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Emiliano José: capital financeiro dá as cartas do Golpe

A luta nunca foi contra a corrupção, mas contra o PT
publicado 11/08/2017
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O Conversa Afiada reproduz artigo do jornalista e ex-deputado federal Emiliano José:

A mão que balança o berço


A análise de conjuntura é sempre arriscada. Podemos incorrer no erro de nos prendermos à pequena política, aos movimentos parlamentares, às intrigas, aos corredores palacianos, e nos esquecermos da grande política, da ação do Estado, daquilo que resulta dos arranjos cotidianos, que parecem ser ocasionais, e nunca o são. A aparente loucura sempre tem método. A cleptocracia que governa o Brasil não o faz por cima e acima das classes sociais. Isso é básico para começar a conversar. Ela está autorizada a governar.

Para chegar ao poder, teve apoio social, e aí podemos dizer que a principal base social, aquela que estava nas ruas, foi a alta classe média, quem sabe parcelas das mais baixas, que sempre teme, se aterroriza quando os pobres alcançam qualquer naco, qualquer pedaço de renda diferente daquele que os séculos marcados pela escravidão ensejaram garantir-lhes. Costumo dizer que nenhum país passa impune por quase quatrocentos anos de regime escravocrata.

E por isso, pela mentalidade escravocrata, racista, tão atual, as classes médias, ou pequena-burguesia como preferíamos chamar no passado, não admitem que pobres muito pobres deixem de ser muito pobres e tomem um exíguo espaço que seja na renda nacional. É uma ousadia inaceitável. Assusta. Deixa-as à beira de um ataque de nervos. Quem sabe com isso venham a decair, quem sabe assim não subam, não cheguem à condição de burgueses, o sonho sempre presente e não realizado delas. Confesso que me irrito quando vejo postagens reclamando que os paneleiros não combatem a cleptocracia, nada falam atualmente contra a corrupção.

Pra quê? Essas classes médias nunca combateram corrupção. Conversa mole pra boi dormir. Esses pequenos burgueses estavam, e estão, com os olhos voltados para o combate a qualquer projeto que tenha vinculação com os setores populares. Qualquer. Por isso, o ataque cotidiano ao maior presidente que o País já teve. Por isso, a sucessão de ataques do sistema de justiça sem que importem as provas, por isso a inversão total do direito penal cobrando-se que o acusado faça as provas de sua inocência. Lula, inegavelmente, é o caso de maior perseguição política da história, e cada dia isso fica mais claro. Ora, se houve golpe, e com objetivos bem definidos, como é que se permitirá que Lula siga atuando com a força que tem, liderando qualquer pesquisa que se faça para a presidência da República?

Nada, afastem da cabeça a ideia de que aquelas pessoas que foram às ruas para derrubar Dilma, e não foram poucas, tinham algo a ver com qualquer tipo de combate à corrupção. Queriam era pôr fim ao projeto político iniciado em 2003, e ponto final. E uma conjunção de forças no campo político envolvendo mídia, sistema de justiça e congresso nacional levaram à frente o golpe. E não tiveram dificuldades para fazer isso, é preciso registrar. Fizeram-no com certa facilidade. Criaram o clima pra isso, desde 2005, e com acentuada rapidez, a partir de 2013. As camadas exploradas estavam desarmadas, politicamente. Não estivessem, e o golpe não passaria assim, como passou. Mas não vou tratar disso agora.

Vou insistir no tema de que não devamos ficar assustados com o fato de a cleptocracia governar, e obter, dia a dia, o apoio entusiasmado da maioria do Congresso Nacional, ao menos até agora, apoio obtido por que há no essencial um acordo quanto ao projeto político em curso e também por benesses distribuídas generosamente, e sem qualquer tentativa de esconder tal distribuição. A cleptocracia hegemonizou o Congresso Nacional desde o golpe, e é claro, isso não ocorreu de um dia para o outro, foi devidamente preparado, o clima criado a que me referi. Houve tremores de terra, divisões no interior do golpe. Recentemente, a Rede Globo andou se mexendo, apostando na direção de Rodrigo Maia, mas a cleptocracia resistiu.

