Quebrar porta de teatro é "manifestação" ?
Considerado um dos grandes nomes que surgiram no teatro em uma nova geração, Roberto Alvim dirige o CLUB NOIR, dedicado a encenar obras de dramaturgos contemporâneos.
A companhia fica localizada na Rua Augusta, centro de São Paulo, que no último sábado (25) foi palco de protestos violentos.
O diretor ensaiava no exato momento em que um grupo de manifestantes passou pela rua.
O CLUB NOIR foi alvo de vandalismo.
E Alvim testemunhou a bárbarie.
A consagrada atriz Nathalia Timberg, de 84 anos, que também se encontrava no teatro, chegou a lembrar um episódio ocorrido em 1968, como relata Alvim em seu perfil no facebook:
estava agora ensaiando Beckett aqui no Club Noir
quando ouvimos um estrondo:
uma turba enfurecida jogou uma pedra
que arrebentou completamente o vidro da fachada do teatro...
saímos do ensaio correndo para ver o que tinha acontecido
e os imbecis que quebravam TODOS os estabelecimentos no caminho
gritaram:
ESTAMOS LUTANDO POR JUSTIÇA!
NÃO À COPA!!!!!
os caras destruíram os vidros da porta de um teatro
para protestar contra a Copa...
não.
não pode haver
nível mais alto de barbárie e imbecilidade absoluta
do que isso que acontece agora nas ruas
de SP...
Ingmar Bergman estava ensaiando REI LEAR
quando um grupo totalitário assassinou
num suposto protesto político
um importante político sueco (que tinha uma postura democrática e pró-liberdade).
no dia seguinte
Bergman e seus atores chegaram ao ensaio.
os atores choravam, estavam chocados,
e sugeriram que Bergman cancelasse o ensaio e
talvez,
até mesmo a encenação.
Bergman respondeu
que eles iriam ensaiar, SIM
e que iriam estrear na data marcada SIM,
porque tudo o que o tal grupo queria
era que o caos se intaurasse
- e que ele
como ARTISTA
jamais se deixaria tornar
refém de assassinos.
voilá!
(os black-blocs nada mais são
que a versão contemporânea
do lumpem-proletariado:
estúpida e ignara
massa de manobra...)
pois é:
estamos agora limpando as pichações inócuas
que os desocupados furiosos fizeram em nosso teatro
e consertaremos os vidros assim que possível.
porque somos artistas e cidadãos
e vamos continuar trabalhando incansavelmente por uma sociedade mais sensível e fundamentalmente poética
(posto que a experiência estética
proporcionada pela obra de arte
é o ATO MAIS RADICALMENTE POLÍTICO a ser perpetrado
- nós combatemos as CAUSAS da corrupção,
não seus meros efeitos...).
enquanto a versão contemporânea do lumpem-proletariado
(e tão boçal, manipulável, alienada e burramente violenta quanto)
quebra teatros e estabelecimentos da classe trabalhadora
imagino que Marx
deva estar desgostoso em sua tumba
- uma revolução
que principia em totalitarismo cego
(já compreendera o próprio Marx em seus últimos textos)
só poderá resultar
em um regime cegamente totalitário...
Roberto Alvim shared Juliana Galdino's status.
é isso.
nem mais
nem menos.
Nathalia Timberg, hoje, aqui no Club Noir, encarnando seu Beckett sob estampidos de bombas e helicópteros, dizendo, nos dizendo: "Vamos seguir! Essa será nossa resposta a isso tudo! Manter a chama acesa em meio a tamanha escuridão e cegueira... Avante!"
E ela chegou cansada, com dores, mas fundamentalmente feliz! (E assim, a vida continua! E se somos nós, apenas nós, os responsáveis em criar um sentido para ela, que ele quando criado perpetue o belo e o desejo de uma sociedade mais sensível e madura.)
Roberto Alvim
de Juliana Galdino:
"Nathalia Timberg lembrou agora de um episódio na época da ditadura, em 68, no qual a polícia deixou, deliberadamente, que os manifestantes quebrassem o máximo possível de coisas e lugares, para legitimar a repressão posterior. Ou seja: no fim das contas, as pessoas que se aproveitam das manifestações para vandalizar indiscriminadamente, podem acabar sendo um instrumento do poder estabelecido, justificando uma brutal repressão policial."
comento:
o que me deixa
mais do que puto
mas sobretudo triste
é que eu não sou um inimigo.
ao quebrarem o vidro da fachada do teatro
eles nos colocam em um lugar
que absolutamente não nos cabe:
estamos devendo 3 meses de aluguel
fazemos teatro com ingressos gratuitos ou a preços módicos
damos o nosso melhor diariamente para construir obras que transfigurem uma noção apequenada e castradora acerca do que seja a vida
ou seja:
trabalhamos febrilmente
(e monasticamente)
pela formação de uma sociedade na qual cada indivíduo conquiste sua singularidade,
sua autonomia de percepção,
sua liberdade em relação às formas e discursos hegemônicos;
lutamos
diariamente
pela eclosão de uma sociedade propositiva e consciente.
e aí os caras
imbuídos de uma raiva indiscriminada
nos colocam
- justamente a nós, que estamos gramando ao seu lado -
como inimigos...
Roberto Alvim
ao não pesarem as CONSEQUÊNCIAS de seus atos
estes grupos black-blocs (ou seja lá como se chamam)
se perdem completamente
e cometem o erro fatal
de instaurar um campo de violência indiscriminada...
você não pode destruir uma coisa
sem propor que OUTRA coisa se instaure no lugar.
neste sentido
eles acabam expondo o fato
de que são pessoas sem nenhum vínculo ou relação...
o que eles fariam com algumas pessoas
contrárias a suas ações?
as executariam como inconvenientes?
eles querem que esses outros
as escutem e se libertem
ou esse pessoal
no fundo
simplesmente não acredita em nada?
não há ação política
nestas bases...
pois o ponto crucial é:
quando o poder cair em suas mãos
o que você fará?
há maturidade, responsabilidade, proposição e convicção nestes grupos?
eles distribuiriam o poder
ou agiriam EXATAMENTE como aqueles que detém hoje o poder?
seriam libertários
ou perpetrariam coação e cerceamento
(do mesmo modo como uma série de repúblicas de bananas ditatoriais na América do Sul?)
o que legitimaria e tornaria maduro todo este posicionamento
seria a confiança de que as pessoas (os outros) vão se reconhecer
inevitavelmente nestas ações
em vez de configurarem procedimentos (quebra-quebras generalizados)
tão sem-caráter
antevendo que não haverá fruição libertária por parte dos OUTROS
(isto é: nós, qualquer cidadão que almeja os mesmos ideais de liberdade e igualdade)
a partir dessa operação...
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