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A única saída é a eleição

Wanderley acha que um respiro na Economia não vai dizer nada para o eleitor
publicado 03/03/2018
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O professor Wanderley Guilherme dos Santos lançou seu 32o. livro "A Democracia Impedida - O Brasil no Século XXI" em 2017, pela FGV Editora

O Conversa Afiada reproduz do caderno Eu&Fim de Semana, do PiG cheiroso, magnífica entrevista do professor Wanderley Guilherme dos Santos à magnífica repórter Maria Cristina Fernandes:

(...)

Wanderley Guilherme: A que serviu o pretexto da pedalada? Queriam o poder. Tiraram. E só prevaleceram pelo que me parece ser o cimento de todas essas forças, que é impedir o retorno da centro-esquerda ao circuito de poder no Brasil. Nem mesmo o período militar deixou de ter os seus representantes nacionalistas do Exército. Fascistas, mas do ponto de vista de política econômica, assinando alguns itens da pauta que sempre foi da centro-esquerda. Isso desapareceu. A desarticulação das políticas socias e do sistema político é tal que não pode haver solução antes das eleições de outubro.

Valor: É o grande desaguadouro disso tudo?

Wanderley Guilherme: A única saída democrática para esse imbróglio entre todos - e não apenas entre os conservadores e os progressistas, mas entre os próprios conservadores - são as eleições de outubro. O problema é que, para os grupos no poder, essas eleições não podem resultar na vitória da centro-esquerda. Serão oito meses de agonia, durante os quais não haverá decisão democrática sobre nada relevante no país. Todas as decisões tendem a ziguezaguear. A abordagem, as perspectivas, a linguagem, as propostas da maioria das lideranças do país, de todo o espectro político, inclusive da esquerda, não são incultas; são vulgares. É vulgar o conteúdo e a forma de apresentar. As declarações do presidente da República me envergonham como brasileiro. Eu fico envergonhado, também, por várias declarações da esquerda.

(...)

Estamos vivendo uma tragédia grega com alteração no desfecho. Na tragédia grega todos os atores agem sabendo que não vão escapar do destino, não importa o que façam. Todos que estão, hoje, no processo político brasileiro, com as posturas que estão tendo, sabem que o que desejam não vai acontecer. Só que não podem agir de outro jeito, tal como numa tragédia grega. Os militares não podem desobedecer ao presidente da República, mas sabem que a intervenção não vai funcionar. Michel Temer sabe que ele não vai obter sucesso com nada do que faz, mas não pode deixar de fazer.

Valor: E o que é uma tragédia grega sem destino?

Wanderley Guilherme: Não sei, porque ao contrário da tragédia grega, em que a explicação era a moira, o destino, aqui quem vai resolver é o acaso. Como foi o acaso que criou aquelas condições para aquele espetáculo de 17 de abril [impeachment]. Só o acaso explica aquilo. Não foi destino, não foi racional, não foi nada. O papel do imponderável hoje é enorme, na medida em que a consciência deixa de ter poder causal. E irrelevante você ter consciência do que está acontecendo ou do que pode acontecer.

Valor: Mas o eleitor também está à mercê do acaso?

Wanderley Guilherme: Não, acho que o eleitor está, como sempre, muito dividido. Sempre tinha uma minoria numa ponta e noutra e o resto se espalhando pelas posições intermediárias. Essas duas pontas aqui estão radicalizadas, principalmente na internet

Valor: Num texto recente o senhor diz que a politização aumentou, mas ninguém vai para a rua. Qual a consequência disso?

Wanderley Guilherme: Não sei. E esse é um dos dramas, não apenas no Brasil. Hoje há um poder de formação de convicções que têm vida curta. São micróbios.

Valor: Vem dessa fragmentação a crise da ação coletiva?

