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Maria Victoria: “Não é só desânimo, não. É depressão”

"Quando vejo um grande intelectual, sociólogo, cientista político, que é o FHC, dizer que a corrupção começou com Lula, eu fico estarrecida. Como é que ele pode dizer uma coisa dessa? Acha que somos um bando de idiotas?".
publicado 02/07/2015
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O Conversa Afiada reproduz dos Brasileiros instigante entrevista da professora Maria Victoria Mesquita Benevides, autora de dois clássicos da análise da política brasileira: A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro, 1945-1965; e Ideologia do desenvolvimento, Brasil: O Governo Kubitschek - desenvolvimento economico e estabilidade politica. (Sob pressão do editor, a Paz e Terra, de alunos, colegas e admiradores, Maria Victoria se apressa em atualizar os dois, para relança-los, breve.)


“Não é só desânimo, não. É depressão”, diz Maria Victoria Benevides sobre a atual crise do PT



Para a socióloga, filiada ao partido desde sua fundação, a diferença entre o que foi dito na campanha de Dilma e o que aconteceu imediatamente após o governo ser empossado “chegou ao limite do suportável”

Manuela Azenha

“Não é só desânimo, não. É depressão”, diz Maria Victoria Benevides sobre a atual crise do PT. Para a socióloga, filiada ao partido desde sua fundação, a diferença entre o que foi dito na campanha de Dilma e o que aconteceu imediatamente após o governo ser empossado “chegou ao limite do suportável”.

Maria Vitória argumenta que os parlamentares petistas deveriam ter votado contra medidas provisórias do ajuste fiscal proposto pelo governo e que atingem os interesses dos trabalhadores. “O partido tem que preservar Dilma, claro que somos contra o impeachment, mas se colocar contra o ajuste fiscal como está sendo proposto”.

Para a socióloga, a bancada petista não se articula para pressionar o governo a seguir as diretrizes do partido porque falta uma liderança que coordene esse movimento. Além disso, os parlamentares estariam ligados a interesses econômicos de seus financiadores. Daí a importância de uma reforma política que acabe com o financiamento empresarial em campanhas políticas. Confira a entrevista na íntegra:


Revista Brasileiros – A senhora comentou que estava muito desanimada com a situação do PT. Por quê?
Maria Victoria Benevides - Não é só desânimo, não. É depressão. Foi uma aposta muito profunda. Um hino à esperança, que foi a fundação e a militância do PT. Me filiei logo no início e fui militante durante décadas. Eu já tinha ficado preocupada com partido em 2003,  levamos um choque com aquela Carta aos Brasileiros. Na hora, eu estava tão eufórica com tudo que eu não prestei atenção. Depois fui ver que era muito diferente de tudo que eu tinha participado como membro da campanha de governo, cuja comissão era dirigida pelo Celso Daniel e depois da tragédia, pelo Palocci. Essa mudança foi muito significativa. De qualquer maneira, no primeiro governo Lula, fiquei muito satisfeita com as políticas social e externa, com o Brasil no mapa, fazendo muito sucesso. Essa depressão profunda, ela não é causada, exclusivamente por esses tais malfeitos, como diz a Dilma. Nem pela fraqueza do governo Dilma. Porque uma coisa é o governo Dilma e outra coisa é o PT. Não me parece que estejam afinados e nem que a mazela de um dependa da mazela do outro.

Falando em primeiro lugar do governo Dilma. Se eu estivesse em um ministério, não sei se teria uma posição tão depressiva. Foi impossível não ficar deprimido e com uma sensação de que chegou no limite do suportável, em relação à brutal diferença entre o que foi a campanha da Dilma e o que começou a imediatamente ser o governo logo depois de empossado. A própria escolha de alguém como o Joaquim Levy foi um sinal gravíssimo. O ajuste fiscal, por mais que qualquer pessoa entenda que tem que ser feito um ajuste, que tem uma crise do parque industrial brasileiro, uma crise internacional, mas o ajuste ser feito com cortes em educação, em ciência e tecnologia, com as desonerações favorávis aos empresários, as terceirizações favoráveis aos empresários e pesando em cima dos trabalhadores, ou seja, é muita coisa que vai numa direção contrária àquilo que o PT sempre representou.


