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Advogado de Lula: “Acharam o culpado, agora precisam provar culpa”

Entrevista de Cristiano Zanin Martins à Carta Capital
publicado 14/08/2016
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Créditos: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

O Conversa Afiada reproduz entrevista de Cristiano Zanin Martins, advogado do ex-presidente Lula, ao jornalista Rodrigo Martins da Carta Capital:

CartaCapital: Por que a defesa de Lula questiona a competência do juiz Sergio Moro?

Cristiano Zanin Martins: Por uma razão simples: os fatos que dizem respeito ao ex-presidente Lula não tem nenhuma vinculação com a Vara Federal de Curitiba. São fatos que, em tese, teriam ocorrido no Guarujá, em Atibaia ou na capital paulista. Todas essas cidades estão situadas no Estado de São Paulo. Não há nenhum elemento concreto que possa estabelecer relação com Curitiba ou com o caso da Petrobras.

CC: Não? Os procuradores sustentam que Lula recebeu propina ou vantagens indevidas das empreiteiras investigadas na Lava Jato.

CZM: Pois é, mas precisa haver um elemento concreto para justificar isso. Se você só tem um discurso, isso não é capaz, do ponto de vista técnico e jurídico, de promover uma mudança de competência.

CC: O Ministério Público Federal manifestou-se contra esse pedido da defesa. Por meio de nota, o senhor qualificou a peça como uma tentativa de condenar Lula “por meio de manchetes de jornais e revistas”.

CZM: Primeiro, é importante registrar que a peça deveria discutir, exclusivamente, a competência ou incompetência do Juízo. Aproveitou-se, porém, para fazer afirmações absolutamente descabidas em relação a Lula, para que essas informações municiassem manchetes de jornais e revistas. Ou seja, na falta de elementos concretos contra o ex-presidente, elaborou-se uma peça com afirmações contundentes, mas sem nenhum respaldo comprobatório e sem nenhum elemento novo.

(...)

CC: A OAS figura como proprietária do tríplex no Guarujá. Os procuradores dizem tratar-se de uma dissimulação. Segundo eles, o imóvel foi adquirido e reformado em benefício de Lula e sua família. O que diz a defesa?

CZM: Eles dizem que foi adquirido, mas onde está a prova? Eles não têm essa prova, justamente porque não houve aquisição do imóvel. Já demonstramos, com farta documentação, que a dona Marisa Letícia [esposa de Lula] investiu valores, de 2005 a 2009, em uma cota da cooperativa habitacional Bancoop, e depois o empreendimento tocado pela cooperativa foi transferido à OAS. Quando ocorreu essa transferência, os donos das cotas puderam optar entre pedir o resgate do valor investido ou usar o valor como parte do pagamento de uma unidade. A Dona Marisa optou por pedir o resgate do valor investido.

CC: Os procuradores sustentam que o imóvel foi reformado para Lula.

CZM: Como se pode atribuir a propriedade do imóvel a ele, sendo que o ex-presidente esteve uma única vez no local? Ele olhou e não teve interesse. Nunca usou, nunca ocupou, nunca usufruiu... É uma propriedade absolutamente diferente do que a legislação prevê e até mesmo o senso comum imagina. A reforma, se foi feita, deu-se em um imóvel da OAS. O ex-presidente não teve qualquer fruição disso. Por essa mesma lógica dos procuradores, qualquer pessoa que visitar um imóvel à venda torna-se automaticamente proprietária.

CC: Segundo os procuradores, há elementos de prova de que o sítio em Atibaia pertence a Lula, e o imóvel recebeu benfeitorias custeadas por José Carlos Bumlai e pela Odebrecht .

CZM: Primeiro, eles não apresentaram prova alguma. Segundo, eles nunca vão apresentar, por uma razão clara: os proprietários do sítio, Fernando Bittar e Jonas Suassuna, apresentaram aos investigadores um volume enorme de documentos, que mostra desde a origem dos recursos usados para comprar o imóvel até os valores empregados em reformas. Nos inquéritos, há as provas feitas por Bittar e Suassuna que comprovam: eles são os proprietários e investiram nas benfeitorias. Os procuradores não têm prova, tanto que ainda não as exibiram. Eles têm ilações, hipóteses, que já foram fulminadas pelos documentos apresentados.