Wanderley Guilherme: Você não tem manifestações a favor de nada, só contra, fica difícil construir uma ação coletiva. Esta é uma das miopias da esquerda. Lula e seus assessores mais próximos estavam movidos pela expectativa de sucesso na via judicial pela mobilização, mas a rua tem sido irrelevante para o Judiciário. Antes a esquerda acreditava que em Lula ninguém ia mexer. Mexeram. Levaram para depor. Fizeram de tudo. Mexeram no que eles [os petistas] chamam de "a cama de dona Marisa". Não houve reação. Foi condenado e também não aconteceu nada. Todo mundo foi para casa.

Valor: O que sugere que se Lula for preso também não vai acontecer nada...

Wanderley Guilherme: Nada. Exceto o que vem acontecendo: as pessoas vão para rua, falam, falam. A senadora Gleisi Hoffmann disse que vai "correr sangue". Como é que a presidente de um partido como o PT faz isso? Eles representam o povão que não tem recurso de violência, numa situação em que estão na defensiva, pedindo socorro ao Judiciário, e ameaçam correr sangue em reação a uma decisão do Judiciário? Eles não percebem o comportamento esquizofrênico? Não se pode ao mesmo tempo dizer que o Judiciário persegue e pedir licença para ser candidato. Se isso não é óbvio, eu não sei o que diabo é óbvio.

(...)

Valor: Mas o que pode acontecer com o calendário eleitoral?

Wanderley Guilherme: Uma participação militar do Brasil na Venezuela, por exemplo, suspende a eleição. Não estou dizendo que vai acontecer, o que estou dizendo é que o custo de uma solução ilegal para o processo eleitoral é cada vez maior. Hoje o custo mais baixo para resolver todas as pendências é a eleição de 2018, cumpridos seus resultados, seja quais forem. O resto, tudo tem custo alto. O custo de retirar, suspender a intervenção, é elevadíssimo agora. E o custo de permanecer, dependendo do que aconteça, pior. É esta a tragédia grega.

Valor: Mas, se o governo tivesse em mente uma operação na Venezuela, por que teria submetido as Forças Armadas a esse desgaste no Rio?

Wanderley Guilherme: Eles não tomam medidas porque tomaram aquela outra. Não existe isso. O grupo do poder não pensa nas consequências. Dependendo da reação, eles recuam aqui e ali. Se der, vai, se não der, não vai. A Eletrobras ia vender, não vai mais? E a Embraer? Vai se unir com a Boeing ou não? Não vejo possibilidade de nada melhorar antes das eleições.

Valor: Mas não há um respiro na economia?

Wanderley Guilherme: Não quer dizer nada do ponto de vista político. Ao conseguir um emprego você não recupera a confiança que já teve. Toma tempo se recuperar de um trauma e confiar na rotina.

Valor: Devido à percepção de que o país está comandado pelo acaso?

Wanderley Guilherme: O respiro não vai afetar o humor da população, que, ao longo desses oito meses, vai ficar ainda mais apreensiva por conta de tudo que passou. E a essa altura não é só o problema do emprego. A renda caiu muito e tem o problema da segurança. O povo está atordoado. Não entende o que está acontecendo com o país. Não é para entender, porque não tem inteligibilidade no que está acontecendo.

Valor: Mas queria voltar à comparação entre os papéis de Lula e de Fernando Henrique, como as duas reservas de liderança política no país. Como o senhor viu a articulação de Fernando Henrique para viabilizar Luciano Huck?

Wanderley Guilherme: Fernando Henrique está tentando desesperadamente livrar a direita de uma derrota porque sabe que [Geraldo] Alckmin, [José] Serra, João [Doria], qualquer um perde a eleição. Talvez tenha a percepção, ou o temor, de que neste caso o grupo que vai perder, tal como já violou a Constituição antes, viole de novo. Peça para violar. É a tradição da UDN. Então, eu até entendo o Fernando Henrique. Ele está com muita clareza. Tem mais de lucidez desesperada do que "gagazice". Não acho que esteja gagá. Vão perder. Então está fazendo um esforço monumental para ser competitivo. Teme que, do jeito que está a vulgaridade, essa tropa toda vá para rua querendo militar.