O partido deve se colocar contra o governo Dilma?
O partido está consciente de que o governo está fraco e acuado. Aqui eu sigo muito dois intelectuais petistas, que são Tarso Genro e André Singer. O partido se vê aliado e mais do que aliado, acuado pelo grande PMDB, que sempre foi de não ganhar eleição, mas de somar grandes poderes. Está claro que a Dilma entregou a política econômica para o Levy, a articulação política para o Michel Temer e sabe que não pode contar nem com o presidente da Câmara e nem com o do Senado. Então, o PT está apenas atuando como uma instância adminstrativa, burocrata, tentando acertar articulações pontuais em função de questões que estão em votação, MP, emendas constitucionais, muito timidamente na questão da reforma política e dos direitos humanos. Eu acho que o PT não está se movendo em nada propositvo. Está tentando gerenciar a crise, não há lideranças fortes do partido, não há mais sequer a hegemonia do grupo mais próximo a Lula.


O que o partido deveria fazer agora?
Lula, apesar de tentarem envolvê-lo no Petrolão e no chamado Mensalão, continua sendo o grande nome do partido e foi um erro não ter tido espaço para que outros assumissem uma liderança. Jamais seria uma liderança com as características históricas e de classe do Lula, mas teria sido importante o partido se preocupar com isso e não manter uma luta fratricida entre as facções internas. O pior de tudo é que não há realmente um projeto, que não é só um projeto de governo, mas de desenvolvimento nacional e de construção da nação.

Eu concordo com o Tarso Genro sobre a necessidade de refundação do partido. Eu defendi, seguindo a proposta dele, a refundação em 2005. E eu mesma dizia que tinha saído do momento de desencanto, não queria choro nem vela, tinha que partir para frente e ter propostas de dinâmicas para o partido, para não ficar só na defesa. É claro que a corrupção é um assunto importantíssimo, embora para mim não o mais importante. Mas é importante para o partido porque há uma aura moral do partido em relação aos outros, era a bandeira da ética. Eu ligaria essa ideia da refundação com a criação de uma frente política que englobe setores de outros partidos para reagrupar um pensamento de esquerda. Agrupar propostas sociais e econômicas decorrentes de uma posição que sempre foram das esquerdas, um desenvolvimento econômico, que não é crescimento econômico só, mas também social, a ênfase grande nas políticas sociais e de educação, uma discussão séria, para valer, com propostas concretas sobre reforma política. Eu não aguento mais falar de reforma política. Em 2003, depois de um ano de trabalho, um grupo de intelectuais cuja coordenação eu participei junto com Paulo Vannuchi e André Singer, ofereceu um livro com propostas de reforma política em varias áreas, reforma eleitoral, partidária, formas de democracia direta. Até hoje está exatamente como igual. Fomos a Brasília, entregamos na mão do presidente.


O PT deve se colocar contra o ajuste fiscal?
O partido tem que qualificar o ajuste fiscal. O ajuste, sim, mas prioritariamente em cima das classes abastadas. Ao invés de mexer no FIES, no fator previdenciário, vamos taxar as grandes fortunas, as heranças.


O partido deveria ter se colocado contra as MPs?
Não tenho a menor dúvida. Ou seja, voltar à questão que discutimos desde sempre, que é um imposto de renda progressiva. O ajuste não podia ser um remédio que você tapa o nariz e engole do jeito que está. Tinha que ser radicalmente negociado.


Por que o partido automaticamente apoia as medidas do governo?
Ficou muito difícil o partido negociar com o governo, era bem mais fácil no governo Lula. Não há lideranças fortes, o partido está muito dividido. Pensando no partido, o pior da questão da corrupção é que não apenas atingiu a alma moral do partido, mas levou a muita briga interna. Vamos pegar casos. Olha o sufoco que foi para o André Vargas sair do partido e o jogo de empurra-empurra entre eles. Eu não sei nem um décimo da missa do que acontece. Mas há uma briga interna muito forte.


