Mello: divulgação do grampo incendiou o país!
O que Moro fez é perdoável ?
publicado
04/04/2016
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No Jornal do Comércio:
'Me preocupa muito o dia seguinte', diz Marco Aurélio Mello sobre eventual impeachment
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que está em seu gabinete na sede da corte em Brasília, atende o telefone celular e responde sobre seu ânimo: “Eu vou muito bem, mas o Brasil, nem tanto”. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, Mello mostra séria preocupação com os rumos do País, principalmente se vingar o afastamento da presidente Dilma Rousseff. E adverte para que não se venda à sociedade a imagem de que teremos “o conserto do Brasil no dia seguinte ao afastamento da presidente.”
Aos 69 anos, o ministro, que afirma que nem pensa em se aposentar, define que o STF vive seu momento mais agudo desde 1988. O magistrado reforça que a corte precisa focar o mundo técnico e jurídico (ao apreciar as razões do impeachment), mas reage ao desembarque do PMDB. “Não entra na minha cabeça que o partido que formou a chapa e tenha o vice-presidente simplesmente rompa com o governo. Não segue a ordem natural das coisas.” E vislumbra: “O movimento que está no contexto é o de substituição, sem dúvida nenhuma, da presidente da República”.
Jornal do Comércio - A presidente diz que impeachment sem fato ou crime de responsabilidade é golpe. O que o senhor acha disso?
Marco Aurélio Mello - Não analisamos no Judiciário o fato ou conotação política do processo, mas o aspecto jurídico, constitucional e legal, que envolve a existência de um fato jurídico que consubstancie crime de responsabilidade. Isso evidentemente pode chegar ao Judiciário, que é a última trincheira da cidadania. Temos de aguardar os desdobramentos e que todos tenham juízo e que haja um apego maior à ética.
JC - É o momento mais difícil do STF?
Mello – Desde a Constituição de 1988, sem dúvida nenhuma.
JC - Como o senhor qualifica estes tempos em que vivemos?
Mello - O Brasil está numa encruzilhada. Precisaríamos definir o rumo a tomar, a partir de fatos que precisam ser apurados, e sabendo de início que não estaremos com dias melhores após o afastamento da presidente da República. O que cumpre à Câmara dos Deputados é verificar se as causas de impedir representam crimes de responsabilidade e se estão provados os fatos. Agora precisamos aguardar, esperar. Me preocupa muito o dia seguinte, ou seja, o fato de a situação atual ser adversa daquela de 1992.
JC - No que é adversa?
Mello – No impedimento do presidente Fernando Collor de Mello não tínhamos os segmentos como hoje. A presidente, considerando o PT, tem. Lá havia um consenso, que se formou e escaneou o impeachment. Hoje em dia, não. O panorama que está no horizonte sinaliza conflitos futuros, e evidentemente o PT estará na oposição.
JC - O que pode acontecer?
Mello – Os segmentos antagônicos se defrontarem na rua, e aí teremos de ver se as nossas forças repressivas, representadas pelas polícias militares, são suficientes para controlar a situação. Se não forem, o último recurso estará na intervenção das forças armadas. Isso nós não queremos, não pretendemos...
JC – O senhor vê esse risco?
Mello – Não tenho a menor dúvida de que não temos ou que falta a compreensão dos interesses nacionais. Não há governança por falta de diálogo. Ou seja, a voz da presidente da República não ressoa no Congresso de forma positiva. Isso é muito ruim, porque os poderes são harmônicos e independentes, mas devem atuar em conjunto.
JC – Isso revela as fraquezas da democracia brasileira?
Mello – O modelo republicano, vencedor no plebiscito de 1993, funciona em outros países, mas precisa haver uma compenetração para se ter presente o coletivo de quem ocupa cargos públicos. Não dá para simplesmente potencializar o interesse individual ou o interesse simplesmente partidário e romper com o Poder Executivo, como o Legislativo acabou rompendo.
JC - O senhor se refere ao PMDB?
