Boulos e a vitória: política é nas ruas!
Prefeito tucano de São Bernardo quer um novo Pinheirinho (Crédito: Geórgia Pinheiro)
PHA: Eu converso com Guilherme Boulos, líder do MTST, que realizou, ontem, no dia 31 de outubro de 2017, uma marcha de 23 quilômetros saindo de São Bernardo em direção ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo.
E eu pergunto: Boulos, ao final do encontro com representantes do governo Alckmin, você disse que foi possível abrir negociações sobre a ocupação em São Bernardo. O que significa isso? Por que você chamou isso de uma vitória?
Boulos: Paulo, foi uma vitória porque, até o momento, a postura de todos os poderes - tanto a prefeitura de São Bernardo, o próprio governo do Estado e o Governo Federal - era de não reconhecer a ocupação. Isso significava uma aposta em tratá-la como um conflito. Ou seja, em querer acabar debaixo de porrada, como um caso de polícia e não de política habitacional.
Ontem, depois de uma marcha, como você disse, de 23 quilômetros, quase dez horas de caminhada, chegando ao Palácio com vinte mil pessoas... A potência dessa mobilização fez com que o governo do Estado tivesse que receber o movimento e tratasse, efetivamente, das pautas. Nós apresentamos uma proposta de desapropriação daquele terreno, de cadastramento imediato das famílias. O governo do Estado se comprometeu a avaliar soluções habitacionais, em tratar o caso como uma solução negociada, apostando na solução negociada e pediu uma semana para nos apresentar propostas objetivas de solução habitacional.
Por isso, nós achamos que foi uma vitória. Até porque isolou a posição do prefeito Orlando Morando, que é um inconsequente, um moleque, que é o prefeito (PSDB) de São Bernardo, que o que ele quer ver é sangue, é guerra e acha que pode capitalizar isso.
Longa Marcha na chegada à Avenida Morumbi (Crédito: Geórgia Pinheiro)
PHA: O Governo de Sao Paulo diz que vai encontrar uma solução negociada... O governo, porém, não se compromete a não realizar a reintegração de posse em São Bernardo, não é isso?
Boulos: É isso, Paulo. Até porque, como a gente colocou, a marcha abriu uma negociação. Nós queremos ver como essa negociação vai se fechar. Ontem, com a negociação aberta, um primeiro objetivo foi cumprido. O movimento não vai recuar um passo diante disso. Até porque é preciso ir além: é preciso derrubar a reintegração de posse e é preciso ter uma solução habitacional concreta, objetiva, para essas famílias.
Então, vai haver essa reunião na semana que vem, que foi agendada...
PHA: Dia 10.
Boulos: Dia 10. Se essa reunião não surtir o efeito que a gente espera, vai ter nova mobilização. O movimento continua mobilizado, firme e vigilante. Nós não vamos acreditar em promessa. Nós queremos coisas objetivas.
MTST passa pela Avenida Cupecê aos gritos de "Aqui está o povo sem medo de lutar" (Crédito: Geórgia Pinheiro)
PHA: Então você, se eu entendo seu raciocínio, sua posição... Você se mantém irredutível com relação a ocupar e transformar aquela área de São Bernardo em uma área de habitações populares e, portanto, não aceitaria uma alternativa para abrigar aquelas pessoas fora de São Bernardo?
Boulos: Paulo, para nós, fora de São Bernardo não faz sentido, porque aquelas pessoas são todas de lá. São todas da região. A nossa defesa, a defesa que o movimento tem feito, é de aquela área tem todas as condições para abrigar a solução que nós estamos propondo. Ela estava abandonada há 40 anos, ela deve mais de 500 mil reais de IPTU, ela não cumpriu função social... Então, não há por que aquela área não ser desapropriada para moradia popular. E o Estado tem orçamento pra isso. E nós podemos mostrar isso na ponta do lápis! Dizer que tem falta de dinheiro não é verdade.
