Abdelmassih: a estranha história do livro prefaciado por Moro
O Conversa Afiada reproduz do DCM:
A estranha história por trás do livro prefaciado por Sergio Moro
Em setembro de 2014, o DCM fez uma entrevista com Vanuzia “Vana” Leite Lopes, uma das vítimas do ex-especialista em reprodução humana Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão.
Vana lançou no mês passado “Bem-vindo ao Inferno”, com ajuda do biógrafo de Lobão e Romeu Tuma Jr., Claudio Tognolli.
O projeto, no entanto, era para ser um texto de autoria de outras mulheres estupradas por Abdelmassih, incluindo Helena Leardini (45) Teresa Cordiolli (64), Ivani Serebrenic (47) e Nelma Luz (50). Todas elas faziam parte de uma página no Facebook chamada “Vítimas Unidas”, que busca reunir pessoas que foram abusadas sexualmente pelo ex-médico.
Juntamente com as mulheres, o repórter da TV Record Leandro Ruiz Sant’Ana estava acompanhando de perto o caso, sob orientação do editor Anael de Souza do programa Domingo Espetacular. Leandro está atualmente redigindo seu livro sobre o caso.
De acordo com as antigas companheiras, Vana decidiu agir sozinha. Leandro entrou em contato com Vana Lopes no dia da prisão de Abdelmassih, mas sem dizer onde ele estava. Pediu para que a vítima manter a informação sigilosa para que ele não perdesse seu furo de reportagem. Vana vazou sozinha a informação para a revista Veja. Mesmo assim, as imagens sobre a prisão de Abdelmassih foram divulgadas em primeiro lugar pela Record.
Vana rompeu amizade com as demais e decidiu que o livro que originalmente foi pensado por Teresa Cordiolli seria dela. Ganhou também um prefácio do juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, e de sua mulher.
A dona de casa Helena Leardini falou com o DCM sobre as imprecisões de “Bem-Vindo ao Inferno” e de como uma obra em conjunto virou outra coisa.
Por que, na sua opinião, Vana preferiu lançar o livro sozinha?
Eu era muito próxima da Vana. Dava caronas para ela e sabia dos problemas pessoais dela, incluindo síndrome do pânico. Ela diz que é a vítima que mais sofreu com o Roger, mas isso não é verdade. Há casos de pessoas que chegaram a ficar em coma depois de sofrer o estupro e tiveram que receber até comida na boca. E a pessoa não quer contar o caso em público. A Vana não é assim.
Ela só foi ouvida em setembro de 2009, quando foi ao programa da Ana Maria Braga. Desde então, eu acho que ela entrou em uma obsessão pelo caso. Tenho a impressão de que a Vana acorda e dorme pensando no Roger Abdelmassih. Mesmo eu sendo dona de casa, eu não tenho tempo para permanecer o tempo inteiro no Facebook. Ela assumiu a maioria das postagens do grupo que reunia as vítimas e ficava sempre concentrada nisso, pedindo para as pessoas fazerem as coisas, sempre ligando pelo celular.
Tenho impressão de que a Vana Lopes tem orgulho de ser vítima do Roger. As pessoas que foram abusadas não tem o mesmo comportamento, na minha opinião. Há processos que o Roger ainda não respondeu na justiça, porque algumas vítimas ainda não se manifestaram.
O livro da Vana Lopes era ideia de outra pessoa?
Sim. A ideia foi da Teresa Cordioli, uma vítima que foi abusada pelo Roger Abdelmassih nos anos 70. Eu a acompanhei quando foi ouvida, a gente se emocionou e ficou muito amiga. Fui passar férias em Santa Catarina e lá ela falou do livro pra mim, em fevereiro de 2011. Já escrevia poesia e eu perguntei se ela queria mesmo escrever sobre isso. Ela estava travada no texto e eu a ajudei a ter calma, oferecendo ajuda. Achei legal a ideia e chamamos mais vítimas para montar todo o livro.
Para ser sincera, eu não tenho tempo pra cuidar dessa campanha contra o Roger de internet. A Tereza também não faz tanto isso. A Vana fica o tempo todo na internet e cobrando as pessoas por telefone. Eu sei disso porque era muito próxima dela e dava caronas de carro. A Vana Lopes pegou o papel de pessoa para contar a verdade diante do público.
Quer um exemplo? A gente estava criando a associação das vítimas. Ela disse que seria a líder e eu disse que não podia ser assim. Seria então mais justo uma votação. Acabei votando na Teresa, a vítima mais antiga. Eu fiquei como vice.
