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Exército tem que prestar contas do fracasso na Maré

Maria Cristina prova que Intervenssão Tabajara não resolveu nada!
publicado 26/02/2018
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O Conversa Afiada reproduz trechos de magnífica (sempre!) reportagem de Maria Cristina Fernandes no PiG cheiroso:

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Vítor fazia parte do Corpo de Dança da Maré e trabalhava numa empresa de material cirúrgico, mas estava desempregado havia um mês. No dia 12 de fevereiro de 2015, saiu de casa para assistir a um jogo de futebol com os amigos, um deles sargento da Aeronáutica. Do jogo, emendou o bar. De volta para casa pela Linha Amarela, já de madrugada, foram parados por soldados na entrada da Maré. Apresentaram os documentos e foram liberados. Quinze minutos depois, em outra barreira, os soldados abriram fogo contra o carro em que estavam. Vitor levou dois tiros. Um deles, atravessou o pulmão e se alojou na medula. Ficou 98 dias no hospital. Saiu paraplégico.

Não recebeu ajuda do Estado para a cadeira, a cama e as fraldas de que passou a usar. Enfrentou a letargia de defensores públicos e procuradores. Com a ajuda da família e dos amigos, contratou advogado particular na tentativa de que o caso não fosse arquivado. Não pode mais trabalhar, dançar ou pegar a filha no colo.

O depoimento de Vitor foi publicado como anexo do relatório de 120 páginas "A Ocupação da Maré pelo Exército Brasileiro" no ano passado. A publicação, fruto de parceria entre a organização social Redes da Maré e entidades acadêmicas britânicas, teve como base entrevistas conduzidas com mil moradores da comunidade.

A autora, Eliana Sousa Silva, chegou por lá aos 7 anos, vinda da Paraíba com a família. Foi a primeira mulher a presidir uma associação de moradores, aos 22 anos, doutorou-se em serviço social e fundou a Redes da Maré.

Quando o Exército chegou à Maré, vinha da ocupação no Complexo do Alemão, que precedeu a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora naquela comunidade. Quando os 2,5 mil homens lá desembarcaram, no entanto, a política de segurança do Rio já derretia. Às voltas com as denúncias de corrupção que atingiam seu governo, Sérgio Cabral se preparava para entregar um Estado quebrado ao sucessor, Luiz Fernando Pezão. O sinal mais eloquente da falência da ocupação do Exército na Maré é que a comunidade nunca chegou em condições para receber uma UPP.

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​Na contabilidade oficial, a operação resultou na prisão de 553 adultos e 254 menores de idade, 550 apreensões de droga e no recolhimento de 3.884 armas. O chefe da Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, José Carlos De Nardi, a resumiu: "Apesar das dificuldades e óbices próprios da Operação São Francisco, no Complexo da Maré, o esforço das Forças Armadas contribuiu para melhorar a segurança pública no Rio de Janeiro".

O apoio da população a iniciativas do gênero parte do pressuposto de que o tráfico domina a favela. Uma ação indiscriminada na comunidade, portanto, seria o único meio de erradicar o crime. Mas a ocupação não melhorou a violência no Rio nem na comunidade. O boletim produzido pela Redes da Maré mostrou que, no ano seguinte à saída do exército da comunidade, houve 17 mortes decorrentes de operação policial. No ano passado, o número de mortes violentas quase triplicou.

Ao final de 2014, um relatório reservado chegou ao gabinete do então ministro da Defesa dando conta de que as tropas deveriam ser retiradas o mais brevemente possível para evitar uma tragédia. Os militares se queixavam de que faziam de menos aquilo que os moradores os acusavam de fazer demais: entrar sem permissão nas casas da comunidade e alvejar portadores de armas ainda que fora do conflito. Ambos os expedientes têm sido advogados pelo comando militar da intervenção e têm apoio de parte do governo.

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​ O episódio ajuda a explicar por que 55% dos entrevistados revelaram não se sentir inseguros na Maré antes da ocupação pelo Exército. Entre os moradores, a percepção era de que a ocupação não visava livrar a Maré das organizações criminosas, mas evitar que os traficantes articulassem o crime fora da comunidade. Um terço disse ter sido revistado e um quinto afirmou ter presenciado confrontos entre militares e traficantes.

Ainda que os moradores reportassem queixas semelhantes àquelas sofridas por parte da polícia, o medo de retaliação reduziu-se com o Exército. Apenas 13% dos moradores que se sentiram violados em seus direitos por integrantes das Forças Armadas fizeram algum tipo de queixa. O registro, apesar de baixo, é o triplo daquele reportado em relação aos abusos policiais.

Apesar das nuances de maior institucionalidade na presença do Exército relativamente à polícia, apenas um quarto dos moradores fez um juízo positivo da presença dos militares. Outro quarto desaprovou sua atuação. Metade dos moradores ficaram em cima do muro. Avaliaram como regular sua atuação. Dados do Diário Oficial citados pelo estudo registram gastos de R$ 1,7 milhão por dia. Isso daria R$ 700 milhões durante os 14 meses da ocupação, o que parece dinheiro demais para aprovação de menos.

Manuela Silva, irmã de traficante morto pelos militares, definiu a vida na Maré depois que o Exército foi embora: "Tudo voltou ao que era antes. Os caras estão aí armados, a droga continua rolando solta com a bandidagem. Os policiais não vêm mais porque eles pagam 'arrego' (...) Mas os moradores não ajudam. Não se expõem em defesa da comunidade. Enquanto um, dois ou três falarem, a Maré não muda, continua isso aí".

Em tempo: sobre a Intervenssão Tabajara é indispensável recorrer ao imperdível ABC do C Af - PHA