CC: Neste caso, Lula e sua família frequentavam o sítio.

CZM: Isso foi esclarecido há tempos. Jacó Bittar tinha interesse de ter um local no qual pudesse conviver com o ex-presidente e seus familiares. Eles são amigos há 40 anos. Jacó decidiu comprar, através do filho Fernando, essa propriedade. Depois, juntou-se Jonas Suassuna. Lula frequentou o local como visitante, como amigo. Frequentar um local não torna a pessoa dona do imóvel. O presidente Lula tem, sim, um sítio, mas ele fica localizado em São Bernardo do Campo e chama-se “Los Fubangos”.

As investigações chegaram ao ponto de confundir afirmações que Lula fez em relação ao sítio de São Bernardo com o de Atibaia. A Polícia Federal fez essa confusão em um relatório, no qual analisa a transcrição das conversas interceptadas do ex-presidente. Num dos diálogos, Lula faz referência ao sítio Los Fubangos, e pede para pegar as chaves do imóvel com um dos seus filhos. A PF, desconhecendo esse fato público e notório, propositadamente talvez, diz que Lula referia-se ao sítio de Atibaia.

(...)

CC: O Instituto Lula diz que os procuradores da Lava Jato incorreram diversas vezes em pré-julgamentos em relação ao ex-presidente. E observa que alguns deles disseram fazer parte do “time” de Moro.

CZM: De fato, procuradores concederam diversas entrevistas, com antecipação de juízo de valor em relação ao ex-presidente. Isso é proibido. É uma conduta que não se pode tolerar de um membro do Ministério Público que está conduzindo uma investigação. Ele precisa concluir as apurações para, depois, apresentar os seus resultados. Aqui foi diferente. Ao mesmo tempo em que investigavam, já emitiam juízo de valor depreciativo e difamatório em relação ao ex-presidente Lula. Como isso viola regras e preceitos jurídicos, levamos essa situação ao Conselho Nacional do Ministério Público, que abriu uma sindicância em relação a um procurador que teve essa postura, Carlos Fernando dos Santos Lima.

O juiz Sergio Moro também fez antecipação de juízo de valor em relação a esse assunto. Ao encaminhar um documento ao Supremo Tribunal Federal, no dia 29 de março, Moro relacionou 12 acusações contra Lula, além de antecipar juízo sobre o sítio de Atibaia, dizendo que Fernando Bittar seria um proprietário formal, enquanto Lula era o dono de fato. Como pode dizer isso no momento em que sequer havia acusação formal do Ministério Público? Como disse, há uma ideia pré-concebida, o que denota uma parcialidade incompatível com a figura do julgador. Quando antecipa o juízo, torna-se suspeito.

CC: O senhor acredita que há um objetivo político nessas ações?

CZM: Acredito que essas ações estão assentadas num tripé. Primeiro, há uma perseguição política. Segundo, há violações claras às garantias fundamentais e aos direitos humanos. E, por fim, há um preconceito em relação à figura do ex-presidente Lula.

CC: Adianta trocar os procuradores e o juiz responsável pelo caso?

CZM: Uma ação regida pelo devido processo legal irá constatar que Lula não praticou nenhum crime. Por isso, fizemos aquele comunicado às Nações Unidas. A divulgação de conversas interceptadas no âmbito do processo penal é ilegal, pode configurar crime e fere garantias fundamentais. Isso foi reconhecido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que condenou a Itália por ter divulgado as conversas de um dos réus no âmbito da Operação Mãos Limpas. A Lava Jato passou por cima dessa realidade e reproduziu no Brasil, em relação a Lula, a mesma violação. Tenho convicção de que o Comitê de Direitos Humanos da ONU irá igualmente condenar essa prática.