Aragão: Lava Jato é obra de menininhos com carro importado na garagem
No MP, o sujeito estuda três anos em cursinho e seu primeiro salário é de R$ 29 mil (Crédito: Unicap)
Via Universidade Católica de Pernambuco:
Uma aula pública sobre alguns dos aspectos que marcam a atual crise política brasileira foi o tom da palestra proferida na noite desta segunda-feira (16) pelo ex-Subprocurador Geral da República e ex-ministro da Justiça na fase final da gestão Dilma Rousseff, Eugênio Aragão. O evento aconteceu no auditório G2 e foi promovido pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia e pelo grupo de pesquisa do curso de Direito da Unicap Recife Estudos Constitucionais (REC) com o apoio do Instituto Humanitas Unicap. Os professores Manoel Moraes e João Paulo Allain também fizeram parte da mesa.
No início da sua explanação, Aragão conceituou o Estado Democrático de Direito a partir do contexto histórico do Iluminismo citando as primeiras experiências da Prússia e analisando a atual situação do Estado enquanto centro de poder. “A legalidade por si só não é critério de governança legítima e democrática. A democracia tem que se articular com a ideia de Estado Democrático de Direito. A vontade popular é o critério de legitimidade numa democracia”.
Aragão classificou a relação do Brasil com a democracia como sendo “tortuosa”. De acordo com ele, desde 1822 até os dias atuais o Brasil só viveu 20 ou 30 anos de democracia. Para o ex-ministro da Justiça, pobres e ricos têm visões diferentes do que viria a ser a democracia brasileira. “Para quem vive nas periferias pobres urbanas deste país e vive sob permanente risco de assaltos ou de violência do Estado, na verdade, pouca diferença para ele há entre a ditadura militar e o governo civil. A polícia mata, tortura, persegue no regime militar e na tal da democracia do mesmo jeito.”
Num outro momento da explanção, Eugênio falou sobre o Impeachment de Dilma e fez críticas ao Partido dos Trabalhadores. Para ele, a fragilidade na resistência ao “golpe” está ligada ao afastamento do PT dos movimentos sociais que formavam a sua base de sustentação política e também ao que ele chamou de “falta de criação de uma Inteligência de Estado para entender o que estava acontecendo no Brasil. Aos poucos, os movimentos populares estavam ficando órfãos porque quem estava no poder estava mais preocupado em preservar esse projeto de poder do que propriamente implementar as demandas da sua clientela histórica. Muita coisa foi feita, mas muito mais deixou de ser feito”.
Além do efeito potencializador do discurso de ódio das redes sociais, Eugênio vê o enfraquecimento das instituições como outros elementos que contribuem para a atual crise do Estado brasileiro. “A inteligência por trás da construção das redes sociais visava justamente este resultado: a deterioração da cultura de governabilidade para deixar as grandes corporações soltas fazendo o que querem porque os governos estão desmoralizados. Nós trocamos a governabilidade da democracia, do Estado Democrático de Direito, pela governabilidade de mercado”.
Com a propriedade de quem é professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Aragão fez críticas ao sistema de educação jurídica no Brasil. “Nós não ensinamos os nossos estudantes a serem operadores do direito, ensinamos a ser intelectual, isso quando as faculdades são boas”, disse ele ao comentar também os efeitos negativos da meritocracia e do perfil dos concursos públicos brasileiros “que privilegia quem tem mais dinheiro”. Aragão tem doutorado pela Ruhr-Universität Bochum da Alemanha e mestrado em Direito Internacional de Direitos Humanos pela University of Essex da Inglaterra.
Ainda de acordo com Aragão, a formação jurídica brasileira tem favorecido aos interesses corporativistas pecuniários e ao crescente protagonismo político do Ministério Público. “Hoje, por exemplo, quando o sujeito é recém formado ele entra nos grandes escritórios de advocacia para ganhar entre cinco e oito mil reais por mês. No Ministério Público, o sujeito estuda três anos no cursinho e o seu primeiro salário é de 29 mil. Então, é claro que isso passou a atrair essa clientela que tem uma visão de mundo consumista, que dá valor a outras coisas que não ao serviço público propriamente dito. Na hora em que você bota um processo estratégico para o país na mão dessa galera…taí: Lavajato. Lavajato é tipicamente um produto disso, dos menininhos bonitinhos cheiradores de taças de vinho com três viagens para Miami por ano e carro importado na garagem”.
Ele não poupou críticas à magistratura. “Se o magistrado passa por cima das regras da liturgia do cargo, que não é arrogância, liturgia do cargo é se dar ao respeito ao jurisdicionado. Se o magistrado abandona a liturgia do cargo como se fosse comentador de futebol, começa a comparecer no show, começa a falar mal do jurisdicionado, externa preconceitos, usa um tom fora do lugar, de revolta, de indignação…ele perde aquela áurea de respeito que é a sua salvaguarda. A verdadeira liturgia do cargo é uma segurança para o magistrado. É aquilo que o mantém íntegro”.
Eugênio Aragão finalizou a palestra frisando os elementos multi-vetoriais da atual crise: o discurso de ódio nas redes sociais, o enfraquecimento das instituições e a qualidade da formação jurídica brasileira. “Para nós, juristas, começarmos alguma coisa, a primeira coisa que a gente tem que fazer é pensar seriamente sobre a forma como estamos educando nossos estudantes de direito. Fazer um debate sério nacional sobre isso. É só assim que a gente poderá realmente inaugurar um Estado Democrático de Direito e quiçá, algum dia, quando a gente se aperceber que a igualdade de todos perante a lei é fundamental para o convício pacífico entre todos nós, aí também teremos democracia”.