Entre a turma do Lula e a Mensagem?
Acho que não tanto entre as duas correntes. Eu me identifico com a Mensagem. O grupo do Raul Pont, do Olívio Dutra também não aceitaram o ajuste fiscal, que são profundamente éticos, petistas e com raízes sindicalistas. O Vincentinho não aceitou, o Paulo Paim não aceitou. Mas não há uma liderança política e moral suficientemente forte para ser realmente um dirigente partidário. Eu não vejo isso hoje. Eu veria numa pessoa como Tarso Genro, por exemplo. Ele está propondo uma frente de esquerda que consiga apoiar o governo Dilma, porque é evidente que ninguém admite um impeachment na ausência total de provas. Eu vejo como o Tarso poderia assumir uma liderança dessas, mas, apesar dos altos postos que teve, ele nunca foi uma pessoa considerada eficiente na articulação política dentro do partido. Mas é muito respeitado no meio dos intelectuais e da classe média mais organizada.


Como que a frente de esquerda resolveria a crise no Congresso?
Essa frente não é necessariamente formada por parlamentares. Eu já fui convidada para participar de uma frente e eu me disponho a participar. Também não seria uma novidade. No início do partido, ele foi fundado como uma grande frente de esquerda, pois tinha os católicos de missa, os ateus radicais comunistas, os socialistas democráticos, o pessoal que veio da luta armada, os sindicalistas que não tinham nenhuma formação de esquerda. Se a gente voltar para uma proposta dessas, essa frente não precisa necessariamente se apresentar como um novo partido. Fiquei encantada com a experiência do Podemos, na Espanha, mas eles chegaram ao poder e começaram a ter um milhão de problemas. Aí você me pergunta por que o partido não colabora mais com o governo, em termos parlamentares. É porque infelizmente sem essa reforma política nós ainda temos uma ligação espúria dos candidatos com os seus financiadores, com os interesses econômicos. Assumem o poder e o mais importante é pensar na sua reeleição.


Apesar do partido na prática apoiar o governo, internamente é crítico?
Eu acredito que sim.


Dilma está isolada dentro do partido?
Não totalmente. É aquela coisa: ela é poder.


Quem que a apóia?
Eu acho que críticos quase todos são, até por motivos diferentes. Uma crítica que une todo mundo é a dificuldade do diálogo. Desde aquele diálogo mais oportunista, corporativo, clientelista, de nomeações, até questões mais graves, mais sérias de política econômica. Além de questões de política externa. Eu sei que há posições diferentes em relação a Venezuela, Bolivia, Irã, EUA. Toda a questão dos direitos humanos. Outro assunto que divide muito também é o das propostas em relação à regulamentação da mídia.


O PT ainda é capaz de dar os rumos da esquerda no Brasil?
Sozinho, não. Eu estou apostando na proposta do Tarso.


O PT deve romper a aliança com o PMDB?
Tenho uma reação pessoal terrível em relação ao PMDB, mas este PMDB que está lá assumindo poder: Renan Calheiros, Michel Temer, Eduardo Cunha. Mas ao mesmo tempo vejo como o PMDB não é um partido que dá para descartar.


Então o que a senhora sugere?
Não pode romper com o PMDB, mas tem que estabelecer uma negociação mais dura. É aquela coisa de dar a mão e eles quererem o braço e a perna. Isso é problema de governo fraco. Por isso que o PT virou um acessório do governo, tem que partir para uma participação maior. Não sei como ele vai fazer isso, mas acho que a Dilma está tão fraca e isolada, que era o momento do partido resolver seus problemas internos e assumir um papel maior lá. Não sei mais os grandes nomes do partido que estão no governo que podem ter um papel muito ativo….Jaques Wagner, Mercadante, Eduardo Cardoso, tem tido um papel tímido no governo. Realmente, é diferente do que foi o governo Lula, que tinha nomes brilhantes no governo e nas assessorias.


