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Empobrecer, esquecer, deixar morrer

Conrado: lagosta, camarões, vinhos. Brioche... jamais!
publicado 05/05/2019
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Por Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e professor da USP, na Época:

O projeto nacional de aumento do Produto Interno da Brutalidade Brasileira (PIBB) não é invenção de Jair Bolsonaro. Parte da sociedade brasileira sempre se deixou seduzir, por medo ou interesse próprio, aos cantos do bruto, esse ser que grita soluções simples, erradas e violentas aos problemas do país. Sob o bolsonarismo, a dedicação espalhafatosa a esse programa antiliberal rompe até mesmo com as convenções democráticas de etiqueta que gradualmente se firmaram nos últimos 30 anos.

Um ano atrás, escrevi que três verbos sintetizam o PIBB: matar, castigar e perdoar. O Brasil não é apenas o país que mais mata no mundo. Matamos com critério: o assassinato de negros, ambientalistas, jornalistas, LGBTs e mulheres despontam nos rankings mundiais. Castigamos pelo encarceramento em massa, pela arbitrariedade policial, pelo descaso com vítimas de crimes ambientais ou com qualquer outro grupo vulnerável. Numa trágica ironia, não matamos e castigamos os mesmos que perdoamos. Perdoamos, por exemplo, quem adquire vultosas dívidas com o Estado.

No governo Bolsonaro, “morte, castigo e perdão” se expandem: um projeto anticrime que legaliza e incentiva a letalidade da polícia que mais mata e morre no mundo; a defesa de que cada indivíduo cuide da própria segurança com seu revólver no cofre; a proposta de permitir que ruralistas atirem para matar quem ameace sua propriedade; o perdão de R$ 17 bilhões à dívida rural; a promessa geral de leniência ao “bolsonarista da esquina”, que faz o serviço sujo por sua conta (segundo evidências, crescem ataques homofóbicos e a violência doméstica, por exemplo).

O programa Empobrece Brasil é o mais robusto. Por trás de uma reforma da Previdência que promete liberar amarras do crescimento, cria múltiplas outras: declara guerra à cultura, à produção científica, à educação em geral e à educação pública em particular; na pública, uma guerra especial às humanidades, central na economia do conhecimento e da criatividade; guerra ao professor que conduzir inocentes ao pensamento livre e improdutivo; às proteções ambientais, reduzindo biodiversidade e destruindo a maior riqueza de uma economia pós-carbono. Passa também mensagens insólitas ao mercado internacional: o voluntarismo regulatório que interfere no Banco do Brasil e na Petrobras; a rejeição ao turismo gay (com muito poder aquisitivo, por sinal) e o convite ao turismo sexual; a corrosão do soft power brasileiro nas relações internacionais, que já faz o país sofrer retaliações no comércio (para não falar da vexatória dificuldade de achar sede para a homenagem a Bolsonaro em Nova York). Pergunte à ciência econômica o que faz um país crescer e tire suas conclusões.

Mas empobrecer não é suficiente. É preciso esquecer e deixar morrer: o governo busca inviabilizar a investigação de crimes da ditadura e extinguiu o trabalho de identificação de ossadas das vítimas; propõe “corrigir” menções ao golpe militar nos livros de história; desqualifica o trabalho das comissões da verdade e tenta construir um passado glorioso e heroico; busca “cortar custos” e “simplificar” o Censo, uma das grandes ferramentas de inteligência da política pública com base em evidências; faz vista grossa às crescentes invasões a terras indígenas; esvaziou o Mais Médicos, o que pode causar até 100 mil mortes precoces no interior do país.

Perdão pela lista cansativa, apesar de incompleta. Mais do que um amontoado de informações, a lista dimensiona o conjunto, os princípios aglutinadores e a lógica de fundo. A mão invisível da tragédia brasileira não está tão invisível. A Constituição de 1988 estabelece limites e define objetivos. O bruto não gosta de limites e abomina os objetivos.

P.S.: A “nova era” tem ofuscado o Febejapá, o Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País, mas o Febejapá nunca para. Aproveitando-se de seu momentum no coração de brasileiras e brasileiros, o STF publicou edital para contratação de “refeições institucionais” por R$ 1,1 milhão. Pedem-se: lagostas, camarões e vinhos com quatro prêmios internacionais. Brioche não, para prevenir qualquer mal-entendido.

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