Mello - Falo dos partidos em geral, mas não entra na minha cabeça que o partido que formou a chapa e tenha o vice-presidente simplesmente rompa com o governo. Isso é para mim é impensável. Não segue a ordem natural das coisas.
JC - O que o partido pretende com isso?
Mello - O movimento que está no contexto é o de substituição, sem dúvida nenhuma, da presidente da República. Agora que não se venda à sociedade que há uma esperança possível de frutificar, ou seja, que teremos aí o conserto do Brasil no dia seguinte ao afastamento da presidente. O que nós precisamos é de negociação, que as forças que estão se digladiando sentem à mesa e vejam o que é melhor para a nacionalidade e combatam a crise que maltrata o cidadão comum, que é a crise econômica e financeira.
JC - Esse cidadão pode reagir?
Mello - Não, ele está muito apaixonado, passa a querer vísceras, sangue. Como o que foi divulgado em gravações e intercepções telefônicas antes da hora, infringindo a lei também, e o vazamento da delação do senador Delcídio Amaral. É hora de termos os pés no chão e atuarmos com racionalidade.
JC - Qual é a responsabilidade do juiz Sérgio Moro nessas divulgações?
Mello - Sou um entusiasta da atuação da PF, MPF, da magistratura, mas desde que façam de acordo com o figurino legal. Vou repetir a célebre frase de Rui Barbosa: ‘Fora da Constituição, fora da lei, não há salvação’.
JC - O juiz desrespeitou a Constituição?
Mello - Toda evidência da lei é muito clara. A lei determina o sigilo do que foi alvo da intercepção telefônica, principalmente se os fatos passaram a estar sob a jurisdição do STF. Mas aí ele potencializa, numa visão subjetiva e capacidade intuitiva, o interesse nacional e fecha a lei. Se o cidadão comum vazasse o alvo da intercepção, cometeria crime, segundo a lei de regência, mas o legislador não previu a possibilidade de um erro de quem julga.
JC – O juiz não pode ser punido como o cidadão comum?
Mello - Ele personifica o estado, teremos de aguardar o posicionamento das instituições. Fica muito difícil, pois a interpretação é um ato de vontade vinculado ao interpretar o ordenamento jurídico. Precisaremos aguardar os desdobramentos. Não estou julgando o colega, estou apenas dizendo o que proclamo no meu dia a dia no Supremo.
JC - As ‘escusas’ pedidas pelo juiz ao STF serão aceitas?
Mello - Não conheço as informações que ele enviou. Em tese, ele teria revelado um arrependimento. Não sei (se o ato) é perdoável. Os órgãos atuam mediante provocação, não sei se há um pedido em curso visando alguma glosa, tanto no campo administrativo como penal. Não sou o julgador do juiz Moro, não posso me pronunciar.
JC - Qual foi o momento mais agudo dessa crise recente?
Mello - A fogueira já estava com a chama muito alta e aí jogaram mais lenha com o vazamento da delação do senador Delcídio e depois a divulgação da nefasta conversa (Lula e Dilma). Aí se incendiou o País.
JC - Quem poderia fazer o papel de negociador?
Mello - Todos os deputados federais, senadores e a chefia do Executivo, mas é preciso ter vontade política para isso, o que parece que não há. A função do STF não é de conciliador ou mediador, (a corte) age por provocação, a partir da Constituição Federal. Além disso, já temos muito o que fazer.
JC – Parece que as pessoas não estão ligando muito para a Constituição.
Mello - Isso é histórico, desde Roma. O leigo quer vísceras e sangue e, neste contexto em que se sente ludibriado, a paixão prevalece. E isso não é bom na busca de um Brasil melhor. Esse momento revela que o senso democrático, às vezes, não prevalece. A nossa democracia ainda está em consolidação. A partir do momento em que a coisa degringole, que haja a babel, com depredações e vítimas no confronto entre segmentos antagônicos, e as forças repressivas sejam insuficientes, teremos que ter uma medida extrema, mas só neste caso.
JC - Os juízes têm de ser mais reservados em seu ofício?
Mello - Os juízes também são cidadãos, e a crítica técnica e científica tem de haver. A apatia não pode ser o mal da nossa quadra.
