Araquém Alcântara: criticar o Mais Médicos é desconhecer o Brasil!
Da CUT:
Ser contra Mais Médicos é desconhecer o país, diz fotógrafo
Depois do início de carreira em jornais e revistas, o fotógrafo Araquém Alcântara ouviu um chamado, ele que diz ter um “xamanismo natural”. Ouviu e obedeceu. São 46 anos no meio das florestas, do cerrado, da caatinga, do pantanal, dos pampas e de todo o tipo de ecossistema brasileiro, registrando animais, plantas e, especialmente, pessoas.
“O Brasil não conhece o Brasil, né? O Brasil sequer conhece seus brasileiros. E o que eu faço? Eu vou lá e mostro pra eles”, conta o fotógrafo, ao nos receber em seu escritório, uma pequenina casa na Vila Olímpia, São Paulo.
Araquém havia voltado de quase um mês de expedição no Pantanal, onde caçava imagens para produzir um livro sobre a onça-pintada. Quando ficar pronto, será seu 50º livro, sem falar nas participações em edições coletivas.
Livro que ficou parado por um ano por conta de outro desses chamados que o fotógrafo diz ouvir. “A minha bem-aventurança é criar belezas, mas, sobretudo, reparti-las. A minha fotografia é feita para provocar, para dar prazer, para inquietar. Nesse contexto, eu percebi intuitivamente que estava diante de um belíssimo trabalho, acima de qualquer posição partidária”.
“Vou contar essa história”
Foi assim, num estalo, na cerveja de fim de tarde com o amigo Fausto Figueira Júnior, médico e à época assessor do então ministro da Saúde, Artur Chioro, que Araquém decidiu voltar aos ditos confins do Brasil para realizar uma longa reportagem sobre o programa Mais Médicos, criado no governo Dilma.
“Eu percebi um veio humanístico nesse projeto. Caralho, vou contar essa história”, relembra. O artista afirma que o único apoio recebido do Ministério da Saúde foi transporte e ajuda de funcionários em cada local que visitava para registrar os médicos participantes do programa e seus pacientes. Nasceu o livro “Mais Médicos”, lançado no final de 2015 por sua própria editora, a Terra Brasilis.
“Primeiro pensei: 700 municípios sem atendimento. Vai ter um velhinho que pela primeira vez vai ver um médico. E um jornalista estará lá. E o Araquém foi pra lá”, resume. “Essa coisa da essência brasileira, eu acho que entendi o caráter desse povo, andando bem perto dele. Quem não faz isso não percebe o caráter de um povo. Você vai entender os valores de um povo se estiver entre ele”, explica.
Neste ponto da conversa, o fotógrafo da CUT Roberto Parizotti, o Sapão, acrescenta: “O Capa (Robert Capa, célebre fotógrafo de guerra nascido na Hungria) falava isso. Se a sua foto não está boa, é porque você não está perto do objeto”.
Sentido de brasilidade
E, para Araquém, isso ocorre não só com fotógrafos, mas com a sociedade como um todo. “Há um certo distanciamento do sentido de brasilidade”, diz. Na opinião dele, esse é um dos fatores que provocou tanta hostilidade ao programa Mais Médicos por parte da oposição, da mídia e de corporações médicas. “O maior é a falta de consciência de nação, mesmo. E se transforma nessa coisa triste: o cara não quer fazer nenhum esforço, ele quer toda a mamata do mundo porque ele é...médico. Ele é doutor”, provoca.
Entre seus colegas, Araquém sentiu a mesma resistência à aventura do Mais Médicos. “Eu vi a mídia ignorando esse livro, e é um puta livro, meu irmão, feito com sangue, com suor”, diz, com vocabulário e sotaque de sua cidade natal, Santos (SP). “Vieram me patrulhar: ‘Pô, você está trabalhando para esse governo?’ Eu teria respostas na ponta da língua, mas é melhor não. São tão medíocres que não dá pra responder”.
Histórias
Formado jornalista e com talento também para redação, Araquém é um grande e pródigo contador de histórias. Desde o olhar fixo de uma onça sobre si até a experiência de sobreviver à queda de um monomotor na Amazônia, o fotógrafo vai contando um Brasil de pobrezas, destruição da natureza, ausência do Estado mas, também, de esperança, reforçada pelo que viu e viveu enquanto fazia o livro “Mais Médicos”.
“Conheci uma médica que descobriu que havia um grande índice de esquistossomose. Ela percebeu que as crianças tomavam banhos nos arrozais contaminados. Ela começou a fazer um trabalho social e diminuiu a esquistossomose. Pô, aí nós temos chance. É a presença do Estado”.
Entre as histórias vividas durante o livro, há o encontro com João Goulart Neto, médico que se inscreveu no programa para atender pessoas nos morros do Rio de Janeiro.
Reencontro de culturas
Em Poço Redondo, Sergipe, viu o reencontro de culturas salvando vidas e preparando o futuro. “Um médico que era da santeria cubana encontra uma quilombola parteira, a dona Josefa, da umbanda, que tinha feito não sei quantos partos, os dois se identificam, e estão mudando a história da comunidade. Como? O cara percebe nela uma liderança, se agrega a ela, os dois começam a fazer palestras de sexualidade para as crianças”, narra.
“O Mais Médicos extrapola suas funções. É obrigado a conhecer e atuar na comunidade, porque se ficar de fora, morre na solidão”, diz o fotógrafo. Outra cena que o emocionou foi o encontro de uma idosa que, ao cruzar com o médico numa rua empoeirada do vilarejo, abraçou-o para agradecer o remédio que lhe havia curado. E deu a ele uma galinha de presente.
“As mudanças que vejo no país são mudanças de consciência, por intermédio de pessoas que agem localmente. E o Mais Médicos se insere nisso, sem dúvida nenhuma”, avalia.
Perguntado o que pensou quando o ministro interino da Saúde manifestou a intenção de eliminar os estrangeiros do programa Mais Médicos, Araquém dispara: “Eu não esperava outra coisa dessa excrescência de governo”. Ele diz que torce pela volta de Dilma. Se isso ocorrer, garante, fará uma segunda edição do livro “Mais Médicos”.
Crédito das imagens: CUT