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Em 2006, Bolsonaro teve nota fiscal de gasolina com valor recorde recusada para reembolso

Lúcio de Castro entra em ação mais uma vez
publicado 01/05/2020
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(Redes Sociais)

Por Lúcio de Castro, da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo -  Foi um recorde. No mês seguinte as eleições de 2006, o então deputado federal Jair Bolsonaro apresentou uma nota fiscal com o valor aproximado a atuais R$ 16 mil para reembolso da cota parlamentar de uma compra de gasolina. Recusada.

O comprovante é de 27 de novembro de 2006, e o pleito tinha sido em outubro, com primeiro turno foi no dia 1º e o segundo no 29.

No valor exato de R$ 7.075,63, que corrigidos pelo IGP-M são R$ 15.875,21 atualizados.

A nota é do Posto Pombal, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro e registra a aquisição de 2.831,38 litros de gasolina. No entanto, a maior parte do valor da nota foi recusada pela “Coordenação de Gestão da Cota Parlamentar” da Câmara, que determinou a glosa de R$ 6.809,17 do total dos R$ 7.075,63 e reembolsou somente R$ 266,46, como está nos documentos obtidos pela reportagem através da “Lei de Acesso à Informação da Câmara dos Deputados”.

De acordo com o regulamento da “Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP)” do Congresso Nacional, a glosa (retenção de pagamentos) de despesas para reembolsos está prevista nos seguintes casos de irregularidades:
“Retirada ou supressão total ou parcial dos valores apresentados para reembolso. Controle para os casos em que o valor apresentado para reembolso é superior ao limite permitido para o item específico da cota ou em casos de apresentação de Nota Fiscal com itens para os quais não é permitido”.

A reportagem não obteve a confirmação da razão específica dessa glosa em questão com a Câmara dos Deputados.

A GLOSA:

Esse cupom do mês anterior a eleição é de valor superior aos gastos médios do parlamentar em combustível, ainda que tais gastos fossem elevados, como mostrou reportagem publicada aqui.

Mesmo que a nota seja referente a fatura do mês inteiro de despesas de gasolina do deputado naquele estabelecimento unificadas em um cupom, prática comum principalmente em pessoas jurídicas, estaríamos falando de um consumo de cerca de 94 litros por dia naquele novembro de 2006. Ou mesmo no próprio mês da eleição, em outubro, já que até 2009 as regras de reembolso da cota parlamentar permitiam acumular o reembolso das despesas não utilizadas de combustível para o mês seguinte. Hoje tais despesas não são mais acumuláveis.

A quantidade de litros da nota fiscal daria aproximadamente uma viagem Rio-Brasília (1.148 Km) a cada dia pelo deputado durante o mês em questão, considerando o consumo de carros com médio desempenho na estrada.

A despesa é fora dos padrões, independente até dos limites da cota parlamentar. E ainda há a coincidência do recorde do próprio deputado com o período eleitoral.

Outros fatores tornam fora de qualquer lógica, ainda se eventualmente estivesse por trás de fachada de legalidade o gasto de 2.831,38 litros de gasolina de novembro de 2006, mesmo que eventualmente seja uma fatura do mês inteiro. Além da própria quantidade, suficiente para um Rio-Brasília de carro todos os dias.

Por não ser a única despesa de gasolina de Jair Bolsonaro reembolsada naquele mês. Existem despesas menores em outros postos de Rio e de Brasília.

Tampouco o então deputado passou o mês inteiro no Rio de Janeiro, local do posto de abastecimento.

Boa parte do mês do deputado foi em Brasília.

A lista de presença do Congresso registra a presença de Bolsonaro em comissões no dia 8 e votos do parlamentar nos dias 21, 22, 28 e 29 daquele mês.

Na eleição de 2006, o atual presidente do Brasil concorreu ao quinto mandato consecutivo na Câmara pelo PP, partido de Paulo Maluf, político considerado como sinônimo de corrupção e escândalos, e apresentou prestação de contas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de R$ R$ 20 mil em despesa e o mesmo como receita. (R$ R$ 44.872,92 atuais, corrigidos pelo IGP-M).

Desses R$ 20 mil de receita da campanha de 2006, Bolsonaro aparece como próprio doador da metade e os outros R$ 10 mil são doados pelo capitão do exército Jorge Francisco, falecido em 2018, e que trabalhou por duas décadas como assessor parlamentar do agora presidente. Pai de Jorge Oliveira, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República e que esteve cotado para assumir o Ministério da Justiça, citado como candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal.

Alguns dos assessores de então do deputado Jair Bolsonaro tem relação e parentesco com outros da investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro por ligações com o gabinete do deputado Flávio Bolsonaro, investigado pela prática de “rachadinha”. O esquema tomava parte do salário dos assessores e voltava para o parlamentar.

O uso de reembolsos das cotas parlamentares também é tradicionalmente apontado em esquemas de “rachadinhas” de deputados e para cobrir gastos eleitorais.

Em abril de 2009, depois de reportagem da Folha de São Paulo de grande repercussão, publicada em 20 de fevereiro daquele ano e mostrando abusos do uso da cota, a Mesa Diretora da Câmara, após pressão popular, decidiu divulgar no site da casa as cópias das notas fiscais que comprovam os gastos com a verba, o que antes não era feito. O principal ponto da notícia era mostrar que parlamentares, mesmo dentro das brechas da legalidade, gastaram altas quantias durante o recesso parlamentar do mês anterior, janeiro, e como era possível que gastos improváveis fossem feitos legalmente. Ainda assim, profissionais envolvidos com o dia a dia do Congresso ouvidos pela reportagem contam que a prática de superfaturamento da despesa ainda é comum, burlando-se a regra e dando fachada de legalidade. Hoje, a cota de reembolso em combustíveis e lubrificantes está em R$ 6 mil.

Nesse recesso parlamentar de 2009, em fato mostrado na reportagem recente da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, Jair Bolsonaro apresentou nota do mês de janeiro com valor de R$ 2.608,00 na ocasião, corrigidos para R$ 4.833,38 atuais.

A Constituição estabelece que o recesso parlamentar vai de 22 de dezembro até o dia 1° de fevereiro do ano seguinte. Como o 1° de fevereiro naquele ano caiu no domingo, Câmara e Senado só reiniciaram os trabalhos no dia 2. E Jair Bolsonaro, cuja última votação antes da parada tinha sido na Sessão Extraordinária Nº 327, em 17 de dezembro de 2008, tem outro registro de votação apenas dois meses depois, em 17 de fevereiro de 2009, na Sessão Extraordinária Nº 14. Ou seja, mesmo sem trabalhar para o mandato, emitiu nota de mais de mil litros de gasolina com dinheiro público no período.

Na outra reportagem sobre o tema, a Agência Sportlight mostrou que em onze idas a dois postos de gasolina do Rio, o Rocar (Barra da Tijuca) e o Pombal (Tijuca), entre 7 de janeiro de 2009 e 11 de fevereiro de 2011, o então deputado usou o equivalente a R$ 45.329,48 (valor corrigido pelo IGP-M a partir da soma de cada nota). Uma média de R$ 4.120,86 a cada ida nesses dois postos.

Como resultado da publicação, na última quarta-feira, 29, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, encaminhou para a Procuradoria Geral da União (PGR), uma notícia-crime contra Jair Bolsonaro. Na petição, Fux pede que o presidente seja investigado, tendo por base a reportagem da Agência Sportlight.

Outro lado:

A reportagem enviou pedido de resposta para o presidente Jair Bolsonaro através da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom).

Resposta:

“Prezado jornalista,
O Planalto não comentará. SECOM/PR”