Então a senhora não acha que a estratégia de alianças do governo deva mudar?
Acho que deve mudar, mas nesse momento será muito difícil. Eu acho que a questão da crise econômica deve apavorar a Dilma, como aconteceria com qualquer governo, principalmente com a queda na produção industrial. Realmente está havendo uma queda feia. Para Dilma romper com o PMDB é praticamente impossível. Perdeu a Câmara, perdeu o Senado, entregou a articulação política para o Temer.  O PT tem que sair da defensiva. Ficou muito tempo na defensiva. Vamos proteger os companheiros e tal. Qualquer política democrática diz que qualquer pessoa indiciada, culpada ou não, tem que se licenciar, sair, deixar o cargo, e isso não foi feito. Eu vejo com muitos bons olhos um tipo de mídia que procura ter uma posição mais como vocês, mais séria e alternativa à manipulação e mentira e principalmente à hipocrisia geral. Quando vejo um grande intelectual, sociólogo, cientista político, que é o FHC, dizer que a corrupção começou com Lula, eu fico estarrecida. Como é que ele pode dizer uma coisa dessa? Acha que somos um bando de idiota?

Eu continuo muito aflita, deprimida, mas eu resolvi, lutando comigo mesma, não quero choro nem vela, nem fita amarela, quero essa frente política de esquerda que apresente um projeto de desenvolvimento, de reforma política.


De que forma esse projeto de desenvolvimento seria aprovado no Congresso?
É uma coisa de longo prazo. Essa frente tem que aparecer para dar uma perspectiva aos jovens e tirar essa pecha pavorosa em cima da política. Isso é um fenômeno mundial. A juventude está com horror à política, aos partidos. O sucesso do Podemos é que era um movimento, não um partido. Então, uma frente tem que aparecer com força, palavras de ordem, princípios, para dizer: tem saída através da política. A alternativa à política é a violência. Não existe outra forma de participar numa sociedade de massas, quando se quer uma democracia, uma república.  


A senhora acha que o partido deva se posicionar contra o governo Dilma, sob o risco de enfraquecer um governo já fragilizado?
Tem que preservar a Dilma e apontar a discordância em relação ao ajuste fiscal. Não quanto à necessidade do ajuste, mas às prioridades de quem tem que pagar mais nesse ajuste.


A essa altura ainda dá para reverter isso? O governo deveria voltar atrás?
Acho que o governo não vai voltar atrás. Mas, por exemplo, pode rever o tal do fator previdenciário, rever o que foi feito com o FIES. Pode usar medidas provisórias para resolver isso.


Mas a senhora enxerga um caminho para o PT daqui pra frente?
O PT não vai acabar e, com todos esses pesares, tem uma história que precisa ser preservada e levada adiante, mas está muito difícil. Eu quero participar dessa frente, mas estou bastante distante do partido.


Se o partido, em sua maioria, é critico ao governo, por que não existe a liderança que conduza esse movimento?
Não existe, inclusive porque o partido tem pouco espaço no governo. É um acessório, o PMDB tomou o espaço que era do PT. O PT tem que lidar com a garra do PMDB e tem que lutar contra a oposição hipócrita do PSDB, porque esse programa do Levy é o que o Aécio defendeu.


Por que o partido se enfraqueceu?
O partido perdeu muita base e ficou muito desmoralizado com toda essa história de corrupção, desde 2005. O partido foi minguando. Na USP, não encontro uma pessoa que venha defender o PT. Nos últimos anos que eu dei aula na graduação, até 2010, eu sempre perguntava se tinha gente filiada a partido, simpatizante. Durante toda minha vida lá, metade da classe levantava a mão. Nesses últimos tempos, duas pessoas, do PSTU e do PSOL. Não tinha mais ninguém do PT na sala. Perdeu muito do meio dos professores, das escolas públicas, haja vista todas essas manifestações, perdeu  no meio intelectual. Aqui na Alesp, fico extremamente solidária com Carlos Neder, mas ele tem que enfrentar um rolo compressor. Não passa nada.