JC – Por que o juiz Sérgio Moro foi alçado a ídolo nas ruas?
Mello - Tenho para mim que ele é uma pessoa reservada. Somos carentes de valores e aí, quando surge alguém que, cumprindo o dever, se realça, é tido como herói, como foi também com o ministro Joaquim Barbosa.
Aos 69 anos, o ministro, que afirma que nem pensa em se aposentar, define que o STF vive seu momento mais agudo desde 1988. O magistrado reforça que a corte precisa focar o mundo técnico e jurídico (ao apreciar as razões do impeachment), mas reage ao desembarque do PMDB. “Não entra na minha cabeça que o partido que formou a chapa e tenha o vice-presidente simplesmente rompa com o governo. Não segue a ordem natural das coisas.” E vislumbra: “O movimento que está no contexto é o de substituição, sem dúvida nenhuma, da presidente da República”.
Jornal do Comércio - A presidente diz que impeachment sem fato ou crime de responsabilidade é golpe. O que o senhor acha disso?
Marco Aurélio Mello - Não analisamos no Judiciário o fato ou conotação política do processo, mas o aspecto jurídico, constitucional e legal, que envolve a existência de um fato jurídico que consubstancie crime de responsabilidade. Isso evidentemente pode chegar ao Judiciário, que é a última trincheira da cidadania. Temos de aguardar os desdobramentos e que todos tenham juízo e que haja um apego maior à ética.
JC - É o momento mais difícil do STF?
Mello – Desde a Constituição de 1988, sem dúvida nenhuma.
JC - Como o senhor qualifica estes tempos em que vivemos?
Mello - O Brasil está numa encruzilhada. Precisaríamos definir o rumo a tomar, a partir de fatos que precisam ser apurados, e sabendo de início que não estaremos com dias melhores após o afastamento da presidente da República. O que cumpre à Câmara dos Deputados é verificar se as causas de impedir representam crimes de responsabilidade e se estão provados os fatos. Agora precisamos aguardar, esperar. Me preocupa muito o dia seguinte, ou seja, o fato de a situação atual ser adversa daquela de 1992.
JC - No que é adversa?
Mello – No impedimento do presidente Fernando Collor de Mello não tínhamos os segmentos como hoje. A presidente, considerando o PT, tem. Lá havia um consenso, que se formou e escaneou o impeachment. Hoje em dia, não. O panorama que está no horizonte sinaliza conflitos futuros, e evidentemente o PT estará na oposição.
JC - O que pode acontecer?
Mello – Os segmentos antagônicos se defrontarem na rua, e aí teremos de ver se as nossas forças repressivas, representadas pelas polícias militares, são suficientes para controlar a situação. Se não forem, o último recurso estará na intervenção das forças armadas. Isso nós não queremos, não pretendemos...
JC – O senhor vê esse risco?
Mello – Não tenho a menor dúvida de que não temos ou que falta a compreensão dos interesses nacionais. Não há governança por falta de diálogo. Ou seja, a voz da presidente da República não ressoa no Congresso de forma positiva. Isso é muito ruim, porque os poderes são harmônicos e independentes, mas devem atuar em conjunto.
JC – Isso revela as fraquezas da democracia brasileira?
Mello – O modelo republicano, vencedor no plebiscito de 1993, funciona em outros países, mas precisa haver uma compenetração para se ter presente o coletivo de quem ocupa cargos públicos. Não dá para simplesmente potencializar o interesse individual ou o interesse simplesmente partidário e romper com o Poder Executivo, como o Legislativo acabou rompendo.
JC - O senhor se refere ao PMDB?
Mello - Falo dos partidos em geral, mas não entra na minha cabeça que o partido que formou a chapa e tenha o vice-presidente simplesmente rompa com o governo. Isso é para mim é impensável. Não segue a ordem natural das coisas.
JC - O que o partido pretende com isso?