Mesmo não sendo líder, quando a revista Veja soltou um texto que nos expunha, a Vana Lopes decidiu agir. Enquanto a Teresa ficou com medo de ser perseguida, a Vana entrou em contato com a Veja para colocar que ela era a responsável pelos documentos que expunham a Teresa.
Ela sempre pedia várias coisas, inclusive para ajudar com a comunidade das vítimas. A Vana ligava pedindo para escanear documentos. Antes de assumir o livro, já tinha um jeito todo jogado que tentava conseguir sempre o que ela queria.
Como ela tomou conta da narrativa?
Ela nos mandou o contrato do livro em setembro do ano passado. A filha da Teresa Cordiolli, a Rafaela, que é advogada, viu no papel que os direitos autorais seriam todos dela. Achei que algo estava errado. Antes disso, a Vana disse que tudo seria dividido entre as vítimas. A própria Teresa cobrou que o livro saísse no nome de todas nós.
A conversa que confirmou minhas suspeitas aconteceu dentro do meu carro. Numa carona, a Vana disse abertamente que o livro seria sua aposentadoria. Falei pra ela cair na real. Eu disse: “Você acha que vai ficar rica, mas isso não vai vender nada. O povo não lê nem gibi”.
A verdade é que ela queria ser a querida da mídia. Ali caiu a ficha para ela. Achou que devia fazer o livro sozinha. Como eu era a mais próxima dela, passei a ver as máscaras caindo. Ela ligava pro portal G1, prometendo uma reportagem exclusiva. E ligava em seguida pra Veja, prometendo a mesma coisa. Puxei a orelha dela, porque a Vana falava e ainda se expressa em nome de todas as vítimas.
Como entrou o Claudio Tognolli, biógrafo do Lobão, na história? E como ela conseguiu o prefácio do juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato?
A Vana Lopes sempre teve um contato com a editora Matrix, que acabou lançando o livro. Mas era outro cara que ia escrever o livro. No entanto, ela tinha o contato do Romeu Tuma Jr. [que lançou “Assassinato de Reputações” com Tognolli]. Acredito que ele tenha facilitado a entrada do Tognolli.
Quanto ao Moro, a Vana o conheceu quando foi indicada a página Vítimas Unidas para concorrer ao prêmio do jornal O Globo, o “Faz Diferença”. Ela concorria à mesma categoria do Sérgio Moro, mas ele acabou como “personalidade do ano”. Acredito que ela tenha conseguido o prefácio do livro ali.
Todo esse envolvimento da Vana Lopes com a mídia afetou as investigações do Roger Abdelmassih?
Sim. Acho melhor eu te explicar como foi a história da captura dele no Paraguai, em agosto de 2014.
O grande responsável pela captura do Roger foi o repórter Leandro Sant’Ana, da Record. O Leandro entrou nessa depois de uma reportagem da revista Poder, da Joyce Pascowitch. O jornalista mandou email para a Vana e para outras vítimas. A resposta veio imediatamente. Era um cara de TV e ela viu uma oportunidade para se expor ali.
A Vana Lopes falava direto com a imprensa e isso irritou o Leandro Sant’Ana. Ele então tentou pregar uma peça nela. Divulgou que estava em outra cidade, fora do Paraguai, e não deu mais informações. Quando Leandro conseguiu denunciar o Roger para a Polícia Federal, ele avisou a TV Record.
E então ligou para a Vana e pediu para ela não conversar com ninguém além das vítimas porque ele daria a notícia. O furo era dele.
A Vana ligou, novamente, prometendo uma exclusiva para a Veja, conversando com a jornalista Bela Megale. E ainda deu a informação errada de que o Roger Abdelmassih tinha sido preso no Brasil. A prisão ocorreu no Paraguai e o Leandro omitiu isso de propósito. A reportagem da Record então foi ao ar com os dados corretos.
A Vana Lopes sacaneou as vítimas e o repórter que mais bem acompanhava o caso e que efetivamente nos ajudou a encontrar aquele monstro.
Quanto ela e Tognolli distorceram a história real no livro?
Eu não li o livro inteiro ainda. O Leandro está preparando o dele e aponta diversos erros e fatos fictícios. Nós estamos ajudando.
As pessoas vêem o lançamento do livro dela com o Sergio Moro e dão credibilidade pois não conhecem os fatos. Essa história não é só a da Vana.
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