Volta a 1964: EUA, empresários e gorilas
Como se sabe, nesse ano da Graça de 1964, a Editora Intrínseca promoveu uma sutil operação de marketing para anunciar uma bomba: John Kennedy, o herói de Camelot, tinha decidido dar um Golpe no presidente constitucional João Goulart.
A “bomba”, como se sabe, estava inteira no filme – imperdível - “O Dia que durou 21 anos”, e os parvos pigais que abrigaram o “furo" não se tinham dado conta.
O professor Belluzzo achou muita graça do “furo”: estava inteiro no livro do embaixador americano Lincoln Gordon, co-autor do Golpe de 1964”.
O “furo” n'água faz parte da publicação virtual da obra do historialista – não é jornalista nem historiador - de múltiplos chapéus, responsável por proposição – só no Brasil … - extravagante: Ernesto Geisel foi um “sacerdote” e Golbery um “feiticeiro”, que deram o Golpe quando quiseram e com ele acabaram quando assim entenderam.
O saldo da obra dos dois foi reconstruir a Democracia Brasileira, como se fossem George Washington e Thomas Jefferson, nessa ordem, os Founding Fathers, os Fundadores da Pátria.
Só no Brasil.
A propósito do “furo”, amigo navegante de fulminante memória enviou o comentário que se segue:
A descoberta do Elio Gaspari é como abrir a porta arrombada. Basta ler “1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe””, de René Armand Dreifuss, que o autor, aliás, não cita, sintomaticamente em sua seleta bibliografia...
Dreifuss era uruguaio, professor de Ciência Política da Universidade Federal de MG, que escreveu “1964” em 1981.
É o mais minucioso, extenso e implacável levantamento do trabalho conjunto do Governo americano, dos empresários brasileiros e americanos, e dos gorilas brasileiros e americanos para derrubar o Jango.
São 800 páginas de documentos na veia.
Como os americanos botaram dinheiro no Brasil para derrubar Jango, desde a frustração com Janio.
De onde saía o dinheiro.
Para onde ia.
O papel de organismos como o IBAD e o IPÊS para corromper a imprensa e o Legislativo.
O papel sinistro de Golbery, o gerente da loja, e seu escrivão atento e multifacetado, o romancista José Rubem Fonseca – deve ser por isso que ele é tão discreto.
Aí, o Gaspari vai para o Smithsonian Institution, do Governo americano, em Washington, e volta de lá com uma tese bizarra: os americanos e os empresários brasileiros não tem culpa de nada.
São uns ingênuos, ineptos ou retardatários.
Só houve o Golpe porque o general Mourão, um tresloucado, saiu às pressas de Juiz de Fora e surpreendeu todo mundo.
E Jango caiu porque era uma Maria Antonieta – que comam brioches !
Um diletante, um frívolo, que só pensava em pernas – de coristas e de cavalos.
E, agora, para se fazer de isento, tenta inculpar quem já era culpado: o Kennedy.
Como diz você, caro ansioso: viva o Brasil !”
O ansioso blogueiro recomprou o livro de Dreifuss no Sebo Virtual.
Trata, por exemplo:
Do programa de assistência militar do governo americano na zona do canal do Panamá, onde militares brasileiros eram treinados;
Da Consultec, uma empresa de lobby financiada pela Hanna Mining Company, dirigida por Roberto Campos, que veio a dar musculatura a todos os programas econômicos do primeiro Governo militar.
A Hanna se apropriou da Mineração Morro Velho e ofereceu caminhões para as tropas rebeldes derrubarem Jango.
A Federation of American Chambers of Commerce, que reuniu câmaras de comércio americanas nas Américas para defender os investimentos americanos – e combater o comunismo.
O Council for Foreign Relations, centro de “estudos” da família Rockefeller, em Nova York, outro think tank golpista.
Kennedy combinou com o patriarca David Rockefeller o golpe contra Jango e ele se incumbiu de reunir 37 empresários americanos para participar do financiamento da conspiração.
O papel de agência de publicidade “Promotion”, financiada por dinheiro americano, que derramava publicidade nos órgãos do PiG (*), a começar pelos de Chateaubriand e o Globo.
O IPES, instituto de “pesquisas” dirigido, na prática, por Golbery, que tinha a função de coordenar e planejar o Golpe, e preparar a opinião pública, como apoio frenético de Rubem Fonseca, e subalterno, desde sempre, de Heitor Aquino.
A ligação de pessoas, ideias e lavagem de dinheiro que se realizava entre o IPES, as associações industriais e comerciais, especialmente de São Paulo e do Rio, a Escola Superior de Guerra e a embaixada americana.
Como o Governo americano derramou dinheiro nas eleições de 1962.
O dinheiro vinha da generosa “Aliança para o Progresso”, que cuidava do progresso dos investimentos americanos, e do desvirtuamento dos recursos do Fundo do Trigo, que, teoricamente, era para o Brasil comprar trigo americano – e ia para o Golpe.
Na página 172, Dreifuss mostra que quando Vernon Walters, o chefe da CIA no Brasil durante o Golpe, chegou para ser “adido militar” já sabia que Kennedy “não se oporia à deposição do governo de Joao Goulart, se fosse substituído por um estável governo anticomunista que ficasse do lado do mundo 'livre' ocidental.”
Na página 215, um episódio constrangedor, que mostra a intimidade americana com o Golpe:
“... durante a madrugada em que Auro de Moura Andrade declarou estar vaga a presidência, já que Joao Goulart deixara Brasília )mas estava em território brasileiro – PHA), alguns parlamentares se dirigiram ao Palácio do Planalto, que estava totalmente escuro, devido a corte de energia. Eles acompanharam o ato que reconhecia Ranieri Mazzili como presidente e, depois que alguns fósforos foram acesos, o Deputado Luiz Viana Filho reconheceu a seu lado Robert Bentley, o jovem secretario da embaixada americana.”
Viva o Brasil !
Paulo Henrique Amorim
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.