Valor: Esse desespero justifica um nome a qualquer custo?

Wanderley Guilherme: Que outra coisa ele pode fazer senão tentar? Ele nem mesmo detém o partido. Só tem o nome público. A máquina é de Alckmin, que vai perder.

(...)

É difícil tirar o Ciro, o Boulos, ou o PT. O primeiro turno vai ser do jeito que sempre foi. Um bando de candidatos que concorrem para fazer bancada. Mas a esquerda só perde se for idiota

Valor: E o que é ser um competidor idiota?

Wanderley Guilherme: É lançar um candidato único agora. Quem quer que surja com essa força vai ser decepado pela Lava-Jato, como aconteceu com [ex-ministro] Jacques Wagner. O PT, como partido mais importante da esquerda, deveria conversar sobre eleição e definir candidatura mais para frente quando o calendário eleitoral já estiver assegurado. Esta é a campanha. Garantir a legitimidade da eleição. Ela é legal. Está de acordo com o cronograma, com os ditames da Constituição. Só se o eleitorado for coagido e violarem as urnas é que se pode falar em fraude. Mas isso é depois da eleição.

(...)

Valor: O senhor fala da centralidade da eleição, mas o Brasil não corre o risco de eleger apenas mais um refém de um Congresso carcomido?

Wanderley Guilherme: A campanha para presidente tem que deixar claro que o eleito tem que pedir autorização ao Congresso para fazer um plebiscito revogatório de uma série de medidas. No período de graça o governo consegue tirar isso do Congresso. Não é revogar tudo. Tem que começar a discutir uma pauta desde já.

Valor: Mas o Congresso a ser eleito será mais ou menos aquele que votou essas medidas a serem revogadas. Isso não afronta o mandato desses parlamentares?

Wanderley Guilherme: E daí? Foi o mesmo Congresso que votou as medidas do Lula e da Dilma [Rousseff]. Mudam e votam. Já votaram as leis de quilombola e agora estão tirando. Votaram as leis de proteção à Amazônia que agora estão tirando. Vota e tira, mas isso só acontece no período de graça.

Valor: Mas seja quem for eleito, será presidente por uma margem muito pequena. E, se perde, já começaria derrotado...

Wanderley Guilherme: Aí acabou. Mas eu não vejo outro meio. Qualquer candidato com expectativa de ser positivo para as classes mais vulneráveis tem que imaginar como fazer isso. Senão, para que vai se eleger? Só se está iludido que vai fazer maioria. Porque não vai.

Valor: Essa defesa de um plebiscito contraria uma posição histórica sua contra democracia direta...

Wanderley Guilherme: Uma coisa é submeter um programa no início do governo, outra é chamar o povo o tempo inteiro para votar. Isso sou contra. Mas o plebiscito e o referendo são recursos constitucionais legítimos em situações excepcionais. E a situação é excepcional.

Valor: Mas para que submeter o programa de governo a um plebiscito se o candidato acabou de ser eleito?

Wanderley Guilherme: O eleitor elege lado, não o programa. Não é para dar carta branca. Tem que ser específico. São coisas que deveriam estar sendo pensadas junto com o problema fiscal do país. Não é apenas "vou acabar com as maldades de Temer". É realmente fazer alguma coisa que possa sustentar os quatro anos de negociação com o Congresso que vamos ter.

Valor: O presidente eleito propõe um plebiscito desses e a bolsa despenca para 20 mil pontos...

Wanderley Guilherme: Quinze dias depois, sobe. Imagina se esse pessoal vai deixar de ganhar dinheiro? Cai quando ficam com medo de perder dinheiro, mas depois volta. Bolsa e [Jair] Bolsonaro não entram na minha equação porque não têm nenhum efeito de longo prazo.

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