Dallari quer quarentena para Barbosa
O Convesa Afiada reproduz o Fernando Brito, no Tijolaço, com artigo do professor emérito Dalmo Dallari, que, recentemente, pegou o ministro Marco Aurelio (Collor de) Mello num ato de "ilegal, mas pague-se"
Dallari: se para advogar juiz tem “quarentena”, por que não tem para ir ao palanque?
Não é, evidente, um casuísmo, até porque não e poderia mexer nas regras eleitorais já em curso.
Portanto, não é uma proposta anti-Joaquim Barbosa, cujos direitos devem ser respeitados, embora nem sempre ele faça isso com o direito dos outros.
Mas o professor emérito da USP e da Unesco Dalmo de Abreu Dallari certamente foi provocado pelo comportamento atrabiliário do atual presidente do Supremo Tribunal Federal e suas não negadas pretensões eleitorais para recordar hoje, em artigo no Jornal do Brasil, que é preciso pensar em dar à filiação partidária – e, portanto, à eventual candidatura – de um magistrado o mesmo cuidado que se dá, constitucionalmente, à sua volta à advocacia junto ao tribunal que, até seu afastamento, esteve sob seu comando.
Dallari, um dos mais respeitados juristas brasileiros, nota que o artigo 95 da Constituição que estabelece no seu inciso III, que aos juízes é vedado «dedicar-se a atividade político-partidária, dois incisos depois estabelece um período de três anos até que o juiz aposentado – ou demissionário – possa voltar a “«exercer a advocacia no juízo ou tribunal de que se afastou”.
O caráter preventivo deste dispositivo, que nem precisaria estar erigido em lei, pois seria o comportamento ético a se esperar de um magistrado, evita a hipótese – hoje já nada absurda – de que a função judicial seja distorcida ou manipulada pelo interesse de advocacia futura mais ainda deveria existir quando pudesse o exercício da magistratura ser levado a servir a apetites eleitorais.
Nos tempos em que estamos, onde a ética parece ter se tornada rala e escassa, mais que bem lembrada, a questão levantada por Dallari é uma proposta para que, adiante, não se volte a viver a deprimente situação que instaurou-se no mais alto degrau do Judiciário.
O Supremo, como disse ontem o Ministro Luís Roberto Barroso, é lugar de se julgar com razão, não com paixões exacerbadas.
Principalmente as mais baixas e oportunistas.
Juízes no palanque – quarentena necessária
Dalmo de Abreu Dallari
Os juízes exercem atividade política em dois sentidos: por serem integrantes do aparato do poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas de direito, que são necessariamente jurídico-políticas. Com esta observação inicio um capítulo de meu livro O poder dos juízes, capítulo intitulado Assumir a politicidade, no qual procuro demonstrar a necessidade e conveniência de assumir a politicidade implícita no desempenho das funções jurisdicionais. Além desse aspecto mais amplo da politicidade, acrescento mais adiante que o juiz é cidadão, exerce o direito de votar, o que, obviamente, implica uma escolha política.
Existe, entretanto, uma grande diferença entre essa participação política, em sentido amplo, e a participação político-partidária. Com efeito, quem é filiado a um partido político ou se elegeu por ele e toma suas decisões políticas respeitando as implicações subentendidas nessa filiação tem reduzidas sua independência e imparcialidade, pois muitas vezes a posição adotada pelo partido é o reflexo de uma circunstância particular, não sendo raro que as direções partidárias façam acordos objetivando a obtenção de certos benefícios mas contrariando disposições do programa do partido, que, em princípio, é um compromisso para os filiados ao partido. E aí acaba a independência do filiado.
A Constituição brasileira de 1988 estabeleceu no artigo 95, parágrafo único, inciso III, que aos juízes é vedado «dedicar-se a atividade político-partidária». É interessante e oportuno observar que no mesmo artigo da Constituição, no inciso V, está disposto que é vedado aos juízes «exercer a advocacia no juízo ou tribunal de que se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração». Note-se que no tocante ao exercício da advocacia foi estabelecida a quarentena, ou seja, um prazo que deve ser observado para que cesse a probição, ao passo que quanto à atividade político-partidária dos juízes foi estabelecida, pura e simplesmente, a proibição, o que significa que no dia seguinte ao da aposentadoria ou exoneração o juiz já pode filiar-se a um partido. Isso é altamente inconveniente por vários motivos que a prática demonstra.
Exatamente porque muitas de suas decisões têm nítido significado político, no sentido de político-partidário, é importante que o juiz só possa filiar-se a um partido depois de observada uma quarentena, que poderia ser de dois anos. Com efeito, o juiz que ainda no exercício das funções jurisdicionais já entrou em contato com um partido para filiar-se logo que deixar o cargo será inevitavelmente influenciado por esses entendimentos. Os casos que lhe forem submetidos e nos quais o partido ou os dirigentes partidários tenham interesse serão conduzidos e decididos sob essa influência, comprometendo seriamente a independência e imparcialidade do juiz. O fato de proibir a filiação partidária durante o prazo da quarentena impedirá o juiz de candidatar-se a cargo eletivo, mas ele será um eleitor prestigioso e não estará impedido de externar suas opiniões políticas. A proibição será da filiação partidária e, consequentemente, de se candidatar, pois a lei eleitoral exige a comprovação de filiação partidária para alguém ser candidato. Vem a propósito lembrar uma ponderação do ministro Joaquim Barbosa, num pronunciamento favorável à quarentena para o exercício da advocacia pelos juízes. Disse o ministro que «o caráter da quarentena prevista na Constituição é muito restrito, uma vez que o juiz aposentado segue fazendo jus a seus proventos.
Em conclusão, para a preservação da independência e imparcialidade dos juízes é necessário fixar-se um prazo de quarentena para que ele se filie a um partido político depois de deixar o cargo. É preciso impedir que o juiz, ainda no exercício das funções jurisdicionais, estabeleça entendimentos com algum partido político, pois ocorrerá, inevitavelmente, a influência desses entendimentos, e por mais que se esforce para evitá-la em suas decisões sofrerá tanto as pressões direitas do partido e de seus dirigentes, como indiretas, decorrentes de sua opção político-partidária. E o fato de não poder filiar-se a um partido não impedirá que ele exerça sua cidadania como eleitor e manifestante independente, o que, parafraseando a expressão usada pelo ministro Joaquim Barbosa, é um impedimento muito restrito. Em benefício da cidadania brasileira e dos próprios juízes, é importante que a lei estabeleça uma quarentena para sua filiação partidária.
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