Cada vez mais atual, Paulo Freire ensinava liberdade e democracia
(Reprodução/Nova Escola)
Por Ricardo Kotscho, em seu Balaio do Kotscho - “Eu sonho com uma sociedade reinventando-se de baixo pra cima, em que as massas populares tenham, na verdade, o direito de ter voz e não o dever apenas de escutar. Esse é um sonho que acho possível, mas que demanda o esforço fantástico de criá-lo. Quer dizer: para isso, é preciso que a gente anteontem já tivesse descruzado os braços para reinventar essa sociedade”.
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Assim termina o depoimento de Paulo Freire na conversa com o dominicano Frei Betto sobre educação popular, reproduzido no livro “Essa escola Chamada Vida _ Depoimentos ao repórter Ricardo Kotscho” (Editora Ática, 1985), que ainda pode ser encontrado na internet.
A ideia foi do próprio Paulo Freire, que chamou Frei Betto para fazerem juntos esse livro.
Mais do que um novo ensaio sobre esse tema, já tratado por ambos em outras obras, eles queriam contar um pouco da sua experiência, lembrar como as coisas foram acontecendo, discutir caminhos. Por isso, convidaram um repórter para participar deste livro-conversa, gravado num domingo de outubro de 1984, na minha antiga casa, no Butantã.
Escrevi no prefácio:
“Ao final das seis horas de gravação, minha casa tinha mais vida _ e é esta sensação que gostaria de partilhar com os leitores. O depoimento de Paulo e Betto, na verdade um bate papo entre três amigos, nos mostra, mais do que tudo, a incrível força de um ideal de vida, capaz de superar todos os obstáculos”.
Trinta e cinco anos depois, ao reler este pequeno livro de 95 páginas, que foi traduzido na Alemanha, na França e na Itália, me dou conta de que Paulo Freire continua despertando paixões com seu método revolucionário de educação a partir da vida real dos alunos e não de teorias pré-estabelecidas.
“É um energúmeno, um comunista”, blasfemou outro dia este grande intelectual chamado Jair Bolsonaro, tenente defenestrado do Exército, aos 33 anos, processado e preso por atos de insubordinação, um sujeito que não consegue juntar três frases com sentido.
Considerado e venerado em todo o mundo como um dos maiores educadores do seu tempo, o pernambucano Paulo Freire nunca foi comunista, assim como o mineiro Frei Betto, mas ambos tinham os olhos fixados no mesmo horizonte: a libertação do povo brasileiro pela educação.
Por cometerem este crime contra a “segurança nacional”, Paulo foi exilado e Betto acabou preso.
Chegaram perto deste sonho de libertação pela educação quando Paulo foi secretário da Cultura do governo Luíza Erundina, em São Paulo, e Frei Betto, mais tarde, como assessor especial de Lula, nos primeiros dois anos de governo Lula, quando trabalhamos juntos em Brasília.
Paulo já não está mais entre nós, mas sua obra continua viva em todos os cantos desse país onde há uma escola pública ou privada dedicada a formar cidadãos conscientes, e não apenas preparar alunos para o vestibular.
Lembrei-me deste livrinho que fizemos juntos, quando comecei a ler “O Educador _ um Perfil de Paulo Freire”, de Sergio Haddad (Editora Todavia), que acabou de ser lançado e ganhei de presente de Natal da minha amiga Élida.
Doutor em história e filosofia da educação pela USP, pesquisador, professor e ativista social, Haddad foi meu colega de ginásio no Colégio Santa Cruz, onde os padres canadenses seguiram muitas das lições de Paulo Freire, uma delas bem singela: procurar escutar mais os alunos antes de preparar as aulas para ter os pés na realidade e a cabeça aberta para os sonhos de uma sociedade mais justa e solidária.
Se visse hoje o que fizeram da educação brasileira este ano, Paulo certamente morreria de novo, de desgosto, ao ver que estão fazendo exatamente o contrário do que ele ensinou.
Pior: a sociedade continua de braços cruzados, apenas assistindo à destruição do país por um bando de celerados fundamentalistas, em que se destaca o semianalfabeto ministro da Educação, um certo Abraham Weintraub, discípulo de Olavo de Carvalho, outro cretino que virou guru da familícia Bolsonaro.
De Paulo Freire e Frei Betto, a Weintraub e Carvalho, temos o retrato acabado da trajetória de degradação do país, em tão pouco tempo.
Li apenas as primeiras 50 páginas do livro de Sergio Haddad, mas como vivemos um tempo de urgência, é o suficiente para recomendar a todos os entes envolvidos no processo de educação (pais, estudantes e professores) que leiam esta obra fundamental, fruto de muita pesquisa, e não de ouvir falar, como costumam fazer os atuais detentores do poder e seus fanáticos seguidores.
Conhecer a vida e a obra do educador Paulo Freire deveria ser um compromisso de quem ainda acredita que o Brasil tem jeito, e a educação é o único caminho capaz de transformar esse grande país numa grande nação, como pregava Tancredo Neves, que também não era comunista.
Vamos descruzar os braços!
E vida que segue.
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