E por que resiste? Apenas porque o Congresso Nacional encastelado em si mesmo está fazendo frente a tudo isso? Não e não. A mão que balança o berço é preservada, ninguém fala nela, segue anônima, e vendo tudo que deseja se realizar numa velocidade impressionante, servida por uma cleptocracia obediente. O golpe não é, não foi, está visto, contra a corrupção, óbvio. Foi realizado para adequar o Brasil à nova realidade uberista, superuberista do capital. Para entregar ao País inteiramente às novas lógicas do capital, onde o trabalho passa a ser cada vez mais flexibilizado, use-se a palavra, onde não haja mais direitos para o trabalhador, onde predomine a terceirização, onde se garanta o trabalho intermitente.

Estava tudo prontinho, no dia seguinte ao golpe: PEC da retirada de direitos, terceirização, reforma trabalhista, reforma da Previdência. Um golpe voltado a afirmar o neoliberalismo com sua face mais hard, nada mais de conciliar com o Estado de Bem-Estar, e no caso brasileiro, garantir o que havia proposto Fernando Henrique Cardoso, enterrar a era Vargas, e de outro lado, extirpar toda a sucessão de conquistas advindas do governo petista.

Agora sim, mais do que Collor, mais até que Fernando Henrique, o neoliberalismo apresenta-se com suas feições mais claras, horrendas, ao menos para o mundo do trabalho e para os mais pobres, a par da perda completa daquilo que se conhecia como soberania nacional, e o ataque concentrado à Petrobras sendo entregue às multinacionais talvez seja o exemplo mais flagrante disso. É o capital financeiro, estúpido! É ele a mão que balança o berço. Não é por acaso que sempre se diz, tudo bem, tudo certo, podem fazer o que quiserem, só não mexam no Meirelles.

A cleptocracia, assim, é funcional, necessária. Não há porque mexer nela. Salvo, quem sabe, e pode acontecer, mexer um pouco pra deixar tudo como está, à Lampedusa, como no caso de trocar Temer por Maia, operação abortada pela cleptocracia, com a benção do capital financeiro. Por que mexer em time que está ganhando? Sintomático que no momento seguinte à salvação de Temer, agora, a palavra de ordem era tocar as reformas, prosseguir na sangria aos direitos do povo brasileiro, e caminhar aceleradamente na constituição do Estado mínimo. Claro que além do capital financeiro, são beneficiados os ruralistas, o agronegócio, são perdoados os que devem muito ao erário: afinal uma das características da cleptocracia é defender os seus pequenos ou grandes interesses. Mas, sua tarefa é mais ampla que isso.

A cleptocracia, como fenômeno político, tendo empalmado o poder, não está acima do mundo real, não caminha acima das classes sociais. Para recorrer a conceitos antigos, a superestrutura encontra-se com a estrutura ao atender diligentemente ao capital financeiro. A política conduzida pela cleptocracia encontrou-se com a economia. Desenvolve o projeto político de fazer o Brasil entrar na maré montante conservadora em escala mundial. Temos de seguir analisando cada movimento da cena política, sem, no entanto, esquecer os grandes lances, e neste momento o capital financeiro está dando as cartas sem qualquer dúvida, e sem que nunca bote a cara pra bater, até porque sempre preservado, inclusive e principalmente pela grande mídia. Parece que toda a corrupção denunciada não passou pelos bancos, nem o dinheiro foi depositado neles.

Resta, nessa conjuntura de dificuldades, que se busque novamente o milagre da política. A ressurreição da atividade política das massas exploradas, das classes trabalhadoras pulverizadas ou concentradas, a afirmação dos partidos políticos de esquerda, das frentes populares, formulando, como vem sendo formulado, um projeto político nacional voltado à restauração da democracia, à afirmação do Estado como fundamental à garantia de direitos.

Não creio seja uma conjuntura de breve duração. Não tenho, devo dizer aligeiradamente, sequer a certeza de que teremos eleições em 2018 porque o golpe em curso pode julgar inconveniente e pode ter forças para barrá-las, inclusive com o recurso do parlamentarismo, ou qualquer outro. Estamos entrando, desde o ano passado, numa longa conjuntura de resistência. Seguir em frente, que a democracia reclama coragem e lucidez, pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.