Agora, sobretudo, a inflexibilidade da negociação não vem do MTST. O MTST está disposto a discutir alternativas de solução habitacional para todas aquelas famílias. E aquelas mais de oito mil famílias estão ali por isso. A inflexibilidade, até o momento, tem vindo da prefeitura, não é? E do conjunto dos poderes públicos que insistem em tratar a ocupação como caso de polícia ou oferecendo despejo como solução - igual ao Pinheirinho, como conversamos em outra ocasião.
PHA: Se eu entendi bem, o Secretário de Habitação do governo Alckmin disse que as propostas de construção de casas populares dependem do Governo Federal. Isso é uma má notícia, porque o Governo Federal não tem dinheiro. O Governo Federal está reduzindo os investimentos, inclusive, no Minha Casa Minha Vida para a base da pirâmide.
Eu entendi bem, ou isso não é o que o Secretário quis dizer?
Boulos: Não, eu acho que foi isso que ele disse, sim, Paulo. E, ontem, uma de nossas pautas no Palácio dos Bandeirantes... A marcha saiu de São Bernardo, mas ela encontrou, na ponte do Morumbi, uma série de outras ocupações que já são demandas antigas também. E uma das pautas que a gente apresentou foi, precisamente, o governo do Estado desenvolver uma política habitacional própria.
Junção das marchas na altura da Ponte do Morumbi (Crédito: Maike Maio)
Ficar dependendo do Minha Casa Minha Vida na gestão Temer, como a gente tem visto, é depender de fumaça! Em especial, a faixa um do Minha Casa Minha Vida está sendo destroçada! Está sendo desmontada pelo Governo Federal. O movimento tem denunciado isso já há um ano e meio. Inclusive, ficamos acampados 22 dias na Paulista com essa pauta bem determinada.
Então, o que nós colocamos ontem - e isso também vai ser pauta na reunião do dia 10 - é que, em especial nos terrenos públicos, mas não só, haja um Plano B do governo do Estado, através da CDHU, que é uma companhia que foi feita exatamente para isso, de ter investimento habitacional próprio e que não dependa apenas dos recursos do Minha Casa Minha Vida.
PHA: Nessa reunião do dia 10 já se inicia o processo de cadastramento dessas famílias - e, portanto, o cadastramento para obter casa própria - ou isso ainda vai ser negociado?
Boulos: Não, na reunião do dia 10 a ideia é que a gente possa definir, inclusive, a agenda do cadastramento e a forma como ele vai ser feito. A reunião ficou para isso, mas não só para o cadastro. Cadastro a gente sabe como é, né? São milhares de cadastrados na fila do governo do Estado e alguns esperam há trinta, quarenta, cinquenta anos sem nenhum sucesso. Cadastro não resolve o nosso problema. É só para poder aferir a demanda e estimar a demanda habitacional daquelas famílias que estão lá. Mas o nosso foco está em discutir as soluções habitacionais, também, pro dia 10.
Mulheres na linha de frente da Marcha na Avenida Cupecê (Crédito: Geórgia Pinheiro)
PHA: Vocês obtiveram, evidentemente, uma vitória. Foi, como você próprio define, um movimento potente, uma marcha de potência. E eu pergunto: o que esse resultado de ontem, essa vitória política de ontem ensina ou significa para os movimentos progressistas no Brasil de uma maneira geral?
Boulos: O recado é que a política se resolve na rua. Não teria sequer abertura de negociação se não houvesse essa marcha de 23 quilômetros. É uma marcha, eu diria, épica feita pelos trabalhadores sem-teto, um dia que vai ficar para a história da luta social no Brasil. Não há alternativa, hoje, fora das ruas. Não há alternativa, hoje, sem resistência.
Acreditar que essas instituições carcomidas, resultado de um Golpe, com uma Democracia que foi trucidada, que por dentro delas a gente vai conseguir impor um freio a todo o processo de regressão social, de direitos democráticos que acontece no país, não me parece uma aposta plausível. E, por isso, o MTST, a Frente Povo Sem Medo e as ocupações que estão junto do movimento têm reforçado sua aposta na luta cotidiana, na mobilização popular. E, nesse sentido, a marcha de ontem foi emblemática.
Ouça a íntegra da entrevista: