Juiz de garantias: Toffoli puxa o tapete do Fux (e do Moro)
(Crédito: José Cruz/Agência Brasil)
Do Blog do Marcelo Auler - A decisão liminar de Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, nas três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que tentavam barrar a criação do Juiz das Garantias através da Lei 13.964/2019 , o chamado pacote anticrime, foi uma puxada de tapete de Luiz Fux, que além de vice-presidente, que responderá pela Corte na próxima quinzena, é oficialmente o relator das três ADIs (6298 , 6299 e 6300). Toffoli não puxou apenas o tapete do colega, mas também o do ministro da Justiça, Sérgio Moro, derrubando o principal argumento usado por este para se opor a esse “novo personagem” do Judiciário.
Verdade que no seu despacho divulgado na tarde de quarta-feira 15/01) Toffoli até justifica a pressa, lembrando que as mudanças aprovadas pelo Congresso e sancionadas por Jair Bolsonaro – em outra puxada do tapete de Moro – passariam a valer no próximo dia 23. Daí a necessidade de adiá-las, como foi feito. Os 180 dias que estipulou, no entanto, será muito questionado.
Muito provavelmente, porém, o prazo no qual Toffoli estava de olho era outro. Mais curto. O domingo, 19/01, quando Fux assumirá o comando do STF neste final de recesso. Afinal, desde dezembro já se falava – como Carolina Brígido anunciou, em O Globo, em 31/12 – que ele, como relator das ações, pretendia barrar a entrada em vigor da Lei. Talvez não fosse por 180 dias. Afinal, como é público, ele tem sérias restrições à implantação do Juiz de Garantias.
Já Toffoli, como ficou patente nas 41 páginas da decisão que assinou, não apenas defende esse “novo personagem”. Aplaude de pé. Tanto assim que escreveu: “conclui-se que a instituição do “juiz das garantias” pela Lei nº 13.964/2019 veio a reforçar o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. Tal medida constitui um avanço sem precedentes em nosso processo penal, o qual tem, paulatinamente, caminhado para um reforço do modelo acusatório”.
É claro que como vice-presidente respondendo pela corte ou mesmo como relator das três ADIs, Fux pode mudar a decisão de Toffoli. Por iniciativa própria ou mesmo atendendo algum recurso. Mas precisa ser corajoso para fazê-lo, depois que seu colega rejeitou todos os argumentos – e foram muitos – apresentados nos três pedidos para que a corte declarasse a inconstitucionalidade da lei.
Não há como esquecer que Fux, ao lado de Luís Roberto Barroso, continua um dos eternos defensores dos métodos adotados pela Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba. E foram tais métodos que levaram a classe política criar esse “novo personagem”, em represália direta aos extrapolamentos gerados pelos lavajatistas. Algo que o Supremo vem se omitindo ao longo do tempo.
Lembremos ainda que foi Fux que, em passado recente, liberou geral o pagamento do auxílio-moradia dos magistrados e membros dos ministérios público e depois sentou em cima do caso, sem nunca o levar à apreciação do plenário.
Desta vez, porém, Fux certamente levará em conta que entre seus pares, nada menos do que seis ministros já declararam apoio à implantação deste “novo personagem”: além de Toffoli, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Formam a maioria. E há ministro(a)s que só se pronunciam nos autos/plenário. Que argumentos Fux poderia utilizará para ir contra a maré?
Como rebaterá Toffoli que entendeu ser “formalmente legítima, sob a óptica constitucional, a opção do legislador de, no exercício de sua liberdade de conformação, instituir no sistema processual penal brasileiro, mais precisamente no seio da persecução criminal, a figura do “juiz das garantias”?
O que dirá ao decano da casa, Celso de Mello, depois que ele, por nota, disse que a criação do juiz de garantias é uma “inestimável conquista da cidadania?”. Não foi só, acrescentou que “além de assegurar a necessária imparcialidade do magistrado, representa a certeza de fortalecimento dos direitos e garantias fundamentais da pessoa sob investigação criminal.”
Há um detalhe na decisão de Toffoli que não pode passar despercebido. Apesar das críticas que já surgiram por ter esticado o prazo para a entrada em vigor dessas mudanças, estipulando 180 dias, a partir desta sua manifestação. Na ponta do lápis, o prazo terminará em julho. Um mês e meio antes de Fux assumir oficialmente a presidência do Supremo e também do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ou seja, pelo calendário de Toffoli, ele sairá do comando da corte deixando a novidade implantada. Fux terá como reverter isso?
Roubando o argumento de Moro
Fux não foi o único a ter seu tapete puxado. Por mais que o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, tenha aparecido nas redes sociais elogiando Toffoli, ele também, no seu íntimo, não deve ter ficado satisfeito com as explicações e justificativas apresentadas pelo presidente do STF. Até por elas desmontarem um dos argumentos mais usados por Moro para combater a implantação do Juiz de Garantias: a existência de comarcas com apenas um juiz.
O ministro fala em 40% das comarcas. Toffoli diz que são mais: 59%. Ainda assim, descarta a possibilidade de isso ser empecilho, recorrendo às estatísticas do CNJ:
“Segundo consta do Relatório do Conselho Nacional de Justiça referido acima, 59% das comarcas e subseções judiciárias do país atuam como juízos únicos – ou seja, como varas com competência genérica, cabendo-lhes também julgar e processar feitos criminais. No entanto, em 2018, apenas 19% delas atuaram com um único juiz durante todo o ano de 2018, sem qualquer sistema de substituição (foram descontados os períodos de atividade inferiores a 60 dias, a fim de evitar o cômputo das substituições automáticas que ocorrem em razão de férias). Ou seja, em 81% das unidades judiciárias, registrou-se a atuação, no decorrer de 2018, de dois ou mais juízes. Além disso, o relatório também demonstrou que essas comarcas de juízo único recebem 10% dos processos criminais e 13% dos procedimentos investigatórios de todo país.
Esses dados demonstram que, diferentemente do que sugerem os autores das ações, o Poder Judiciário brasileiro dispõe sim de estrutura capaz de tornar efetivos os juízos de garantia. A questão, portanto, não é de reestruturação, e sim de reorganização da estrutura já existente. Não há órgão novo. Não há competência nova. O que há é divisão funcional de competência já existente. É disso que se trata”.
A par de todas as medidas que Toffoli adotou – e ainda que se possa discutir se o fez da melhor forma – há que se reconhecer que sua decisão praticamente sacramentou o “novo personagem” do judiciário brasileiros. Mas, de qualquer forma, é preciso estar atento e vigilante. Afinal, no domingo Fux assume o Supremo. Logo, não se pode esmorecer.
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