Juiz que censurou Porta dos Fundos pode cair na Lei de Abuso de Autoridade
(Reprodução/Netflix)
Via Rede Brasil Atual - Para o advogado Marcelo Uchôa, professor de direito da Universidade de Fortaleza (Unifor) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), o desembargador Benedito Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que nesta quarta-feira (7) censurou o especial de natal do Porta dos Fundos na Netflix, pode ser enquadrado na lei de abuso de autoridade por sua decisão de retirar o programa do ar.
No parecer, o magistrado aponta a decisão como o “mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar os ânimos”, o que para Uchôa demonstra uma decisão moral, baseada em questões pessoais do juiz.
“Determinar a retirada do programa do ar porque você pessoalmente acha que aquilo ilhe incomoda?! Eu considero isso, por exemplo, um abuso de autoridade”, avalia o advogado em entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, em referência à legislação em vigor desde o dia 3 de janeiro.
Reportagem da RBA lembra que há pelo menos seis anos a produtora divulga especiais de natal, mas, o desta edição, intitulado A primeira tentação de Cristo, despertou a ira e polêmicas por retratar Jesus como um homem gay. A sede da produtora chegou a ser atacada a bomba, no dia 24 de dezembro, no Rio de Janeiro, por radicais ultraconservadores de extrema-direita, entre eles, Eduardo Fauzi Richard Cerquise, que está foragido.
Ainda assim, o magistrado acatou em liminar a censura do filme, atendendo ao pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, uma entidade conservadora católica. “O problema da decisão do desembargador é que a Constituição do Brasil, no artigo quinto, inciso nove, ele diz que é livre a expressão da atividade artística, científica, e de comunicação independente de censura ou licença, ou seja, não existe censura no Brasil. A decisão do desembargador foi uma ponderação em que ele refletiu os seus valores, e não os valores que estão defesos e garantidos pela Constituição, ele violou um importante alicerce do sistema democrático, que é a não existência da censura. Se você não está satisfeito com o programa, você simplesmente não assiste”, contesta Uchôa.
Na decisão, Abicair ainda criticou a forma como os humoristas da produtora reagiram à repercussão do especial de natal, que segundo ele teria sido “agressiva e deboche”. No entanto, reportagem do UOL destaca que o desembargador, contestado por violar a liberdade de expressão na decisão sobre o Porta dos Fundos, votou em 2017 pela absolvição do então deputado federal e hoje presidente da República Jair Bolsonaro, na época réu por comentários homofóbicos em entrevista ao programa de rede aberta, CQC, da TV Bandeirantes.
No julgamento, o desembargador se amparou na liberdade de expressão para impedir a condenação de Bolsonaro. “Não vejo como em uma democracia, censurar o direito de manifestação de quem quer que seja. Gostar ou não gostar. Querer ou não querer, aceitar ou não aceitar. Tudo é direito de cada cidadão, desde que não infrinja dispositivo constitucional ou legal.” Com voto vencido, o atual presidente acabou condenado a pagar R$ 150 mil por danos morais.
Para o integrante do ABJD, a divulgação do voto do magistrado confirma as suspeitas de abuso de autoridade. “O desembargador terá a sua decisão cassada, porque eu não acredito que as cortes superiores irão endossar isso, pode inclusive ser objeto disso (lei de abuso de autoridade). O juiz ele tem que ter uma independência na manifestação judicial dele, mas uma vez que já comprovado que ele permitiu, com base nesse mesmo argumento, a não condenação do presidente Jair Bolsonaro por homofobia, por uma série de declarações homofóbicas que ele deu no CQC, isso ai poderia até justificar que esse juiz julga de acordo com a conveniência em momentos determinados”, destaca Uchôa.
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