Aplicativo de apoio a Bolsonaro pode roubar as suas senhas
(Imagem: The Intercept Brasil)
O Conversa Afiada reproduz trecho de reportagem de Gabrielly Oliveira, João de Mari e Camila da Silva no Intercept Brasil:
SE ALGUÉM TE MANDAR UM ARQUIVO ‘.EXE’ DO BOLSONARO, NÃO ABRA
ENTRAMOS NO GRUPO público de WhatsApp Resenha Política em julho para uma experiência antropológica: acompanhar as 256 pessoas que lá passam o dia tratando de política e segurança pública e também compartilhando algumas fake news. O grupo é quente e as conversas rendem tipo 2,5 mil mensagens por dia (!). No entanto, os debates apaixonados acontecem mesmo quando os integrantes falam de seu principal assunto: Jair Bolsonaro. “É contra o aborto, é contra o kit gay nas escolas, é contra a ideologia de gênero. É por isso e muito mais que eu voto e faço campanha de graça para Jair Messias Bolsonaro”, disse um participante, elencando seus motivos.
Os aficcionados do Resenha Política foram os escolhidos para receber em primeira mão o anúncio do lançamento do Bolsocop, um programa de computador que não poderia ser mais descarado: ele transforma os usuários que instalam o arquivo .exe em robôs de spam, que compartilham automaticamente no Facebook publicações da campanha do deputado.
O Bolsocop nada mais é do que uma espécie de browser com as cores da bandeira nacional (lógico) que serve basicamente para abrir o Facebook. O usuário deve entrar com login e senha pessoal. Instalado e logado no rede, o aplicativo começa a postar automaticamente conteúdos dos perfis oficiais do Bolsonaro em todos os grupos ao qual o usuário tem acesso e também em sua timeline. A pessoa vira um replicador zumbi de conteúdos, dando impressão que, publicamente, os assuntos são mais relevantes do que de fato são.
O objetivo do Bolsocop – que parece uma alusão ao Robocop, o policial humanóide –, segundo seu anúncio oficial, é criar um “exército de robôs” para combater as fake news relacionadas ao candidato. E ainda torce: “Imagine quantos milhões de pessoas podemos alcançar por dia? Podemos eleger Bolsonaro no primeiro turno”. Acontece que o Bolsocop viola a Lei das Eleições, que proíbe o uso de perfis falsos e robôs nas redes sociais para fazer propaganda eleitoral.
A mensagem enviada ao Resenha Política não trazia informações sobre os responsáveis pelo programa, apenas um link para download. O arquivo tipo .exe é daqueles que podem, literalmente, fazer qualquer coisa com o computador da pessoa que o baixar – de espionar a câmera a roubar senhas de banco, por exemplo.
Sou um robô do Bolsonaro’
Fomos atrás dos responsáveis e descobrimos que o aplicativo foi desenvolvido por um site chamado JF Startup Studio, uma empresa de Ji-Paraná, em Rondônia, que promete desenvolver softwares que ajudam no desempenho de vendas ou anúncios, com produtos que enviam mensagens de WhatsApp ilimitado, aumentam seguidores e curtidas no Instagram. No site, o texto marqueteiro diz que a empresa é capaz de transformar “o seu computador em uma verdadeira máquina de vendas!”.
Ligamos para o número de telefone publicado no site. Quem nos atendeu foi Jonatas Freira da Silva, sócio da empresa. Ele diz que a iniciativa não tem vínculo formal com o candidato. “Nós desenvolvemos o programa voluntariamente para combater notícias falsas que muitos usuários do próprio Facebook espalham a respeito do Bolsonaro.”
Silva contou que irá votar (claro) em Bolsonaro e que cerca de 40 pessoas já estão usando o programa ativamente. Perguntamos se ele não acha que é um número pequeno de downloads. “Por enquanto só divulgamos o app em um grupo de amigos e fizemos alguns comentários em posts no perfil oficial do Bolsonaro convidando os apoiadores a baixar”, explicou.
Segundo Silva, uma versão mais elaborada do software seria lançada na terça-feira passada. Pouco antes da publicação da reportagem, questionamos em outro grupo de WhatsApp, o ‘BolsoCop – Somos robôs’, criado para tirar dúvidas sobre o aplicativo, sobre o lançamento da versão. Imediatamente fomos removidos do grupo pelo administrador, que disse aos demais: “Ele é jornalista de esquerda”.
Trapaças digitais
De acordo com o cientista político Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC e especialista em inclusão digital, o Bolsocop só está no ar porque a Justiça Eleitoral se preocupa apenas com a página online dos candidatos e dos partidos, deixando de lado os seguidores. É um flanco enorme: um outro app relacionado a Bolsonaro, que teve 10 mil downloads e também foi lançado por pessoas que se diziam “fãs” do candidato, estava espionando celulares.
“Todo mundo sabe que a campanha política na internet é minoritariamente feita pelo comitê oficial dos candidatos. Ela é realizada pelos apoiadores, muitas vezes pagos pelos candidatos, que agora estão utilizando robôs e replicadores automáticos”, explicou.
A replicação de conteúdo não é uma novidade. O MBL foi um dos que se beneficiou desse tipo de trapaça. Em março, o grupo criou um aplicativo que compartilhava seu conteúdo de forma automática na timeline dos usuários como se fossem eles próprios.
Segundo Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab e autor de “Direito Eleitoral na Era Digital”, esse tipo de programa pode ser alvo de investigação na Justiça Eleitoral uma vez que serve para espalhar propaganda eleitoral.
O Facebook também faz sua própria cruzada para remover “comportamento inautêntico”, como define. Recentemente, a rede social informou que tirou do ar 72 grupos, 50 contas e cinco páginas no Brasil que violaram suas políticas de autenticidade e spam, por encorajar e permitir a obtenção de seguidores e curtidas, e até a troca de páginas, com o objetivo de ampliar o engajamento em busca de ganho financeiro. “Nós não permitimos um comportamento inautêntico coordenado”, disse o Facebook em uma nota. O Bolsocop, no entanto, segue operando.
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