Mino: por que o povo não reage?
O Conversa Afiada reproduz editorial de Mino Carta na edição desta semana de CartaCapital:
Prepotência e resignação
Ensina o professor Pedro Serrano que um Estado de Exceção pode permitir-se todas e quaisquer exceções. Tal a situação em que o Brasil precipita depois do golpe de 2016. E as exceções se multiplicam, cada vez mais daninhas. Não há lei que não possa ser desrespeitada, donde o primeiro resultado é a transformação da Justiça em injustiça. A exceção implica a cínica operação de legalizar o ilegal.
Não se justifica a surpresa, diante de um golpe perpetrado pelos Três Poderes da República com o apoio incondicional da propaganda midiática encabeçada pela Globo e de policiais transformados em jagunços da casa-grande. Deu no que deu e não se enxerga a mais pálida chance de mudança, muito pelo contrário. As máfias fazem o que bem entendem.
No momento, confirmado no Planalto o presidente ilegítimo e corrupto, trata-se de manter a casa-grande no poder excepcional concedido pela nossa Idade Média pelo tempo que lhe aprouver. E lá vem a perspectiva do golpe do parlamentarismo, já premiada pelos beneplácitos da Globo e da afinadíssima dupla Michel Temer e Gilmar Mendes. O nihil obstat eclesiástico.
O Brasil já passou por isto, quando a casa-grande, então apoiada pelas Forças Armadas, pretendeu limitar o poder de João Goulart, o vice de Jânio Quadros renunciatário e seu substituto constitucional. O parlamentarismo durou dois anos, revogado finalmente por um plebiscito histórico que devolveu o País ao presidencialismo.
O parlamentarismo na marra não passou de prólogo do golpe de 1964. A manobra esboçada no momento nasce da ausência de um candidato viável da reação e as quadrilhas no poder não querem correr riscos. Certo é que alguma exceção será lançada ao atual mar de lama e o parlamentarismo parece ser a opção excogitada por enquanto.
Parlamentarismo à francesa, à italiana, à alemã? Talvez à moda da casa. Vale lembrar a noite que a Câmara dos Deputados viveu dia 2 de agosto. Espetáculo deprimente a representar o país primitivo. Com raras exceções, surgiram na arena figuras de ópera-bufa, carentes no comportamento e na lida com o vernáculo, uma grei de paus-mandados. Pergunta um leitor na seção de cartas desta edição: e seria esta a casa da democracia? Trata-se, é verdade factual, de um circo mambembe.
Tentemos imaginar o que seria o parlamentarismo interpretado por esta trupe. De saída, além do ridículo de suas encenações, o instrumento obediente às quadrilhas para perpetuar o Estado de Exceção, sem previsão quanto à duração da desgraça. A bem das máfias. E o Brasil que se moa. De volta aos tempos da colônia, súdito genuflexo, posto à venda a preço de banana.
A ditadura varguista durou menos do que aquela garantida pela casta dos quatro-estrelas. O PSDB chegou ao poder com a eleição de FHC, comprou votos para reelegê-lo. Vinha com um projeto de comandar ao menos por 20 anos. Durou menos do que os governos do PT, abatido pelo golpe de 2016, cujo objetivo era prender Lula, demolir seu partido e impor um Estado de Exceção com o propósito de durar ad infinitum. Instaurado o parlamentarismo, com estes Judiciário e Legislativo, o Executivo será como a casa-grande deseja.
Pergunto aos meus desolados botões: é pessimismo demais? Não é não, respondem, mestos. O povo mostra-se incapaz de reagir, inclinado como sempre à resignação. A história oferece explicações para tanta inércia, nada acontece por acaso. Às nossas costas a terra predada pela colonização portuguesa, três séculos de escravidão, et cetera et cetera. Resultado, desequilíbrio social monstruoso. A registrar o cuidado bem-sucedido dos donos da mansão senhorial em manter a maioria na miséria e na ignorância, embora também eles estejam muito longe do saber. O Estado de Exceção baseia-se nesta situação, que, de resto, jamais permitiu uma autêntica democracia.
Ocorre-me a importância de fortes partidos de esquerda para o progresso político e econômico de países com democracia madura. Do trabalhismo britânico ao comunismo italiano, e não são os únicos exemplos. No Brasil, a esquerda fracassou. Ou porque quem se disse de esquerda mentia, ou porque foi incompetente. Cabe a partidos, tanto de inspiração marxista quanto social-democrática ou fabiana, chegar às massas para politizá-las. Não foi o que se deu por aqui.
O povo brasileiro é doutrinado pela Globo, até as telenovelas prestam-se à obra maligna, para não falar da vulgaridade reinante no vídeo do plim-plim e outros mais. Os movimentos dos sem-terra e dos sem-teto são inegavelmente de esquerda, honra a João Pedro Stedile e Guilherme Boulos. O PT, no entanto, no poder portou-se como todos os demais. Lula e Dilma deram alguns passos significativos no sentido social, tiraram milhões de brasileiros da miséria e os incluíram na sociedade de consumo. Nem por isso os conscientizaram.
O anúncio de que Lula prepara-se a um périplo por diversas praças brasileiras convém ao País. Pelo ex-presidente tenho uma amizade incondicional e nunca deixarei de estar ao seu lado. Recordo que este roteiro esclarecedor que ele se dispõe a cumprir eu o sugeria em abril de 2015. Lula é um grande líder, e não excluiria que fosse capaz de milagres. De todo modo, volto à conclusão do editorial da semana passada: o PT não existe sem Lula, mas Lula não é o PT.