Classe C foi morar na rua
Na foto, a SP neolibelês, descrita pelo Cegonhóloga (Reprodução: ArchDaily)
Num lamentável descuido, o PiG cheiroso permitiu que a repórter Ligia Guimarães publicasse uma reportagem.
Como se sabe, no PiG quase não há mais reportagens - são editoriais travestidos de informação, opinião de colonistas - como a Cegonhóloga, que, nessa terça-feira, 10, disse no Mau Dia Brasil que 2017 será um ano de glória, porque os investimentos vão voltar (não na Globo...) - vazamentos selecionados e "especialistas de bancos".
(Pergunta à Cegonhóloga: para um morador de rua, que diferença faz uma "Selic" meio ponto pra lá ou pra cá?)
O sistema de controle do Valor fracassou e deu no que deu - a narrativa da destruição da Classe C:
"Eu não queria doação, eu queria um emprego. Tenho ensino médio e estou nessa fila", afirma Creuza, uma das muitas mulheres em meio à multidão que, no último sábado antes do Natal, aguardavam as doações de marmitas, brinquedos e produtos de higiene pessoal que seriam distribuídas no Páteo do Colégio, no centro da capital paulista. Às 21h, antes mesmo que os voluntários chegassem com instruções, mais de cem pessoas já esperavam. Creuza estava acompanhada da família toda: a filha mais velha, que carregava um bebê de colo, a neta adolescente e um menino de seis anos.
Só Creuza e a neta aceitam ser fotografadas; a família não quer registros da situação. Há cerca de oito meses, eles perambulam pelas ruas de São Paulo. "Ficamos por aí. Já fiquei na rodoviária, no Páteo do Colégio. Tomamos banho no 'chá do padre'", referindo-se ao apelido do centro de acolhida do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), que oferece diariamente à população de rua almoço, chá da tarde e banho de chuveiro na sede da rua Riachuelo, no Centro.
Creuza, que prefere não divulgar o sobrenome, conta que se viu obrigada a entregar a casa em que a família morava depois que perdeu o trabalho em um colégio e, sem renda, não conseguiu pagar o aluguel. "Não tenho como pagar. Já pedi Bolsa Família, pedi Bolsa Aluguel, não conseguimos nada", lamenta. Relatos como o dela- de famílias desempregadas que perderam a moradia e passaram a viver nas ruas - são cada vez mais presentes na rotina das ONGs e instituições que prestam assistência à população de rua.
Os mais de dois anos de recessão profunda aumentaram a demanda pelos serviços sociais dessas instituições e, além disso, mudaram o perfil predominante nos atendimentos. "Hoje você vê muitas famílias que vão com a barraquinha para o meio da rua. Você percebe que são pessoas que teriam condições de trabalhar, mas perderam o emprego e entregaram a casa", afirma Kaká Ferreira, 63 anos, fundador do Núcleo Assistencial Anjos da Noite, que há 27 anos distribui comida, roupas e ações de resgate de autoestima a quem dorme pelas ruas de São Paulo. É ele o idealizador da tradicional ceia de Natal para os moradores de rua no Páteo, que ele realiza há anos.
"A demanda aumentou muito desde o fim de 2015. Demorava três horas para distribuir 800 marmitas. Agora levo 40 minutos, e a quantidade de gente que vem desesperada atrás de comida é muito grande", diz Kaká, que é servidor do Ministério da Agricultura há 40 anos. Semanalmente, ele dedica os sábados à noite a liderar um grupo de cerca de 60 voluntários que caminham por roteiros que, tradicionalmente, concentram grande parte da população de rua de São Paulo: praça da Sé, rua 25 de Março, Vale do Anhangabaú, rua Amaral Gurgel. O frei José Francisco, diretor-presidente do Sefras, ligado à Igreja Católica, diz que há um número expressivo de pessoas foram recentemente para a rua.
"Nos dez anos em que atuo nesse trabalho, este é o pior momento que vi", diz. "Em todos os lugares você encontra barracas com famílias dentro. Não precisa ter muita sensibilidade para notar que essas pessoas estão por toda a cidade".
Os dados mais recentes disponíveis, do censo realizado em São Paulo em 2015, contabiliza 15.906 pessoas em situação de rua na capital naquele ano. Quase o dobro de 2000, quando eram 8.706 pessoas. Para o diretor do Sefras, no entanto, o número é claramente subestimado. "Os próprios órgãos públicos com quem dialogamos, todos admitem que nas ruas de São Paulo existem mais de 20 mil pessoas, e esse número cresce."