tipo de atividade. Finalmente, a esquerda precisará de grupos de pessoas treinadas em novas tecnologias que estejam dispostas a enfrentar as autoridades quando inevitavelmente as comunicações forem interceptadas e houver confronto. O indivíduo não pode derrubar o Estado simplesmente “hackeando” (invadindo) seus computadores e derrubando serviços.
A esquerda necessitará de um grande número de pessoas com habilidades num amplo leque de táticas e pessoas que tenham aprendido as lições do passado. Vídeos online podem desencadear ações solidárias de defesa após um ataque policial, mas planejamento e execução cuidadosos, e um entendimento sólido de como vencer evitará que autoridades penetrem nas nossas barricadas.
Assim como não há como evitar os tentáculos do capitalismo desconectando-se da rede, não há como evitá-los subordinando-se a eles. Em algum momento, movimentos sociais terão que confrontar o poder altamente centralizado do Estado e das instituições protegidas por ele. Nós precisamos ir além do “indivíduo conectado” e desenvolver as habilidades de luta de uma classe trabalhadora global e conectada.
Tais idéias não são novidades. O revolucionário russo Leon Trotsky, num obscuro, mas fascinante discurso para o Primeiro Congresso da Sociedade dos Amigos do Rádio do partido All-Union, imaginou a seguinte integração de luta de classes e tecnologia:
É necessário que no dia em que os trabalhadores europeus tomarem posse das estações de rádio, o proletariado Francês tome posse da Torre Eiffel e anuncie de seu topo, em todas as línguas europeias, que eles são os donos da França (aplausos), que neste dia e hora, não apenas os trabalhadores de nossas cidades e indústrias, mas também os lavradores de nossas vilas mais remotas talvez sejam capazes de responder aos chamados dos trabalhadores europeus: “Pode nos ouvir?” – “Nós os ouvimos, irmãos, e iremos ajudá-los!”. (39)
Tradução: Cristina Zarzana/Renata Vilani
Reproduzido com a autorização da International Socialist Review, issue 90, July-August 2013 – www.isreview.org
*Meme é um termo grego que significa imitação. Na internet, o significado de meme refere-se a um fenômeno em que uma pessoa, um vídeo, uma imagem, uma frase, uma ideia, uma música, uma hashtag, um blog, etc., alcançam muita popularidade entre os usuários. (fonte : www.significados.com.br)
Bibliografia
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2. Andy Carvin, “In Iran, the Revolution Will Be Target”. NPR, June 19, 2009.
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4. Uri Friedman, “The Egyptian Revolution Dominated Twitter this year”. Foreign Policy, Monday, December 5, 2011, accessed July 9th, 2013. http://blob.foreignpolicy.com/posts/2011/12/05/the_egyptian_revolution_dominated_twitter_this_year
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6. Un Friedman. “The Egyptian revolution dominated Twitter this year”, Foreign Policy, Monday, December 5, 2011.
7. Charles Levinson and Margaret Coker. “The secret Rally That Sparked an Uprising”, Wall Street Journal, February 11, 2011.
8. Ibid
9. Evgeny Morozov, “Facebook and Twitter are just places revolutionaries go” Guardian, Monday, March 7, 2011
10. Frances Carincross, The Death of Distance: How the Communications Revolution Is Changing our Lives (Boston: Harvard Business Review Press: Revised Edition, 2001) 279
11. Paul Mason, Why It’s Kicking Off Everywhere: The New Global Revolutions (Verso: January, 2012) 77.
12. Ibid, 84
13. Ibid, 144-145
14. Ibid
15. Ibid, 77
16. Daniel Jonescu, “Has Wikipedia Beaten Britannica in the Encyclopedia Battle?”, PC Journal, Mar 14, 2012
17. Nicole Colson, Activism sways Zimbabwe court”. Socialist Worker Online, March 22, 2012; http://socialistworker.org/2012/03/22/activism-sways-zimbabwe-court
18. Melissa Bell and Elizabeth Flock, “’A Gay Girl in Damascus’ comes clean”, Washington Post, June 12, 2011
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21. James Risen and Eric Lichtblau, “Spying Program Snared US Cal”, New York Times, December 21, 2005
22. Rebecca Greenfield, “Facebook’s Former Security Chief Now Works for the NSA” Atlantic Wire, June 20, 2013: http://www.theat-lancticwire.com/technology/2013/06/facebook-former-security-chief-now-works-nsa/66432/.
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24. Jennifer Slegg, “Google, Bing Both Win More Search Market Share” Search Engine Watch, June 18th, 2013
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25. McChesney, Digital Disconnect, 131
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27. “Coltan”, Wikipedia accessed July 9th, 2013 http://en.wikipedia.org/wiki/Coltan
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29. Malcolm Moore, “’Mass suicide’ protest at Apple manufacturer Foxconn factory” Telegraph, Jan 11, 2012
30. James Glantz, “The cloud factories: Data barns in a farm town, gobbling power and flexing muscle” New York Times, September 23, 2012
31. “Where does e-waste end up?”, Greenpeace International, Feb 24th, 2009, accessed on July 9th, 2013, www.greenpeace.org
32. David Edgerton, The Shock of The Old: Technology and Global History since 1900 (London Oxford University Press, 2006) ix
33. The relevant texts are: Rosa Luxemburg, “The Mass Strike, The Political Party, and the Trade Union”. The Essential Rosa Luxemburg (Chicago: Haymarket Books, 2006) Vladimir Lenin, “What is To Be Done” available at http://www.marxists.org/archieve/lenin/works/1901/witbd/
34. Clay Shirky, “The Political Power of Social Media: Technology, the Public Sphere and Political Change”, Foreign Affairs, Jan/Feb 20111
35. Malcolm Gladwell, “Small Change: Why the revolution will not be tweeted”, The New Yorker, Oct 4th, 2010
36. Ibid
37. McChesney, Digital Disconnect, 46
38. Kay Lehman Schlozman, Sidney, Verba and Henry E. Brady, The Unbeatenly Chorus (Princeton, N.J. Princeton University Press 2012) 483-533
39. Leon Trotsky, “Radio Science, Technique and Society”, Marxist Internet Archive, http://www.marxist.org/archive/trtsky/1926/03/science.htm