Mello - O movimento que está no contexto é o de substituição, sem dúvida nenhuma, da presidente da República. Agora que não se venda à sociedade que há uma esperança possível de frutificar, ou seja, que teremos aí o conserto do Brasil no dia seguinte ao afastamento da presidente. O que nós precisamos é de negociação, que as forças que estão se digladiando sentem à mesa e vejam o que é melhor para a nacionalidade e combatam a crise que maltrata o cidadão comum, que é a crise econômica e financeira.
JC - Esse cidadão pode reagir?
Mello - Não, ele está muito apaixonado, passa a querer vísceras, sangue. Como o que foi divulgado em gravações e intercepções telefônicas antes da hora, infringindo a lei também, e o vazamento da delação do senador Delcídio Amaral. É hora de termos os pés no chão e atuarmos com racionalidade.
JC - Qual é a responsabilidade do juiz Sérgio Moro nessas divulgações?
Mello - Sou um entusiasta da atuação da PF, MPF, da magistratura, mas desde que façam de acordo com o figurino legal. Vou repetir a célebre frase de Rui Barbosa: ‘Fora da Constituição, fora da lei, não há salvação’.
JC - O juiz desrespeitou a Constituição?
Mello - Toda evidência da lei é muito clara. A lei determina o sigilo do que foi alvo da intercepção telefônica, principalmente se os fatos passaram a estar sob a jurisdição do STF. Mas aí ele potencializa, numa visão subjetiva e capacidade intuitiva, o interesse nacional e fecha a lei. Se o cidadão comum vazasse o alvo da intercepção, cometeria crime, segundo a lei de regência, mas o legislador não previu a possibilidade de um erro de quem julga.
JC – O juiz não pode ser punido como o cidadão comum?
Mello - Ele personifica o estado, teremos de aguardar o posicionamento das instituições. Fica muito difícil, pois a interpretação é um ato de vontade vinculado ao interpretar o ordenamento jurídico. Precisaremos aguardar os desdobramentos. Não estou julgando o colega, estou apenas dizendo o que proclamo no meu dia a dia no Supremo.
JC - As ‘escusas’ pedidas pelo juiz ao STF serão aceitas?
Mello - Não conheço as informações que ele enviou. Em tese, ele teria revelado um arrependimento. Não sei (se o ato) é perdoável. Os órgãos atuam mediante provocação, não sei se há um pedido em curso visando alguma glosa, tanto no campo administrativo como penal. Não sou o julgador do juiz Moro, não posso me pronunciar.
JC - Qual foi o momento mais agudo dessa crise recente?
Mello - A fogueira já estava com a chama muito alta e aí jogaram mais lenha com o vazamento da delação do senador Delcídio e depois a divulgação da nefasta conversa (Lula e Dilma). Aí se incendiou o País.
JC - Quem poderia fazer o papel de negociador?
Mello - Todos os deputados federais, senadores e a chefia do Executivo, mas é preciso ter vontade política para isso, o que parece que não há. A função do STF não é de conciliador ou mediador, (a corte) age por provocação, a partir da Constituição Federal. Além disso, já temos muito o que fazer.
JC – Parece que as pessoas não estão ligando muito para a Constituição.
Mello - Isso é histórico, desde Roma. O leigo quer vísceras e sangue e, neste contexto em que se sente ludibriado, a paixão prevalece. E isso não é bom na busca de um Brasil melhor. Esse momento revela que o senso democrático, às vezes, não prevalece. A nossa democracia ainda está em consolidação. A partir do momento em que a coisa degringole, que haja a babel, com depredações e vítimas no confronto entre segmentos antagônicos, e as forças repressivas sejam insuficientes, teremos que ter uma medida extrema, mas só neste caso.
JC - Os juízes têm de ser mais reservados em seu ofício?
Mello - Os juízes também são cidadãos, e a crítica técnica e científica tem de haver. A apatia não pode ser o mal da nossa quadra.
JC – Por que o juiz Sérgio Moro foi alçado a ídolo nas ruas?
Mello - Tenho para mim que ele é uma pessoa reservada. Somos carentes de valores e aí, quando surge alguém que, cumprindo o dever, se realça, é tido como herói, como foi também com o ministro Joaquim Barbosa.