Brasil

Você está aqui: Página Inicial / Brasil / 2014 / 01 / 21 / Volta a 1964: EUA, empresários e gorilas

Volta a 1964: EUA, empresários e gorilas

Por que Gaspari não registra Dreifuss na bibliografia?
publicado 21/01/2014
Comments

 

Como se sabe, nesse ano da Graça de 1964, a Editora Intrínseca promoveu uma sutil operação de marketing para anunciar uma bomba: John Kennedy, o herói de Camelot, tinha decidido dar um Golpe no presidente constitucional João Goulart.

A “bomba”, como se sabe, estava inteira no filme – imperdível - “O Dia que durou 21 anos”, e os parvos pigais que abrigaram o “furo" não se tinham dado conta.

O professor Belluzzo achou muita graça do “furo”: estava inteiro no livro do embaixador americano Lincoln Gordon, co-autor do Golpe de 1964”.

O “furo” n'água faz parte da publicação virtual da obra do historialista – não é jornalista nem historiador - de múltiplos chapéus, responsável por proposição – só no Brasil … - extravagante: Ernesto Geisel foi um “sacerdote” e Golbery um “feiticeiro”, que deram o Golpe quando quiseram e com ele acabaram quando assim entenderam.

O saldo da obra dos dois foi reconstruir a Democracia Brasileira, como se fossem George Washington e Thomas Jefferson, nessa ordem, os Founding Fathers, os Fundadores da Pátria.

Só no Brasil.

A propósito do “furo”, amigo navegante de fulminante memória enviou o comentário que se segue:

A descoberta do Elio Gaspari é como abrir a porta arrombada. Basta ler “1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe””, de René Armand Dreifuss, que o autor, aliás, não cita, sintomaticamente em sua seleta bibliografia...

Dreifuss era uruguaio, professor de Ciência Política da Universidade Federal de MG, que escreveu “1964” em 1981.

É o mais minucioso, extenso e implacável levantamento do trabalho conjunto do Governo americano, dos empresários brasileiros e americanos, e dos gorilas brasileiros e americanos para derrubar o Jango.

São 800 páginas de documentos na veia.

Como os americanos botaram dinheiro no Brasil para derrubar Jango, desde a frustração com Janio.

De onde saía o dinheiro.

Para onde ia.

O papel de organismos como o IBAD e o IPÊS para corromper a imprensa e o Legislativo.

O papel sinistro de Golbery, o gerente da loja, e seu escrivão atento e multifacetado, o romancista José Rubem Fonseca – deve ser por isso que ele é tão discreto.

Aí, o Gaspari vai para o Smithsonian Institution, do Governo americano, em Washington, e volta de lá com uma tese bizarra: os americanos e os empresários brasileiros não tem culpa de nada.

São uns ingênuos, ineptos ou retardatários.

Só houve o Golpe porque o general Mourão, um tresloucado, saiu às pressas de Juiz de Fora e surpreendeu todo mundo.

E Jango caiu porque era uma Maria Antonieta – que comam brioches !

Um diletante, um frívolo, que só pensava em pernas – de coristas e de cavalos.

E, agora, para se fazer de isento, tenta inculpar quem já era culpado: o Kennedy.

Como diz você, caro ansioso: viva o Brasil !”

Navalha

O ansioso blogueiro recomprou o livro de Dreifuss no Sebo Virtual.

Trata, por exemplo:

Do programa de assistência militar do governo americano na zona do canal do Panamá, onde militares brasileiros eram treinados;

Da Consultec, uma empresa de lobby financiada pela Hanna Mining Company, dirigida por Roberto Campos, que veio a dar musculatura a todos os programas econômicos do primeiro Governo militar.

A Hanna se apropriou da Mineração Morro Velho e ofereceu caminhões para as tropas rebeldes derrubarem Jango.

A Federation of American Chambers of Commerce, que reuniu câmaras de comércio americanas nas Américas para defender os investimentos americanos – e combater o comunismo.

O Council for Foreign Relations, centro de “estudos” da família Rockefeller, em Nova York, outro think tank golpista.

Kennedy combinou com o patriarca David Rockefeller o golpe contra Jango e ele se incumbiu de reunir 37 empresários americanos para participar do financiamento da conspiração.

O papel de agência de publicidade “Promotion”, financiada por dinheiro americano, que derramava publicidade nos órgãos do PiG (*), a começar pelos de Chateaubriand e o Globo.

O IPES, instituto de “pesquisas” dirigido, na prática, por Golbery, que tinha a função de coordenar e planejar o Golpe, e preparar a opinião pública, como apoio frenético de Rubem Fonseca, e subalterno, desde sempre, de Heitor Aquino.

A ligação de pessoas, ideias e lavagem de dinheiro que se realizava entre o IPES, as associações industriais e comerciais, especialmente de São Paulo e do Rio, a Escola Superior de Guerra e a embaixada americana.

Como o Governo americano derramou dinheiro nas eleições de 1962.

O dinheiro vinha da generosa “Aliança para o Progresso”, que cuidava do progresso dos investimentos americanos, e do desvirtuamento dos recursos do Fundo do Trigo, que, teoricamente, era para o Brasil comprar trigo americano – e ia para o Golpe.

Na página 172, Dreifuss mostra que quando Vernon Walters, o chefe da CIA no Brasil durante o Golpe, chegou para ser “adido militar” já sabia que Kennedy “não se oporia à deposição do governo de Joao Goulart, se fosse substituído por um estável governo anticomunista que ficasse do lado do mundo 'livre' ocidental.”

Na página 215, um episódio constrangedor, que mostra a intimidade americana com o Golpe:

“... durante a madrugada em que Auro de Moura Andrade declarou estar vaga a presidência, já que Joao Goulart deixara Brasília )mas estava em território brasileiro – PHA), alguns parlamentares se dirigiram ao Palácio do Planalto, que estava totalmente escuro, devido a corte de energia. Eles acompanharam o ato que reconhecia Ranieri Mazzili como presidente e, depois que alguns fósforos foram acesos, o Deputado Luiz Viana Filho reconheceu a seu lado Robert Bentley, o jovem secretario da embaixada americana.”

Viva o Brasil !

 




Paulo Henrique Amorim


(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.