Como Cunha vai em cana: passo a passo
Do Brasil Post:
Jurista Luiz Flávio Gomes acredita que Eduardo Cunha pode ir para cadeia e sugere 10 passos para isso acontecer
O jurista Luiz Flávio Gomes não tem dúvidas de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), está com sérios problemas quando o assunto é a Operação Lava Jato, que investiga um esquema de corrupção envolvendo empreiteiras e ex-diretores da Petrobras. Não é só: Gomes visualiza que o peemedebista pode sim acabar na prisão por seu suposto envolvimento.
O jurista, que é mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil, usou a sua página oficial na internet para pontuar os 10 passos que podem levar Cunha da presidência da Câmara para a prisão. A análise, segundo ele, não é política, mas sim levando em conta o que já se sabe até aqui, partindo da delação do lobista Julio Camargo, que afirmou ter sido pressionado a pagar US$ 10 milhões ao peemedebista.
“Esses 10 passos vão acontecer. A justiça brasileira está funcionando, ainda que de maneira lenta. Tudo está acontecendo, na velocidade da justiça, não se pode acelerar tudo sob pena de anular o que está se desenrolando nas investigações. Pode demorar um pouco, mas tudo o que eu listei vai acontecer, há provas boas para isso”, disse Gomes ao Brasil Post.
Confira o caminho que pode levar à derrocada de Cunha, segundo o jurista:
1. Julio Camargo (lobista das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras), em delação premiada, diz que pagou 5 milhões de dólares de propina ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Fernando Baiano teria levado outros 5 milhões. O doleiro Alberto Youssef já tinha mencionado o deputado como beneficiário de corrupção.
2. A delação só se converte em prova válida quando confirmada por outras provas. A palavra isolada do delator não permite nenhuma condenação. Se tudo for confirmado em juízo (de acordo com o direito vigente), Eduardo Cunha (certamente) irá para a prisão (por muito menos vários deputados petistas passaram pela chamada universidade do crime). A questão é saber quanto tempo isso vai demorar (com a Justiça morosa que temos).
3. Mas não cabe prisão preventiva contra deputados e senadores, desde a expedição do diploma respectivo (CF, art. 53, § 2º). Só podem ser presos em flagrante, em crime inafiançável. Fora do flagrante, nenhuma outra prisão cautelar (antes da sentença final) cabe contra deputado ou senador, os quais compõem uma das castas mais protegidas do país. São (quase) intocáveis.
4. E se Eduardo Cunha (ou qualquer outro parlamentar) ameaçar testemunhas ou delatores ou tentar ocultar provas? Esses são os principais motivos constitucionais para se decretar a prisão preventiva de qualquer mortal, salvo de alguns acusados privilegiados, como os parlamentares (que são tratados como cidadãos distinguidos – trata-se do direito penal “muy amigo”).
5. O que cabe imediatamente contra Eduardo Cunha que estaria se valendo do seu poder (do seu cargo) para coagir testemunhas ou seus familiares e ocultar provas? A polêmica é grande, mas não há dúvida que ele poderia ser afastado da presidência da Câmara, nos termos do art. 319, VI, do CPP (a medida só poderia ser decretada pelo STF, a pedido do Procurador-Geral da República) (o justo receio do uso do cargo para a prática de infrações penais seria o fundamento).
6. Em nenhum país do mundo menos corrupto (os 10 melhores colocados no ranking da Transparência Internacional) a presidência da Câmara dos Deputados seria ocupada por alguém acusado (com provas mínimas válidas) de ter recebido 5 milhões de dólares de propina. A cultura desses países (do império da lei e da certeza do castigo) é totalmente distinta da permissividade que vigora nos países plutocratas, oligarcas e ‘cleptocratas’ como o Brasil (onde está difundida a ideia e a ideologia de que os privilegiados estão acima da lei).
7. A prisão de Eduardo Cunha (se todas as acusações ficarem provadas) só deverá ocorrer depois de condenação criminal com trânsito em julgado. Antes disso, tem que acontecer uma acusação formal (denúncia) do Ministério Público. A denúncia deve ser formalmente recebida pelo Pleno do STF. Enquanto os deputados e senadores são julgados pelas Turmas da Corte Máxima (1ª ou 2ª: o caso Petrobras está na 2ª), o presidente do Senado ou da Câmara é julgado pelo Pleno (11 ministros).
8. Ninguém pode ser condenado criminalmente sem provas válidas. As provas são produzidas dentro do devido processo legal. Depois da condenação penal definitiva cabe à Câmara decidir sobre a perda do mandato parlamentar (CF, art. 55, § 2º).
9. Na condenação o STF define o tempo de duração da pena de prisão assim como o regime cabível (fechado, semiaberto ou aberto).
10. Logo após o trânsito em julgado a Corte Suprema emite a carta de guia e o condenado começa a cumprir sua pena, em estabelecimento penal compatível com o regime fixado.
“Desrespeito às instituições”
Luiz Flávio Gomes vê como “desespero” a forma com que Eduardo Cunha rompeu com o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), com direito a ataques contra o juiz Sérgio Moro e contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Para o jurista, trata-se de um “total desrespeito às instituições”, algo que pouco ajuda na própria defesa do parlamentar.
“Essa atitude dele (Cunha) desmonta o Brasil. Não é por esse caminho. Ele tem direito à defesa, mas não é atacando as instituições que se faz isso. A justiça tem o seu tempo, tudo tem de ser construído com provas, e é a existência dessas provas que nos traz ao atual momento (...). A estratégia dele é um pouco de desespero, atacando todo mundo. Se o PT interferisse na Lava Jato, o interesse seria livrar a pele do partido”, comentou.
Gomes ainda exaltou o recurso da delação premiada para a aplicação da justiça no Brasil. "Foi uma revolução. Antes era muito difícil provar, havia uma lei do silêncio entre os criminosos. Era um tempo no qual a justiça tinha que correr atrás de tudo. Agora, o delator dá todas as pistas, facilita 99% do trabalho da polícia e da justiça. É uma questão de cruzamento de dados, comprovando o que de fato aconteceu".
A reportagem insistiu em saber do jurista os motivos dele estar tão confiante na queda de Cunha. Ele assim respondeu: “A chance de condenação (de Cunha) é muito grande. A polícia vai chegar e descobrir provas e ele será condenado. Antes disso, é preciso ter em mente a necessidade da saída dele da presidência da Câmara. É perigoso para o País ele lá permanecer”, disse.
Segundo várias matérias publicadas nos últimos dias (aqui e aqui), há uma expectativa de que Rodrigo Janot ofereça denúncia ao Superior Tribunal Federal (STF) contra Cunha – o que não aconteceu até o momento. De sua parte, o peemedebista negou todas as alegações de Julio Camargo e disse “nada temer” quando o assunto é a Operação Lava Jato.
Leia também: