Kamel e Nassif: quem se dá bem ?
De Paulo Nogueira, no DCM:
Kamel versus Nassif: a diferença de tratamento que a Justiça dá a casos semelhantes
Da Justiça se espera ao menos uma coisa: que seja coerente nas decisões.
É a única forma que os cidadãos têm de medir eventuais consequências jurídicas de suas ações.
Estou falando isso a propósito da decisão da Justiça do Rio de condenar Luís Nassif a pagar 50 mil reais de indenização para Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo.
A juíza Larissa Pinheiro Schueler baseou sua decisão no fato de Nassif haver afirmado que Ali Kamel é “manipulador” e faz “jornalismo de hipóteses”. Isso, segundo ela, extrapolaria o “direito à informação”.
Aplique esta mesma lógica não apenas para Nassif, mas para a mídia em geral. Não faz muito tempo, no âmbito da mesma Globo de Kamel, os nordestinos foram chamados de “bovinos” por Diogo Mainardi.
Se “manipulador” custa 50 mil reais, qual seria a indenização para “bovinos”? Ou, já que falamos de Mainardi, de “anta”, como ele tratava rotineiramente Lula em seus dias de colunista da Veja?
A Justiça deveria, em tese, ser igual para todos, mas é mais igual para alguns do que para outros.
Há uma decisão jurídica recente que demonstra isso com brutal precisão.
O jornalista Augusto Nunes, o Brad Pitt de Taquaritinga, foi processado por Collor. Quer dizer: Collor fez o que Kamel fez.
Com uma diferença: perto do que Nunes disse dele, Nassif arremessou flores na direção de Kamel.
Começa no título: “O farsante escorraçado da Presidência acha que o bandido vai prender o xerife”.
Um trecho: “… o agora senador Fernando Collor, destaque do PTB na bancada do cangaço, quer confiscar a lógica, expropriar os fatos, transformar a CPMI do Cachoeira em órgão de repressão à imprensa independente e, no fim do filme, tornar-se também o primeiro bandido a prender o xerife.”
O site Consultor Jurídico noticiou o caso assim:
“Na sentença, a juíza Andrea Ferraz Musa, da 2ª Vara Cível do Foro de Pinheiros, disse que, em um estado democrático, o jornalista tem o direito de exercer a crítica, ainda que de forma contundente.
(…) “Embora carregada e passional, não entendo que houve excesso nas expressões usadas pelo jornalista réu, considerando o contexto da matéria crítica jornalística. Assim, embora contenha certa carga demeritória, não transborda os limites constitucionais do direito de informação e crítica”, disse a juíza.
(…) No pedido de indenização, Collor alegou que foi absolvido de todas as acusações de corrupção pelo Supremo Tribunal Federal e que há anos vem sendo perseguido pela Abril.
A juíza, entretanto, considerou irrelevante a decisão do STF. “As ações políticas do homem público estão sempre passíveis de análise por parte da população e da imprensa. O julgamento do STF não proíbe a imprensa ou a população de ter sua opinião pessoal sobre assunto de relevância histórica nacional”, justificou.”
Um momento. Ou melhor: dois momentos. “Irrelevante” a decisão do STF? Então você é absolvido de acusações na mais alta corte do país e mesmo assim isso não vale nada? Podem continuar a chamar você de bandido sem nenhuma consequência?
A juíza aplicou uma espetacular bofetada moral no STF em sua sentença. Como para Augusto Nunes, também para ela não houve nenhuma consequência.
Se um juiz trata assim uma decisão da Suprema Corte, qual o grau de respeito que os cidadãos comuns devem ter pela Justiça?
O segundo momento é por conta da expressão “certa carga demeritória”. Raras vezes vi uma expressão tão ridícula para insultos e assassinato de imagem.
Regular a mídia é, também, estabelecer parâmetros objetivos para críticas e acusações feitas por jornalistas.
Não é possível que “manipulador” custe 50 mil reais e “bandido”, “chefe de bando”, “farsante” e “destaque da bancada do cangaço” zero.
Quando você tem sentenças tão opostas, é porque reinam o caos e a subjetividade.
A única coisa que une o desfecho dos dois casos é que jornalistas de grandes empresas de mídia se deram muito bem.
Isso é bom para eles e as empresas nas quais trabalham.
Para a sociedade, é uma lástima.
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