A primeira estrela: biografia de Marisa Letícia resgata seu protagonismo
Via Rede Brasil Atual - Camilo Vannuchi conheceu Marisa Letícia em 1986. Tinha 7 anos e acompanhava o pai, Paulo Vannuchi – que viria a ser ministro dos Direitos Humanos em um ainda inimaginável governo Lula –, num dia de intensa atividade da campanha do então metalúrgico a deputado constituinte. “Já era noite quando passamos na casa do candidato para repor material e para que Lula pudesse ver a família e dar alguns telefonemas. Ainda faltava uma última agenda a cumprir. Meu pai estava preocupado comigo. Já não era mais hora de zanzar pela rua. ‘Deixa ele aqui com os meninos’, convidou Marisa. ‘Se ele quiser dormir, tem lugar’. Fiquei.”
Mais de três décadas depois, o jornalista Camilo Vannuchi conta essa e muitas outras histórias no livro Marisa Letícia Lula da Silva, da Alameda Editorial. A obra, com 408 páginas e 40 fotografias, está em pré-venda (R$ 64). Será lançada no próximo dia 6 de fevereiro em São Paulo, no bar Canto Madalena, e no dia 10 no Rio de Janeiro, na Livraria Leonardo da Vinci. Marisa morreu em 3 de fevereiro de 2017, a dois meses de completar 67 anos.
“Essa memória veio clara na minha cabeça”, relata Camilo. “Lembro de episódios muito prosaicos. O Marcos Cláudio (filho do primeiro casamento de Marisa), que devia ter uns 14 anos, fazendo tostex de presunto e queijo para aquelas crianças famintas. E eu brincando ali com o Sandro (então filho mais novo de Lula e Marisa, que ainda teriam Luís Claudio, além de Fábio, o mais velho), um ano mais velho que eu, de heróis, bonequinhos.”
A relação com a família, no entanto, sempre foi eventual. Camilo avalia ter falado com Dona Marisa não mais do que cinco vezes e outro tanto desse em que só a cumprimentou. Para narrar a vida de Marisa, entrelaçando-a com a história do país, pesquisou por quase três anos, visitou lugares por onde a história de Marisa se passou, fez apurações rigorosas e entrevistou mais de 90 pessoas. “Fiz uma entrevista com a Marisa em 2009, uma única vez, para uma revista, sobre a prisão do Lula de 1980.”
A ideia da biografia surgiu no lançamento de outro livro escrito pelo jornalista, com as memórias do empresário José Alberto de Camargo, então presidente do Instituto Cidadania. Era 2007. A primeira-dama foi ao lançamento, em Brasília. Foi lá que o empresário sugeriu a Marisa Letícia contar suas memórias também. Camilo concorda com a ideia, diz que gostaria muito de ler, e Camargo afirma-lhe: “Você vai escrever”.
O assunto que começa como aparente brincadeira passa a pautar os encontros posteriores entre o escritor e a biografada. Em 2015 ela topa, depois de muitas conversas com Lula, os filhos, noras, amigas. Mas a produção vai sendo adiada. “Quando a gente enfim achava que iria começar, fomos surpreendidos pelo AVC”, lamenta o escritor. “Queria fazer um livro de memórias dela, ouvi-la e colocar no papel as histórias da Marisa.”
Camilo acredita ter colhido histórias que nem Lula conhece. “Tem um capítulo do livro em que me dedico a contar a história da família paterna e materna da Marisa. E tem pelo menos um episódio que eu tenho quase certeza que o Lula não conhece que foi o dia em que a Marisa resolveu procurar um advogado: ‘Vou me divorciar do Lula’. Não sei se Lula ficou sabendo.” O trabalho resgata também um convívio com amigas, e troca de mensagens, que tampouco Lula chegava a ter acesso.
“Fui dessas pessoas que achava que ela poderia ter feito mais, que não deveria ter sido dona de casa a vida inteira, que ela poderia ter uma atividade, uma atuação política do PT com a pegada dela”, lembra o escritor, que chegou a pensar em desistir até que foi cobrado pelo próprio Lula no hospital.
Marisa foi internada em 24 de janeiro e Lula tocou no assunto dia 2 de fevereiro de 2017. “Naquela semana, entendi que escrever havia se tornado não mais uma possibilidade, mas uma missão”, revela, adaptando a ideia para biografia. “Preferia mil vezes ter feito as memórias da Marisa, que ela continuasse aqui e fosse no lançamento com a gente.”
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Camilo Vannuchi à RBA.
“Nunca vou entrar aí. Não tem nada a ver morar num palácio desses”
“Essa frase está no começo do livro, quando Dona Marisa viu Brasília na primeira vez em que lá esteve, em 1981, 20 anos antes da eleição de Lula para a Presidência da República. Nesse momento, ela relata um “filme” que passou pela cabeça: o início da vida como trabalhadora, o encontro com Lula, a atuação sindical, a fundação do PT. Esse tipo de construção, saber o que Marisa pensava, foi inferido, uma coisa de pesquisa. Eu assumo no livro, ele é feito como um romance de não ficção. Nada ali foi inventado. É uma história real, mas na hora de narrar eu crio nuances que acho que seriam importantes para instigar o leitor e conduzir o fio da meada.
Preferi fazer como um romance. É um pouco do que aprendi com os escritores (biógrafos) que mais gosto de ler: Fernando Morais, Caco Barcellos, Ruy Castro. Você constrói diálogos ali, reconstrói uma experiência de inserir o leitor no momento que a gente está contando. Não sei se fui feliz, mas foi esse meu objetivo.
Para mim era fundamental essa história do começo, da abertura do livro. E Marisa conta em uma entrevista de um chilique que ela teve. Eles estão passando pelo setor das embaixadas e chega uma hora em que ela fala: jamais vão deixar a gente chegar no poder, sempre vão impedir, vão inventar alguma mentira, vão mandar prender alguém, vão fazer alguma coisa. Vamos parar, esquece partido político, esquece CUT, esquece sindicalismo. Isso é muito marcante porque em 2002 Lula foi eleito. E isso tem uma construção simbólica muito importante: o ex-operário, a dona de casa, como os novos inquilinos do Palácio da Alvorada.”
Figura pública
“Dona Marisa nunca escolheu ser uma figura pública. De repente ela foi compelida. Não dá para ser esposa do Lula ou filho do Lula impunemente. É a pessoa pública mais conhecida e importante do Brasil hoje, em 2020, e já era desde 1980 um protagonista gigantesco. Quando ela se apaixonou pelo Lula, ele não era nem presidente do Sindicato dos Metalúrgicos ainda. Ele era secretário ali. Dizendo pra ela que ia voltar para a Villares, que era a fábrica onde ele trabalhava. ‘Vou voltar a ser metalúrgico. Ah, eles querem que eu seja presidente do sindicato, mas são só três anos, é só um mandato; depois só mais um…’ Isso foi criando essa pessoa que nunca largou a política, a militância, o ativismo. E a Marisa foi indo junto.”
Confira a íntegra da reportagem da Rede Brasil Atual
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